Previsões de Outono
Vale a pena olhar para as previsões económicas de Outono da Comissão Europeia, anunciadas na semana passada. Por várias razões. Desde logo, porque essas previsões – normalmente imbuídas de um consabido optimismo que a realidade acaba quase sempre a deitar por terra – não conseguem esconder esta evidência: a funda e arrastada crise em que mergulhou a União Europeia, e nesta, de um modo particular, a Zona Euro, não é página virada, ao contrário das anteriores insistentes proclamações nesse sentido. As perspectivas permanecem sombrias.
Num contexto que, à partida, se poderia supor ser favorável à retoma económica – marcado pela baixa dos preços do petróleo, taxas de juro historicamente baixas e o Euro desvalorizado face ao Dólar, – a própria Comissão Europeia não consegue mais do que apelidá-la de «modesta» e «lenta», à dita retoma, alertando para dificuldades que pairam no horizonte.
Em grande medida, essas dificuldades devem-se à persistência e alastramento da crise global do capitalismo, que atingirá em 2016 de forma mais pronunciada as economias emergentes, vítimas de «desaceleração» (em especial no caso da China), o que degrada as perspectivas de crescimento e de comércio globais, afectando as exportações europeias.
Do «crescimento», em Portugal e na Zona Euro
A Comissão Europeia prevê que o PIB real do conjunto da Zona Euro registe um aumento de 1,6 por cento em 2015, 1,8 em 2016 e 1,9 em 2017. Na UE, no seu conjunto, o PIB real deverá passar de 1,9 por cento este ano para 2,0 em 2016 e para 2,1 em 2017. Já em Portugal, as previsões apontam para um crescimento do PIB de 1,7 por cento este ano, valor que se manterá em 2016.
Os números, vindos de quem vêm, valem o que valem. Valem, ainda assim, três breves apontamentos. O primeiro para assinalar que, globalmente, as perspectivas de crescimento apontadas se situam em valores que, a manterem-se as actuais políticas, não permitem supor ser possível recuperar nos próximos anos do muito que se andou para trás nos últimos anos, designadamente ao nível da destruição de emprego. O segundo, para destacar que, pesem embora os esforços da Comissão Europeia, em apoio ao (defunto) governo português, propalando os «sucessos» das políticas levadas a cabo em Portugal, constata-se que o crescimento da economia portuguesa no próximo ano se situará, de acordo com as previsões, novamente abaixo da média da Zona Euro. Ou seja, a máquina de divergência que dá pelo nome de Zona Euro, depois das peças que lhe acrescentaram nos últimos anos (Governação Económica, Semestre Europeu, Tratado Orçamental), continua a desempenhar o seu papel: a gerar divergência, a cavar distâncias cada vez maiores entre o centro e a periferia. Por último, repare-se que, à semelhança do que vem sucedendo de forma consistente pelo menos desde o espoletar da crise, o crescimento económico na UE no seu conjunto se situa sistematicamente acima do crescimento na Zona Euro. Facto que poucas vezes tem sido alvo do merecido registo. E que, sem pretensão explicativa que vá além do alvitre que segue, sempre pode servir para constatar que: primeiro, há vida na UE para além da Zona Euro; e, segundo, ao que parece, essa vida (no que respeita ao crescimento económico) até não corre assim tão pior do que na Zona Euro, bem pelo contrário. O que talvez ajude a explicar que, nesta altura do campeonato, praticamente nenhum dos países membros da UE que não estão no Euro (mas que se supõe, de acordo com os tratados, que venham a fazer parte da moeda única um dia) esteja propriamente interessado em juntar-se ao clube.
Dos lusos défice e dívida
Depois de tudo o que foi feito pelo defunto governo em nome da «consolidação orçamental», vale a pena lembrar que 2014 fechou com um défice real de 7 por cento. A injecção de recursos públicos no BES/Novo Banco assim o ditou. A Comissão Europeia apressou-se a dizer que não havia qualquer problema, que os milhões públicos enfiados na banca privada não contavam para as contas do défice. Está claro que fossem esses milhões investidos na saúde, na educação ou nos demais serviços públicos e outro galo cantaria: «défice excessivo», cacarejaria. Para 2015, prevê-se um défice mais baixo mas ainda assim no limiar deste cacarejar.
Quanto à dívida pública, já hoje uma das maiores do mundo em percentagem do PIB, a Comissão Europeia prevê que no final de 2017 ainda por aí ande: acima dos 120 por cento do PIB – a justificar vinte anos de acrescidas sevícias sobre o povo português, de acordo com as regras do Tratado Orçamental, assim não tenha este o mesmo destino do governo que aqui nos trouxe.