Geringonças e outras estórias
A televisão teve o cuidado e a atenção de nos mostrar como o dr. Paulo Portas, desobrigado enfim das suas pesadas responsabilidades governativas, aplicou parte destes seus primeiros tempos de liberdade: usando o seu decerto grandessíssimo prestígio internacional para defender os interesses do País. Foi, ao que nos foi contado, o caso de o dr. Portas se ter deslocado a Bruxelas e/ou seus arredores para pedir que os poderes europeus ali sediados não fossem muito severos perante o Orçamento que o Governo português ali apresentaria. A consequência desta generosa diligência não no-la contou a televisão, mas parece natural concluirmos que a aceitação do Orçamento por Bruxelas não decorreu de méritos do próprio documento ou dos talentos negociais de António Costa, mas sim do peso que a palavra do ex-líder do CDS-PP e da sua influência nos lugares certos, trunfos que até agora não têm sido muito reconhecidos internamente (porque a Pátria tende a ser sempre ingrata, já se sabe) mas neste episódio se afirmaram em toda a sua pujança. Não se sabe, é claro, se o dr. Paulo Portas vai continuar a «andar por aí», seguindo o precedente anunciado pelo dr. Pedro Santana Lopes, aliás seu antigo sócio num governo cuja memória convém não deixar diluir, ou se este seu eclipse político será tendencialmente definitivo, hipótese improvável que constituiria uma grande perda nacional. Não é apenas o seu inegável talento oratório e comunicacional, é também a sua capacidade para inventar fórmulas verbais penetrantes e por vezes malcriadas, os famosos «soundbites», de que o exemplo mais recente é a qualificação de «geringonça» para se referir à nova correlação de forças na Assembleia da República. Curiosamente, esta sua viagem a Bruxelas que floriu numa generosa «cunha» a favor do orçamento PS teve um pouco o andamento de uma geringonça unipessoal, mas convirá lembrar que em matéria de geringonças nenhuma houve, pelo menos em tempos recentes, como a geringonça PSD/CDS-PP que a meio de um certo Verão de 2013 se estampou numa curva do caminho e ali ficou, estampada, até que Portas a remediou aceitando o inesquecível cognome de «o Irrevogável» que decerto muito tempo, se não para sempre, o vai acompanhar na vida política.
A ministra e a obra
Entretanto, como é sabido, os destinos decerto gloriosos do CDS-PP estão entregues à drª. Assunção Cristas. Porque o CDS-PP não é um partido irrelevante no quadro político português e tem decerto a aspiração de um dia regressar ao mando, convém saber quem é a drª. Cristas e recordar alguma obra que lhe é devida. Para tanto, regressaremos ao tempo em que a senhora doutora, ministra, punha e dispunha em várias áreas, numa delas se incluindo o poder de legislar sobre o arrendamento urbano, isto é, sobre o valor das rendas de casa que os cidadãos têm de pagar para garantirem um tecto para si próprios e para as suas famílias. A senhora ministra legislou, pois: foram as leis 30 e 31 de 2012. Na sua sequência, milhares de famílias portuguesas viram-se sufocadas pela angústia, algumas delas terão ficado sem os seus lares, mas a senhora ministra fizera obra. Aí está ela agora, Assunção Cristas, à cabeça de um partido que se diz democrata e cristão e que inevitavelmente faz projectos para o futuro, o seu e também o nosso, o do povo. Sendo assim, o mínimo que nos cumpre fazer é lembrar quem é a decerto excelente senhora e reavivar a memória da desgraça que ela teve a oportunidade de semear entre muitos dos seus compatriotas mais vulneráveis. Os seus próximos, como talvez se diga no vocabulário democristão. As suas vítimas, como é adequado dizer num vocabulário sociopolítico.