O mês das férias

Correia da Fonseca

Cá está Agosto, o mês das fé­rias. Um pouco por toda a parte ouve-se re­petir que «está tudo em fé­rias», e se por­ven­tura assim não se ou­visse aí es­tava a te­le­visão para nos re­cordar que sim, que este é o tempo das fé­rias. En­traram em fé­rias al­guns dos pro­gramas in­te­res­santes dos di­versos ca­nais, en­trou em fé­rias um bom pu­nhado de co­men­ta­dores ha­bi­tuais (e por essa via en­trou também em par­cial re­gime de fé­rias a nossa pa­ci­ência ou a nossa in­dig­nação), estão em fé­rias al­guns dos bons apre­sen­ta­dores de no­tí­cias e também os ou­tros. Todos os dias os nossos te­le­vi­sores mos­tram ima­gens e sons vindos so­bre­tudo do Al­garve, com es­tran­geiros e por­tu­gueses a dis­fru­tarem as quase mí­ticas fé­rias al­gar­vias, e entre todas as re­por­ta­gens des­tacam com­pre­en­si­vel­mente al­guns ins­tantes de lí­deres po­lí­ticos. São, em prin­cípio, «flashes» de mo­mentos fe­lizes e des­con­traídos pelo menos na apa­rência, mas entre tudo isto ocorre um ou outro dis­sabor: é a vida, como diria An­tónio Gu­terres. Por exemplo, e não exemplo menor, aquele muito amargo con­tra­tempo que acon­teceu ao dr. Passos Co­elho quando, con­vo­cado pelo se­nhor Pre­si­dente da Re­pú­blica para uma au­di­ência em Belém à se­me­lhança dos ou­tros lí­deres par­ti­dá­rios com as­sento em Belém. Cal­cule-se que na­quele exacto dia o in­feliz dr.Passos es­tava do­ente e im­pos­si­bi­li­tado de com­pa­recer, desse modo cor­rendo o risco de pa­recer in­so­lente, des­res­pei­toso e mal­criado, o que ob­vi­a­mente era apenas apa­rência sem fun­da­mento. Fe­liz­mente, de­pressa ficou me­lhor­zinho. Ainda assim, não terá es­ca­pado a al­gumas sus­peitas, pois bem se sabe que de sus­peitas está o País cheio, al­gumas das quais, aliás, se­me­adas pelo par­tido que o dr.Co­elho di­rige tanto quanto pos­sível à sua imagem e se­me­lhança.

A «do­mi­ci­li­ação»

Vol­temos, porém, às fé­rias como tema que a TV nos traz ao do­mi­cílio, so­bre­tudo às fé­rias al­gar­vias, pois a te­le­visão, ao con­trário do que talvez de­vesse, pouco nos diz de ou­tros lu­gares por­tu­gueses onde as fé­rias são pos­sí­veis e de­se­já­veis em ad­mi­rá­veis ce­ná­rios pai­sa­gís­ticos bem me­re­ce­dores da im­plí­cita pro­moção pu­bli­ci­tária que uma re­por­tagem te­le­vi­siva sempre trans­porta con­sigo. Vol­temos às fé­rias, pois, para lem­brar os que a TV pouco ou nada re­fere e que estão con­de­nados à si­tu­ação nada in­ve­jável de verem partir os ou­tros. Al­guns porque, sim­ples­mente, não têm fé­rias: os de­sem­pre­gados não as têm, é claro. Ou­tros porque, tendo fé­rias, pois que du­rante uns dias estão dis­pen­sados de com­pa­rência nos lo­cais de tra­balho, aplicam o res­pec­tivo sub­sídio no pa­ga­mento de dí­vidas an­te­ri­or­mente con­traídas para fa­zerem face a ne­ces­si­dades ina­diá­veis, res­tando-lhes a pos­si­bi­li­dade de pas­seios curtos e ba­ratos se para tanto ainda pu­derem dis­pensar al­guns pa­tacos. Em suma, bem se pode dizer que este não é o mês de fé­rias para todos, mesmo com perdão da ge­ne­ra­li­zação que é sempre ex­ces­siva, e muito menos de fé­rias no Al­garve. E, porque é assim, bem podia a te­le­visão, so­bre­tudo quando pú­blica e por­tanto com o dever de acom­pa­nhar com mai­ores atenção e ver­dade o que vai pelo País, aplicar-se a fazer umas re­por­ta­gens acerca dos que não têm fé­rias, nem no Al­garve nem nou­tros lu­gares, porque não os deixam, di­gamos assim, porque estão con­de­nados a «fé­rias do­mi­ci­liá­rias» ainda que essa do­mi­ci­li­ação não tenha sido de­cre­tada por ne­nhum juiz. Essas re­por­ta­gens po­de­riam dar imagem e voz a de­certo mi­lhões de por­tu­gueses. Em ver­dade se pode dizer que seria uma bo­nita acção que a TV podia fazer por eles.




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