PCP quer manter TAP pública

Anular a privatização

No mesmo dia em que, às escondidas e à pressa, o Governo entregou a TAP à Atlantic Gateway, o PCP propôs na Assembleia da República a anulação da privatização.

A TAP é o maior exportador nacional

LUSA

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O projecto de lei do PCP, entregue no próprio dia 12, prevê o imediato cancelamento e reversão do processo de privatização da companhia aérea nacional. O Partido pretende, assim, travar a venda da TAP «o mais depressa possível» em nome da própria sobrevivência da empresa, ameaçada por este negócio.

No texto de fundamentação da sua proposta, o PCP lembra que a Azul, a quem o Governo pretende entregar a TAP por intermédio da Atlantic Gateways, encontra-se actualmente à beira da falência e dependente de eventuais apoios das autoridades brasileiras. Algumas notícias falam até de que terão sido reclamados apoios ao próprio governo português, acrescenta-se.

A importância da empresa para a economia nacional é outro argumento adiantado pelo PCP para que seja revertida a sua privatização: a TAP é, actualmente, o maior exportador nacional e o maior contribuinte da Segurança Social e paga anualmente mais de 600 milhões de euros de salários em Portugal, gerando por essa via receitas de IRS superiores a 100 milhões de euros. A destruição da TAP representaria, assim, a destruição de uma empresa estratégica, «fundamental para o sector do turismo e para o desenvolvimento do País».

A anulação deste negócio é, para o Partido, um primeiro e decisivo passo para que seja possível abrir caminho a uma política «radicalmente diferente» para o sector aéreo. Uma vez travada a privatização, o PCP considera fundamental resolver outros problemas com que a companhia se confronta: a libertação das «absurdas limitações à gestão actualmente impostas», o apoio à resolução do problema da ex-VEM, o investimento na Manutenção TAP, o fim da instabilidade no handling, o reforço da ligação da SPdH à TAP, a resolução das necessidades de capitalização da companhia e a cessação do favorecimento e financiamento públicos a empresas concorrentes da TAP.

Inaceitável e ilegítimo

Na conferência de imprensa em que foi apresentado o projecto de lei, o presidente do Grupo Parlamentar comunista, João Oliveira, considerou «inaceitáveis e da maior gravidade» as decisões assumidas pelo Governo nesse mesmo dia. Aliás, acrescentou, se as últimas decisões tomadas pelo anterior governo PSD/CDS eram já «ilegítimas do ponto de vista político», estas desrespeitam os «próprios limites constitucionais a que o Governo está sujeito por se tratar de um governo demitido e em funções de gestão».

Muito embora fosse já conhecida a intenção do Governo de proceder, a breve prazo, à assinatura do contrato de venda directa da TAP ao consórcio «Atlantic Gateway», a autorização supostamente concedida à Parpública para alienar a TAP foi aprovada a 22 de Outubro – duas semanas depois das eleições e a uma semana de o anterior governo cessar funções. Para o deputado comunista, «não se pode reconhecer como legítima aquela decisão», considerando quer as circunstâncias políticas em que se encontrava o governo que a tomou quer as implicações que ela terá na limitação do poder de decisão de um futuro executivo. As condições de capitalização da empresa foram decididas pelo actual Governo.

O que todo este processo confirma é, para João Oliveira, a «necessidade urgente de o Presidente da República nomear e empossar um novo governo que interrompa este ciclo de destruição nacional». Fundamental é, sobretudo, a mobilização dos trabalhadores da empresa para travar mais uma vez a sua privatização. Num comunicado distribuído aos trabalhadores do Grupo TAP nesse mesmo dia, a célula do Partido apelava a que estes não ficassem a assistir à destruição da empresa: «organiza-te, resiste, reivindica, luta!»

 

Malfeitorias em catadupa

A desestabilização e a campanha de mentiras e chantagens a que a TAP foi sujeita nos últimos quatro anos, com duas tentativas de privatização – uma, falhada em 2012; outra, em curso –, constitui um «autêntico crime de proporções gigantescas e de consequências dramáticas ainda não totalmente contabilizáveis». Essa é a convicção do PCP, que acusa o governo PSD/CDS de ter levado a cabo uma «campanha de desvalorização» da transportadora aérea de bandeira «ao mesmo tempo que a tentava oferecer ao grande capital».

No preâmbulo do diploma comunista são reconstituídas algumas das malfeitorias mais relevantes impostas à TAP na vigência do executivo liderado por Passos Coelho:

restrições à livre contratação de trabalhadores que se traduziram numa enorme e perigosa saída de trabalhadores altamente qualificados – técnicos de manutenção e pilotos, sobretudo –, criando, em simultâneo, a necessidade de deslocalizar muito do trabalho de manutenção para o Brasil;

restrições no acesso ao crédito que levaram a uma crescente degradação da situação financeira da empresa, nomeadamente criando a necessidade de reestruturação da dívida da TAP;

suspensão da renovação da frota da Portugália, desarticulando a solução que estava encontrada;

imposição de uma política suicida no Verão de 2014 (com uma oferta superior à capacidade de resposta da companhia) e, por outro lado, perante a greve de Abril de 2015, uma deliberada aposta no confronto e na ampliação dos seus efeitos sobre os clientes, o que degradou muito o prestígio ganho pela TAP ao longo dos anos, sem falar no custo de já largas dezenas de milhões de euros;

opacidade extrema no processo de privatização, com o governo a esconder da Assembleia da República e dos trabalhadores os sucessivos relatórios de avaliação da companhia e os documentos dos processos de privatização, sob a alegação de estar em causa o segredo comercial, ao mesmo tempo que mandava a companhia revelar, sucessivamente, toda a sua informação comercial e estratégica aos concorrentes mais directos da mesma.


 

Negociata chocante

A falta de transparência com que o governo conduziu a privatização da TAP, recorrendo amiúde à omissão e à mentira, é, em si mesma, razão mais do que suficiente para travar este processo. Na nota preambular do seu diploma, os deputados comunistas lembram, por exemplo, a forma como em 24 horas se produziram os relatórios de avaliação das propostas apresentadas pelos diversos concorrentes, o que do seu ponto de vista deixa claro que os diversos pareceres (administração da TAP, Parpública, etc.) foram apenas formalismos para um negócio arrumado noutro local e com objectivos espúrios.

Criticada pelo Grupo Parlamentar do PCP foi também a forma como o governo procedeu à nomeação do Conselho de Administração da Autoridade Nacional da Aviação Civil/ANAC. Entendendo que esta «Autoridade» ficou ferida na sua credibilidade, os deputados do Partido consideram que tal nomeação ajuda a perceber que perante a flagrante violação dos regulamentos europeus, ela tenha optado por enviar recomendações sobre como os concorrentes poderiam simular cumprir esses regulamentos em vez de reconhecer essa não conformidade e as implicações daí decorrentes à luz do direito comunitário.

Sobre o negócio firmado entre o governo e a Atlantic Gateway (de David Neeleman e Humberto Pedrosa), do que se conhece, a ressaltar está desde logo o preço ridículo acertado – 10 milhões de euros. Para o PCP, este valor só é possível pela «artificial desvalorização dos activos da companhia e pelo ignorar de muitos desses activos». Partindo do princípio de que «não há nem haverá um preço bom para a TAP», o PCP considera chocante que o governo queira vender o maior exportador nacional por menos de 10 por cento do valor de um dos seus 71 aviões.

Ainda sobre o preço de venda da TAP, o PCP considera igualmente chocante que Humberto Pedrosa pague efectivamente pela companhia aérea nacional um valor correspondente a «quase metade do perdão de dívida conseguido com um único despacho da Secretaria de Estado dos Transportes em Agosto de 2015». O escândalo aumenta sabendo-se que a TAP comprou a Portugália e vendeu 49 por cento das Lojas Francas de Portugal e da Cateringpor e 50,1 por cento da SPDH por mais dinheiro, em qualquer desses negócios, do que o Governo vende agora o Grupo TAP, que inclui a TAP, a Portugália, 51 por cento das Lojas Francas e da Cateringpor e 49,9 por cento da SPDH.