Venezuela em ano crucial

Luís Carapinha

Ano de todas as batalhas. É com esta perspectiva que a Revolução Bolivariana entrou em 2016 numa nova fase de confrontação exacerbada com as forças da reacção, a semanas de completar 17 anos da instauração do novo poder. A presente conjuntura é porventura a mais perigosa e complexa enfrentada pelo processo emancipador na Venezuela, exceptuando a tentativa de golpe de estado de 2002, em que Hugo Chávez foi detido e afastado 47 horas de Miraflores. Para tal concorrem factores internos e os impactos da crise mundial do capitalismo, com expressão concentrada na quebra acentuada dos preços do petróleo. A contra-revolução dirigida de Washington ganhou novo alento com o expressivo triunfo nas eleições de 6 de Dezembro. Três anos após o desaparecimento precoce de Chávez, os seus propósitos são claros e públicos: lograr em seis meses o afastamento de Nicolás Maduro e destruir o processo que está na vanguarda das relações com Cuba socialista e da vaga de transformações progressistas na América Latina. A hipótese de um referendo revogatório é um dos cenários à partida fortalecidos pelo recente desfecho eleitoral, não se podendo descartar a vocação golpista da reacção na Venezuela. São reais os perigos de deterioração da situação, resultantes da agenda desestabilizadora da direita e tentativa de instauração de um poder repressivo ditatorial visando quebrar o ascendente da mobilização popular organizada da revolução, traço substancial que se mantém, não obstante o recente desaire nas urnas.

As forças bolivarianas perderam o controlo da Assembleia Nacional para a coligação opositora, cuja votação, em termos absolutos, ficou apenas atrás do resultado de Chávez nas presidenciais de 2012, meio ano antes do seu falecimento. O resultado da MUD (Mesa de Unidade Democrática) ultrapassou as expectativas mais optimistas no campo opositor. É certo que a eleição de 112 deputados, correspondente a uma maioria qualificada de dois terços dos 167 assentos do parlamento – ainda por concretizar em definitivo, em virtude da providência cautelar aceite pelo Supremo Tribunal no seguimento da abertura de vários processos por denúncia de fraudes na votação, impedindo para já a assumpção do mandato de três deputados da MUD –, beneficiou do efeito de distorção de um sistema eleitoral predominantemente assente em círculos maioritários uninominais. Apesar de contabilizar só cerca de 57 por cento dos votos nas listas por partido, a MUD arrebata 70 por cento dos lugares da Assembleia.

Defender a revolução

Olhando a conjuntura, não poucos analistas apontam a existência de uma situação de «duplo poder». De um lado, a coligação comandada pela direita venezuelana que obedece às ordens dos EUA e detém o controlo do parlamento. Conta com o apoio e financiamento do imperialismo norte-americano e dos principais empresários privados locais. São as forças da «guerra económica», que não deixa de confirmar a crise estrutural do modelo rentistado venezuelano. Do outro lado, as forças da revolução que detêm o controlo do poder executivo e contam com o respeito à Constituição de 1999 dos restantes ramos do poder (judicial, eleitoral e moral). A que se junta a esmagadora maioria bolivariana nas instâncias do poder regional e local. Elemento essencial é a salvaguarda do carácter anti-imperialista e chavista das Forças Armadas Bolivarianas e da vitalidade da aliança povo-forças armadas, designada de «união cívico-militar». Dualidade de poder, sobretudo, porque o processo bolivariano tramita o fogo cruzado (e caminhos por desbravar) de uma revolução inacabada. As grandes transformações com vista à criação de uma economia produtiva que rompa com a dependência estrutural da renda petrolífera não foram ainda alcançadas; a transição para uma nova institucionalidade que supere o quadro da hegemonia burguesa deu apenas os primeiros passos. O parlamento comunal – previsto na Lei orgânica das comunas – foi instalado no final de 2015, mas o seu funcionamento está por regulamentar.

O recente revés eleitoral também abre possibilidades para a rectificação e reimpulso das forças revolucionárias. Retomando os objectivos do «golpe de leme» preconizado por Chávez e as directrizes do Programa da Pátria, sacudindo a pressão do estado de guerra não-convencional permanente imposto ao poder bolivariano. Prosseguindo a construção das forças de vanguarda do processo, aprofundando os instrumentos do poder popular e das massas trabalhadoras e a direcção colectiva com base na unidade do Grande Pólo Patriótico (em que estão PSUV e PCV) e a organização e protagonismo das principais forças motoras da revolução.

O presidente Maduro deu posse em Janeiro ao novo Executivo. Foi declarado o estado de emergência económica e instituído o Conselho Nacional de Economia Produtiva. É vital encontrar respostas para os problemas mais prementes que afectam a população e defender as grandes conquistas destes 17 anos. Não há margem para erro no campo revolucionário, mas a Venezuela bolivariana pode contar com a solidariedade de quem no mundo se bate pelo progresso social e uma nova ordem económica.

 



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