Um texto de repúdio do nazismo apresentado pela Rússia na quinta-feira, 13, acabou aprovado nas Nações Unidas contra a vontade dos governos de Washington e Kiev, apostados na provocação a Moscovo, independentemente dos perigos que tal comporta.
LUSA
A resolução que Moscovo tem vindo a apresentar sucessivamente, desde 2006, no terceiro comité da ONU, e que este ano foi subscrita por outros 55 países na qualidade de co-autores, será votada até ao final deste ano na Assembleia Geral da organização. No sufrágio realizado faz hoje uma semana, 131 nações votaram a favor e 48 países, a esmagadora maioria dos quais europeus, abstiveram-se.
EUA, Ucrânia e [ilhas] Palau recusaram o documento intitulado «Combater a glorificação do nazismo, neonazismo e outras práticas que contribuem para alimentar formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância relacionada».
A representação norte-americana justificou a sua objecção com a suposta «natureza politizada da resolução» e com o facto desta alegadamente exigir a imposição de «limites inaceitáveis à fundamental liberdade de expressão». Argumentando que os EUA «condenam sem reservas todas as formas de intolerância étnica ou religiosa», o diplomata Stefanie Amadeo considerou mesmo que a resolução contraria «os princípios inscritos na Declaração Universal dos Direitos do Homem» no que diz respeito não apenas à liberdade de expressão mas também à liberdade de associação e reunião pacífica.
Em síntese, Washington e Kiev defendem que aqueles que têm como objectivo instituir uma cultura oficial e colectiva de intolerância e ódio, discriminação e até práticas criminosas de liquidação de seres humanos com base em pretensas diferenças físicas e de origem social e nacional – afrontando e ameaçando dessa forma o conceito comummente aceite de liberdade –, devem ser livres de a promover e praticar em nome... da sua liberdade.
A Rússia, primeiro promotor da resolução, qualificou de destrutiva a posição norte-americana e ucraniana, mas sublinhou que o posicionamento de ambos não constitui surpresa. «Kiev tornou o nacionalismo radical em ideologia do Estado glorificando os participantes em operações punitivas responsáveis pela morte de dezenas de milhares de cidadãos ucranianos, polacos, russos e doutros países durante a Segunda Guerra Mundial», e os EUA «insistem em apoiar o regime criminoso de Kiev e as suas falsas acusações contra a Rússia», realçou Moscovo.
Três anos de breu
A votação da referida resolução nas Nações Unidas ocorreu dias antes de se completarem três anos sobre o início dos protestos na Praça Maidan (21 de Novembro de 2013), os quais foram conduzidos até ao derrube violento do governo ucraniano e à instalação de uma junta fascista no país.
É aliás sintomático do obscurantismo que se abateu sobre a Ucrânia o facto de, no mesmo dia em que se discutia na ONU o texto que insta ao combate «à glorificação do nazismo, neonazismo e outras práticas que contribuem para alimentar formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância relacionada», o parlamento de Kiev tenha recusado aprovar uma convenção europeia destinada a criminalizar e prevenir crimes de ódio. O bloco de partidos que apoiam o presidente Petro Perochenko decidiram que é necessário expurgar-lhe as referências ao género e à orientação sexual, defendendo que «a lei está pejada de coisas que são inaceitáveis para a nossa sociedade».
A relação do regime golpista ucraniano com a UE não tem sido linear. A assinatura de um tratado de associação foi um dos motivos invocados entre o final de 2013 e o início de 2014 para derrubar o presidente da Ucrânia Viktor Yanukovich. A praça onde se realizaram «os protestos» era inclusivamente conhecida e apresentada como a «Euromaidan».
Contudo, ainda hoje continuam por implementar muitos dos segmentos previstos no «estreitamento de laços» entre Bruxelas e Kiev, designadamente referentes à circulação de pessoas, bens e capitais. O actual chefe de Estado da Ucrânia está particularmente preocupado com a entrada em vigor de um sistema de vistos, tendo mesmo colocado como prazo para o encerramento do assunto o dia de hoje, 24 de Novembro, data em acontece a cimeira Ucrânia-UE, agendada para Bruxelas.
Desde o início deste ano, encontra-se estabelecida uma área de livre comércio entre o bloco imperialista europeu e a Ucrânia, o que foi, aliás, desde sempre propagandeado como a panaceia para a crise económica no país. Porém, os dados oficiais do gabinete de estatísticas de Kiev mostram que as exportações de bens e serviços da Ucrânia para a UE caíram significativamente face a 2014, e que tal não foi compensado com exportações para a Rússia, as quais diminuíram abruptamente no mesmo período.
O que regime parece ter no entanto é urgência em «exportar» para a UE uma massa cada vez maior de trabalhadores ucranianos empobrecidos, desiludidos e revoltados com o novo poder. O próprio Petro Porochenko admitiu, já esta segunda-feira, 21, que nos últimos três anos Kiev falhou na promessa de «elevar a qualidade de vida do povo ucraniano para os altos padrões europeus». Justificou a situação com os elevados investimentos militares, os quais, não obstante, defendeu. «Cada tostão gasto em armas foi bem gasto», declarou.
A Ucrânia prevê gastar na Defesa e Segurança Interna cerca de cinco por cento do Orçamento do Estado para 2017, mais três por cento do que a meta estabelecida nas regras aplicáveis aos países membros da NATO.
A «besta imunda»
À margem da Cimeira Económica de Cooperação Ásia-Pacífico, Barack Obama e Vladimir Putin reuniram para abordar questões que têm causado fricção entre Moscovo e Washington. Uma delas foi a situação na Ucrânia, sobre a qual, de acordo com o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov, não foram registados quaisquer avanços significativos.
Já o presidente norte-americano afirmou, em conferência de imprensa, que pressionou o homólogo russo «no sentido de dar instruções aos seus negociadores para que trabalhem connosco, com a França, com a Alemanha e com a Ucrânia para ver ser podemos chegar a um acordo antes do fim do meu mandato».
Não sendo necessariamente contraditórias as versões da inexistência de avanços e a pretensa postura pressionante que Obama diz ter adoptado, a narrativa do ainda ocupante da Casa Branca sugere que os obstáculos a um eventual consenso entre potências mundiais sobre a Ucrânia está somente do lado do Kremlin. Tal não é verídico, tanto mais que na sexta-feira, 18, EUA e líderes da UE acordaram manter as sanções à Rússia, impostas unilateralmente devido à posição russa face à ascensão do fascismo na Ucrânia.
Moscovo insiste que a aplicação de sanções não invalida o diálogo, salientou Dmitri Peskov em reacção ao anúncio do prolongamento daquelas por mais um ano. É no entanto inegável que não ajuda à superação do diferendo em torno da Ucrânia. Sobretudo, não facilita o diálogo e convergência de esforços para evitar o reforço e consolidação de expressões nazi-fascistas, não apenas naquele país mas em toda a região Leste da Europa, as quais a Federação Russa encara como ameaças à sua segurança e à estabilidade regional.
Ainda no sábado, 19, na Letónia, milhares de pessoas (15 mil, segundo alguns relatos informativos) integraram uma marcha de tochas promovida na capital, Riga, pelo partido nazi-fascista Aliança Nacional, que desde 2003 organiza não apenas esta iniciativa mas campanhas russofóbicas e de destruição de monumentos aos heróis soviéticos da Segunda Guerra Mundial.
Tensão belicista
Quatro mil militares de 11 países participam, desde domingo, 20, e até ao próximo dia 2 de Dezembro, na Lituânia, no exercício anual «Espada de Ferro», o maior realizado pela NATO junto às fronteiras da Federação Russa.
Integram as manobras os EUA, Grã-Bretanha, Alemanha, Canadá, Eslovénia, Lituânia, Letónia, Estónia, Luxemburgo, Polónia e Roménia. Nestes dois últimos, os EUA/NATO têm em franco desenvolvimento um chamado escudo antimíssil, o qual a Rússia encara como uma provocação e um perigo à sua integridade.
Moscovo tem vindo a anunciar o desenvolvimento de sistemas militares e armas capazes de responderem aos meios projectados pelos norte-americanos. Acresce que, esta semana, foi notícia o provável reforço quantitativo e qualitativo dos mecanismos de defesa russos no enclave de Kaliningrado.
Sexta-feira, 18, Vladimir Putin sublinhou que o objectivo é «neutralizar as ameaças, incluindo aquelas colocadas pelo sistema de mísseis estratégicos [da NATO]».
Garantiu também que «tudo faremos para manter o equilíbrio estratégico existente», sem com isso violar os pressupostos do Tratado Anti-Mísseis Balísticos, ao contrário de outros, acusou, referindo-se aos EUA, que em 2002, por iniciativa do então presidente George W. Bush, decidiram abandoná-lo.