Degradação dos serviços públicos
Nas últimas semanas os portugueses têm assistido a um espetáculo que merece uma reflexão séria. Jornalistas e comentadores, que perdem a objetividade e o bom senso, e procurando condicionar o PS e a opinião pública, destilam um discurso agressivo contra aquilo que designam por «esquerda radical», e mesmo um anticomunismo primário e serôdio, que se pensava que já tinha desaparecido do País. Um presidente da República que, perdendo o sentido de Estado e à velha maneira de Salazar, divide os portugueses em bons e maus portugueses e decide que os representantes destes últimos não têm o direito de estar no governo e, se pudesse, substituiria a velha declaração salazarista que era obrigatória para ingressar no Estado – «ativo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas» – por uma outra com os seguintes dizeres: «ativo repúdio das ideias contrárias ao euro, ao Tratado Orçamental, à União Europeia, e aos mercados».
Um outro aspeto preocupante que se está a verificar na Função Pública é também a política de baixos salários, à semelhança daquilo que os patrões estão a tentar impor no setor privado
LUSA
A Constituição da República é substituída por aquilo que chamam «boas práticas democráticas», ou por «quem ganha deve governar» mesmo que não tenha a maioria na Assembleia da República, sendo os mesmos que consideram que a eleição do presidente da Assembleia da República pela maioria dos deputados é «um movimento de meia dúzia de pessoas, que na sua sobrevivência política tentam impor-se à própria democracia».
Tudo isto, e mesmo mais, se ouviu e é veiculado maciçamente, sem contraditório, por comentadores e jornalistas (felizmente não todos) que dominam os principais órgãos de informação procurando assim condicionar os portugueses. Se não tivesse outro objetivo, pelo menos teria a vantagem de mostrar a «objetividade» e a «credibilidade» do jornalismo dominante em Portugal, e a verdadeira face dos que se ocultam sob uma frágil capa democrática, que estala quando sentem que podem perder o poder ou temem perder as graças do poder. Tudo isto merece uma reflexão atenta por parte dos portugueses.
Neste contexto é essencial recordar o que aconteceu nestes últimos quatro anos, até para que a gigantesca operação de manipulação e de branqueamento do passado recente, que está em curso, não tenha êxito. Para isso, vamos analisar o que sucedeu numa área vital para vida e bem-estar dos portugueses, que é a prestação dos serviços públicos.
Consolidação orçamental
à custa dos trabalhadores
Toda a gente sabe que não existem serviços públicos de qualidade (saúde, educação, segurança social, etc.) sem trabalhadores qualificados devidamente remunerados e motivados. O Quadro 1, com dados divulgados pelo Conselho das Finanças Públicas, uma entidade oficial, mostra que a consolidação orçamental violenta imposta ao País pela troika e pelo PSD/CDS tem sido feita à custa de cortes brutais nos rendimentos dos trabalhadores da Função Pública e no investimento público.
Entre 2010 e 2015, o corte na despesa pública total, em valores nominais, portanto antes de deduzir o efeito do aumento de preços, atinge 2784 milhões de euros, mas o corte nas despesas com pessoal somou, no mesmo período, 4930 milhões de euros, ou seja, foi superior ao corte na despesa total em 77 por cento. E a redução no investimento público, essencial para se poder prestar serviços públicos de qualidade e para promover a recuperação económica, pois o investimento privado tem sido incapaz de o fazer, atingiu 40,1 por cento, ou seja, o de 2015 será inferior ao de 2010 em 2923 milhões. Isto significa que os cortes nos rendimentos dos trabalhadores da Função Pública e no investimento público, têm sido feitos não só para reduzir o défice orçamental, que tem sido muito aquém do corte feito naquelas despesas, mas sim para fazer face ao aumento de outro tipo de despesas.
Uma das despesas financiadas com cortes nos rendimentos dos trabalhadores da Função Pública e no investimento público é precisamente o aumento significativo da despesa com o pagamento de juros aos «credores», que atinge, em 2015, cerca de 8886 milhões de euros, ou seja, mais 68,7 por cento (3618 milhões de euros) do que o pago em 2010. Portanto, a troika e PSD/CDS trouxeram mais dívida a pagar (entre Dez.2010 e Dez.2014, a dívida pública aumentou de 200 049 milhões de euros para 281 592 milhões de euros, e continuou a crescer em 2015, atingindo em Agosto deste ano 284 695 milhões de euros, segundo o Banco de Portugal) e também mais juros a pagar.
É urgente inverter
redução do poder de compra
Aquela redução significativa nas despesas com pessoal teve como consequência inevitável uma baixa brutal no poder de compra das remunerações dos trabalhadores da Função Pública e, consequentemente, no seu nível de vida como mostra o Quadro 2.
As conclusões que se tiram são as seguintes: (1) O ganho médio mensal líquido de 2015, após a dedução das contribuições para a CGA e ADSE, e do IRS e sobretaxa de IRS é inferior ao de 2010 em 10,9 por cento; (2) Se deduzirmos o efeito do aumento de preços verificado neste período, o poder de compra do ganho médio liquido dos trabalhadores da Função Pública em 2015 é inferior ao de 2010 já em 17,1 por cento; (3) Mas se entramos em conta com o aumento do horário semanal de trabalho de 35 horas para 40 horas, sem qualquer compensação (trabalho gratuito) imposto aos trabalhadores da Função Pública pelo PSD/CDS, constatamos que o ganho médio real por hora (valor/hora) nas Administrações Públicas é, em 2015, inferior ao de 2010 em 27,5 por cento. É uma situação inaceitável que necessita de ser rapidamente corrigida.
Um outro aspeto preocupante que se está a verificar na Função Pública é também a política de baixos salários, à semelhança daquilo que os patrões estão a tentar impor no setor privado. De acordo com as Estatísticas de Emprego Público, referentes ao 2.º Trimestre de 2015, divulgadas pela DGAEP do Ministério das Finanças, com a reposição de 20 por cento do corte de remunerações em 2015, entre Dezembro de 2014 e Janeiro de 2015, o ganho médio dos trabalhadores da Função Pública aumentou de 1604 euros para 1615 euros, ou seja, em apenas mais 11 euros. No entanto, segundo a DGAEP, em Abril de 2015 o ganho médio tinha descido para 1611euros, ou seja, quatro euros já se tinham perdido (36,4 por cento dos 11 euros). Parece existir uma clara tendência de baixa de salários também na Administração Pública. Eis também uma consequência da governação PSD/CDS, que a coligação quer continuar e consolidar, «exigindo» a aceitação de um seu governo, e considerando normal que, mesmo minoritários, têm o direito dado pela tradição de governarem o País e continuarem com a sua política de cortes nas remunerações e nos trabalhadores, como se mostra seguidamente, até levar ao colapso os serviços essenciais à população, abrindo-os assim ao negócio privado (só passariam a ter acesso a eles os que os pudessem pagar).
Redução dos trabalhadores
e efeitos na prestação de serviços
O Quadro 3, com dados do 2.º Trim.2015, do DGAEP do Ministério das Finanças, mostra as consequências dramáticas da política do PSD/CDS de redução do emprego público. Entre 31.12.2011 e 30.6.2015, o número de trabalhadores foi reduzido em 72 694 (-10 por cento), Mas existem categorias profissionais em que o corte foi muito superior, nomeadamente dirigentes (-16 por cento); assistentes técnicos e operacionais (-13 por cento); pessoal de investigação científica (-22,9 por cento); e educadores de infância e docentes do Ensino Básico e Secundário (-14,9 por cento). Categorias profissionais fundamentais para o funcionamento de todos os serviços e para o desenvolvimento do País, como são as dos assistentes técnicos e operacionais, e professores, sofreram cortes que somam 58 515, ou seja, 80,5 por cento do corte total. O aumento de 8,7 por cento dos médicos é ilusório pois oculta o facto de se ter verificado a substituição de muitos médicos com horários completos por médicos que fazem apenas poucas horas semanais, o que determina que também nesta categoria se verificou uma redução real. Categoriais profissionais, onde o número de trabalhadores já era insuficiente – enfermeiros, técnicos de diagnósticos e terapêutica, técnicos superiores, pessoal de investigação científica, pessoal de inspeção, oficiais de justiça, guardas prisionais – sofreram também cortes.
Esta redução significativa do número de trabalhadores (menos 72 694 em 3,5 anos), a maioria deles em serviços muito importantes para a população e para o desenvolvimento do País, associada ao aumento brutal do trabalho sem qualquer compensação (cerca de 140 milhões de horas de trabalho gratuito por ano, o que significa uma perda de rendimento pelos trabalhadores estimada em 818 milhões de euros de rendimento anual), consequência do aumento do horário semanal de trabalho de 35 horas para 40 horas, agravou enormemente as condições de trabalho e degradou profundamente a qualidade dos serviços públicos prestados sentida já pela população, levando muitos serviços públicos a uma situação de pré-colapso. É urgente inverter a situação criada pela política da troika e do Governo PSD/CDS.