Da Holanda e do resto
A partir dos resultados das eleições na Holanda, houve quem – como o ministro dos Negócios Estrangeiros Santos Silva – prontamente viesse declarar que os holandeses haviam manifestado um claro apoio à União Europeia.
A apressada reacção poderia fazer supor algum engano, a fortuita escorregadela de quem tendo o argumento preparado antes mesmo de conhecidos os resultados, e na pressa de o expender, acaba por se precipitar, sem confirmar os ditos cujos. Aparentemente, não terá sido o caso. Useiro e vezeiro na apologia da coisa, o homem que a propósito do processo de sanções movido pela UE contra Portugal concluiu que «vale a pena jogar as regras do jogo da EU», explica assim, de forma só aparentemente simplória, o seu silogístico raciocínio: a extrema-direita era e é contra a UE; a extrema-direita não ganhou as eleições; logo, a UE «ganhou» as eleições. Este é o ponto de partida para o que segue: se os holandeses apoiam a UE, Santos Silva está convencido de que o mesmo sucederá com franceses e alemães. A conclusão, garante, só pode ser uma: estão criadas as condições para o grande salto em frente da UE.
Dirão alguns que só uma lamentável mesquinhez poderia considerar capciosa a argumentação de Santos Silva, lembrando-lhe, digamos assim, o óbvio: que os principais partidos que defenderam e implementaram na Holanda as políticas e orientações da UE – da direita e da social-democracia – foram fortemente penalizados pelos holandeses, tendo sido os que mais lugares perderam no parlamento (menos 37 lugares no seu conjunto). O partido trabalhista (PvdA), da família social-democrata europeia, ficou reduzido a menos de um quarto da base eleitoral alcançada nas eleições anteriores. Perdeu 29 deputados e não foi além de 5,7 por cento dos votos. Dificilmente algum outro partido holandês simbolizará melhor a defesa da UE. O PvdA é o partido do Sr. Dijsselbloem, o presidente do Eurogrupo, e do Sr. Timmermans, o primeiro vice-presidente da Comissão Europeia, braço direito do presidente Juncker. Também o VVD, do actual primeiro-ministro Mark Rutte, representante da Holanda no Conselho Europeu, apesar de ter sido a força mais votada, perdeu 8 lugares no parlamento, não tendo ido além de 21 por cento dos votos.
Já quanto à extrema-direita, que alcançou 13 por cento dos votos, longe portanto da expressão eleitoral que alguns lhe auguravam, vale a pena medir o seu avanço – sem dúvida preocupante – não apenas pela expressão eleitoral dos partidos que a representam mas também (diríamos sobretudo) pela disseminação dos seus princípios, valores e concepções, e sua assimilação por outras forças do espectro político-partidário, da direita à social-democracia. Da deriva securitária ao discurso e às práticas racistas e xenófobas, mais ou menos assumidas. Das concepções retrógradas e reaccionárias no domínio social, às políticas económicas de favorecimento do grande capital, passando pela aceitação ou promoção activa da restrição de direitos, liberdades e garantias. Razões pela qual a sua derrota exigirá mais do que a derrota eleitoral dos partidos que assumidamente a representam.