Terminou na passada semana a discussão no Parlamento Europeu, que reuniu a Comissão do Emprego e dos Assuntos Sociais e a Comissão dos Direitos da Mulher e da Igualdade de Género, de um relatório «Sobre a criação de condições no mercado de trabalho, favoráveis ao equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional». Uma reinvenção conceptual do que referiríamos como o combate às desigualdades sociais, às desigualdades entre homens e mulheres, e da elevação das condições de vida dos trabalhadores. Evidente em todo o processo, a subserviência da social-democracia à direita. E a reprodução de uma linha argumentativa que, sendo aparentemente pró-social e imbuída de valores e objectivos sociais positivos, chegando até a parecer progressista para os mais distraídos, acaba na prática por produzir soluções que abrem portas para a prossecução dos caminhos da exploração, sem resolver coisa nenhuma.
É pois sem surpresa que na formulação final do documento se reproduza muito moderadas e ténues críticas às causas reais das desigualdades que assolam e se agravam por toda a União Europeia (relembrar que a UE a 28 tem hoje 125 milhões de pobres, 30 milhões de desempregados, e que a distribuição da riqueza é cada vez mais desproporcional).
Uma das grandes limitações deste relatório é precisamente a deficiente relação entre uma realidade com as suas causas reais. A referência explícita ao facto de as desigualdades serem consequência directa de décadas de políticas neoliberais, de austeridade, de empobrecimento e exploração, que resultam da concepção estrutural da União Europeia e das políticas de direita que patrocina, é inexistente. Falar-se da necessidade de uma mais justa redistribuição da riqueza, ou a garantia real do acesso público, gratuito e de qualidade a serviços é tabu. Tão pouco se permite referências ao ataque aos direitos dos trabalhadores, à promoção exacerbada da precariedade e da desregulação dos horários de trabalho, ou ao esmagamento de salários.
Propostas de conteúdos, entre muitas outras, que o PCP apresentou em sede de comissão e que foram rejeitadas (como as licenças de maternidade e paternidade pagas a 100%). Ainda assim, na esquizofrenia negocial de formação final do texto, foi possível introduzir algumas referências positivas. O princípio das 8 horas de trabalho, 8 horas de lazer, 8 horas de descanso (ainda que chumbada uma referência às consequências para a saúde dos trabalhadores a carga horária superior a 8 horas). A valorização da contratação colectiva como importante instrumento de regulação das relações de trabalho (ainda que esteja inscrito no texto uma abordagem da «responsabilidade conjunta de trabalhadores e empregadores» na definição de regimes mais «adequados» abrindo portas à relação igual e directa entre trabalhador e patrão).
Merecendo a oposição do PCP, permaneceram várias referências às abordagens de flexibilização das relações laborais e de horário, do «trabalho inteligente», do «tele-trabalho», lançando o falso engodo de sendo «sob escolha do trabalhador», facilitar o «equilíbrio» entre a vida pessoal e profissional. Quando sabemos bem que nem sempre esta escolha é voluntária e que, mesmo quando o é, na maioria dos casos resulta na desregulação completa e promiscuidade entre o trabalho e o pessoal, ou em horários «flexíveis» sim, mas em benefício do patrão. A par prossegue a abordagem de lavagem «social» das políticas da União Europeia. Seja pela evocação do Pilar Social Europeu, agora tão em voga, ou pela introdução de uma vertente social do Semestre Europeu. O objectivo simples e claro. Políticas da União Europeia travestidas de social, para prosseguir o aprofundamento da exploração, da desregulação laboral e do ataque aos direitos dos trabalhadores.
Contra o branqueamento, os eleitos do PCP continuarão a defender o combate às desigualdades de forma séria. Exigindo o direito a trabalho com direitos, o aumento de salários, a valorização da contratação colectiva, o fim da precariedade, uma justa distribuição da riqueza, a defesa dos serviços públicos, e do acesso gratuito e de qualidade à saúde, à educação, aos serviços de prestação de cuidados à infância, na doença e na velhice, a defesa dos direitos de maternidade e paternidade. Mas também o acesso e fruição da cultura, do desporto e do lazer. Só assim será possível elevar as condições de vida dos trabalhadores, superando desigualdades e a pobreza. Um caminho seguramente só possível com a ruptura com as políticas de direita e da União Europeia.