A mobilização geral
As vozes da indignação soaram por todo o País, os votos da rejeição foram maioria, e na Assembleia da República a gente do PSD e do CDS-PP teve de abandonar as poltronas do governo. Não gostou, como bem se compreende, e não foi capaz de digerir esse seu desagrado com a civilidade, o «fair play» que até se exige dos futebolistas que perdem um jogo. Não surpreende que tenha sido assim: é sabido que a direita está sempre convencida de que o poder é coisa sua por uma espécie de «direito divino», porque só assim se cumprirá uma suposta ordem natural das coisas que implica a entrega do mando a quem tem mais bens, maiores contas nos bancos ou mais terras herdadas de longínquos ocupantes. Não gostou, pois, e decidiu desencadear contra o resultado eleitoral uma guerra onde se espera, apesar de tudo, que não valham todos os métodos, mas que pelo que já se veio vendo valem muitas coisas feias, decerto porque em tempo de guerra não se limpam armas nem se despreza o recurso a armas sujas. Neste quadro se situa a utilização da comunicação social em geral e em especial da televisão, conhecido como é o seu superlativo poder de convencimento de populações desde há muito desabituadas da leitura que estimula o discernimento e de questionarem quanto é injectado nos ecrãs dos televisores. Assim, tanto quanto parece ao telespectador atento e saudavelmente crítico, a Senhora Dona Direita (assim se dizendo para respeitar o tratamento reverencial a que ela presumivelmente se acha com direito) decretou a mobilização de quantos nas diversas operadoras de TV, porque nelas habitam ou porque nelas são visitas regulares, podem e devem participar na peculiar guerra santa que é o combate mediático a um governo que está em pecado mortal porque aceitou os votos de formações partidárias há muito feridas de excomunhão.
Uma ampla panóplia
Desta ofensiva já aqui se falou, abordando-se então um seu aspecto em particular, o da intriga, arte que aliás a direita há muito cultiva com inegável vocação. Mas a panóplia dos agentes da direita incrustados em diversos canais de TV alarga-se a outros métodos. Há, porventura com provável grau de eficácia, a sempre cuidadosa e agora redobrada selecção de opinantes a transbordarem de sabedorias que vêm fazer a suposta demonstração de que é inviável, se não porventura contra as leis naturezas, que o poder político seja exercido com o apoio de partidos de esquerda, sobretudo com o apoio do PCP. Há mesmo um conhecido cronista, sujeito de óbvio mau feitio e de adivinhável mau hálito, que na imprensa (já que na TV apenas teve uma efémera e insignificante passagem) se dá ao luxo de abertamente insultar os deputados comunistas sem que o jornal onde arrota e soluça, perdão, onde escreve, mostre envergonhar-se de ter uma tão feia criatura a ocupar-lhe colunas. Porém, o mais eficaz será o recrutamento de mais gente da direita ressabiada para compor as equipas de opinião, a cuidadosa escolha de notícias que pareçam servir para bombardear a sustentação parlamentar do governo, a escandalosa tomada de posição direitista de alguns apresentadores de programas, até o lançamento de embriões de informações não confirmadas que contudo servem lindamente os fins desta cruzada. Na verdade, se «a falar é que a gente se entende», como diz o povo, o caso é que para muita gente espertalhona e oportunista «a mentir é que a gente se safa», e o cumprimento sábio desta regra é um investimento que promete rendabilidades num futuro que não se sabe quando ocorrerá, nem é seguro que vá ocorrer, mas que é «uma oportunidade», tanto mais que se sabe que o aproveitamento de oportunidades efectivas ou miríficas tem surgido como uma das regras básicas do liberalismo na moda. Assim, a decretada mobilização geral está cheia de mobilizados de bom grado. Ter este facto presente é a primeira regra de autodefesa do cidadão que não quer ser enganado.