Pela paz na Colômbia
Delegações do governo colombiano e das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC-EP) retomaram, sábado, 22, em Cuba, as negociações com o objectivo de resgatar o acordo de paz no país.
O acordo de paz pode transitar do limbo para o inferno
O reinício do diálogo em Havana foi foi desencadeado após a vitória do «Não», a 2 de Outubro, no referendo ao texto subscrito pelas partes a 26 de Setembro. O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, encetou uma ronda de conversações com os opositores ao acordo, tendo recebido, até ao momento, 445 propostas de emenda ao documento original, revelou o chefe de Estado no domingo, 24.
A principal reivindicação da oposição encabeçada pelo ex-presidente da Colômbia Álvaro Uribe, e líder do Partido Centro Democrático, é, no entanto, a criação de uma equipa paralela de consulta do governo, alegadamente para «superar as desconfianças». Para além disso, exige a inclusão na mesa das negociações de uma «testemunha» que garanta a «transparência» do processo.
A proposta revela ao mesmo tempo uma profunda desconfiança dos sectores interessados em perpetuar uma guerra com mais de 50 anos e uma deslegitimação do executivo colombiano liderado pelo actual Prémio Nobel da Paz. Fica igualmente a nu o propósito, embora velado em função do amplo consenso social e político sobre a necessidade de pôr fim ao conflito armado, de abortar a pacificação do país.
Juan Manuel Santos tem apelado a que o «revés ocorrido no plebiscito» seja «convertido numa oportunidade» para fortalecer a implementação da paz. Na retoma das negociações, a delegação governamental manifestou a intenção de proceder a um «diálogo construtivo».
As FARC-EP asseguram que a nova ronda irá analisar as propostas oriundas de todos os sectores colombianos. Antes, o responsável da guerrilha nas conversações já havia alertado que «se não se alcançar uma solução rapidamente, o acordo de paz pode transitar do limbo para o inferno». Em entrevista concedida a partir de Havana Iván Márquez sublinhou, ainda, que o acordo da paz corresponde à aspiração do povo colombiano.
No dia 12 de Outubro, milhares de pessoas manifestaram-se nas ruas de várias cidades colombianas em defesa do fim do conflito armado e deixaram muito clara a concordância com o acordo de paz. «Acordo assinado, acordo respeitado», e «o povo merece, o acordo permanece», foram algumas das palavras de ordem.
As FARC-EP e o governo colombiano decidiram, entretanto, prolongar o cessar-fogo no território até 31 de Dezembro deste ano, algo que corresponde ao apelo feito pela guerrilha nas últimas semanas.
Inegociável
Alcançar um novo acordo definitivo antes do fim deste ano não é uma questão menor. Isso mesmo defendeu o responsável jurídico das FARC-EP nas conversações, Enrique Santiago, para quem, além da vigência da trégua, importa observar que a intenção da oposição é prolongar o limbo até às vésperas das presidenciais no país, as quais deverão ocorrer em 2018.
Quanto ao conteúdo do acordo, Enrique Santiago explicou que existem pontos estruturantes que não são negociáveis, sobre os quais, aliás, parece haver concordância do presidente Juan Manuel Santos. Entre estes estão:
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A propriedade, e designadamente da terra, que no acordo é reconhecida a todos os colombianos que a tenham conseguido legitimamente, em contraposição ao que Álvaro Uribe propõe, que é o reconhecimento dos chamados «direitos adquiridos» durante o conflito;
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A justiça transitória, uma vez que o julgamento dos ex-combabtentes nos tribunais comuns, como propõe a oposição, significaria o desconhecimento da existência de uma guerra, em violação do Direito Internacional sobre a matéria;
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A participação política, com as FARC-EP a não abdicarem de se constituírem como partido, renunciando às armas como instrumento de combate político;
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O narcotráfico, que não sendo um delito de lesa humanidade à luz do Direito Internacional, o financiamento das partes em conflito por essa via só pode ser considerado como um crime conexo ao crime político, admitem as FARC-EP;
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Os actores na negociação, com a guerrilha a reiterar que só reconhece como interlocutor o Estado, embora não esteja contra, pelo contrário, que os poderes públicos auscultem diversas sensibilidades, o que é diferente de lhes reconhecer estatuto oficial nas conversações ou aceitar negociar com partidos ou tendências.