e exigem dissolução da NATO
Defender a paz e cumprir a Constituição
O cumprimento do desígnio constitucional de dissolução dos blocos político-militares foi uma das exigências que sobressaiu do desfile de sábado à tarde, em Lisboa, pela paz e contra a realização dos exercícios militares da NATO envolvendo território e forças armadas nacionais. Apesar da chuva que se fez sentir, centenas de pessoas fizeram questão de afirmar bem alto que a «NATO é agressão, não é protecção».
Mobilizados pelas mais 30 organizações e movimentos que promoveram as acções «Sim à Paz – Não aos Exercícios Militares da NATO», centenas de pessoas subiram a Rua do Carmo e a Rua Garrett, no Chiado, expressando o seu apego à paz e o repúdio pela guerra imperialista, os sucessivos atropelos ao direito internacional e à soberania dos povos e o reforço do carácter agressivo desta aliança belicista – patente nos próprios exercícios que está a realizar em Portugal, Espanha e Itália (os maiores das últimas décadas, envolvendo 36 mil militares de 30 países), nas crescentes despesas em armamento que os seus estados-membro assumem e ainda nas múltiplas frentes de guerra em que se encontra, aberta ou encapotadamente, envolvida.
Em cartazes e palavras de ordem denunciou-se o carácter belicista da NATO, em frases como «NATO é guerra», «NATO é inimiga da Paz» ou «NATO é (in)segurança». O alargamento da NATO até às fronteiras da Rússia e as constantes provocações àquele país; a manutenção, na sua doutrina, da «opção nuclear» num primeiro ataque; a agressão à Jugoslávia, ao Iraque, ao Afeganistão e à Líbia e a ingerência na Síria, com as suas dramáticas consequências – de que a actual «crise dos refugiados» é expressão particularmente brutal – aí estão, a comprovar a justeza e a necessidade de prosseguir o combate pela dissolução deste bloco político-militar criminoso.
O desvio para fins militares de avultadas verbas essenciais ao progresso social e à resolução de necessidades básicas das populações foi igualmente alvo de duras críticas durante o desfile, expressas em frases como «Nem mais um euro para a guerra» e «Se queres saúde ou educação, diz “NATO não”». No jornal editado pelas organizações promotoras das várias iniciativas de contestação aos exercícios, distribuído em grande número durante todo o percurso, dava-se conta da dimensão astronómica das despesas militares, que em 2014 ascenderam a 1800 mil milhões de dólares, bem mais de metade das quais assumidas pelos países membros da NATO. Lembrava-se, ainda, o compromisso assumido pelas autoridades portuguesas na última cimeira da NATO, realizada no ano passado em Glasgow, na Escócia, de aumentar os gastos militares do País pelo menos até dois por cento do PIB.
Juntos pela paz
No Largo de Camões, para onde confluiu o desfile, tiveram lugar as intervenções dos representantes de algumas das organizações promotoras das acções pela paz e contra os exercícios militares da NATO. Pelo CPPC, Ilda Figueiredo lembrou que as manobras em curso em Portugal, Espanha e Itália seguem-se a outras, realizadas em zonas sensíveis como o Mar Negro, o Mar Mediterrâneo e a Ucrânia. A presidente da direcção nacional do CPPC denunciou ainda as diversas guerras promovidas pela NATO, responsáveis pela destruição de países, pela morte de milhares de pessoas e pela deslocação forçada de muitas outras. «Nós queremos a paz», afirmou, exigindo o cumprimento por parte das autoridades nacionais da Constituição da República Portuguesa.
Em nome da CGTP-IN, Augusto Praça estabeleceu a ligação existente entre a guerra e a violação dos mais elementares direitos dos trabalhadores, particularmente visível nos países que foram alvos de agressões militares, da antiga Jugoslávia à Líbia, do Iraque à Síria. Por essa razão, garantiu o dirigente sindical, a luta pela paz é uma «preocupação central» da Inter, para quem a dissolução da NATO é uma questão essencial.
Ana Souto, do MDM, acusou a NATO de ser uma «organização belicista que insta governos e estados para guerras ofensivas», lembrando que em zonas de conflito «as mulheres e as crianças são as primeiras vítimas, sujeitas a todo o tipo de violências», como violações, tráfico humano, miséria e morte. A defesa dos direitos das mulheres é «indissociável da luta pela paz e pelo desenvolvimento», acrescentou.
Em nome do MPPM interveio Vítor Silva, que denunciou a presença das potências da NATO em «todos os conflitos e tragédias que se sucedem no Médio Oriente», seja por via da intervenção militar directa seja pelo apoio «logístico, diplomático, financeiro e armamentista a quem faça o trabalho agressivo por procuração». São também da NATO ou das principais potências que a compõem a generalidade das bases militares que cercam a região, «desde o Afeganistão, passando pela Turquia, Grécia, Etiópia ou Bahrein», acrescentou.
Ricardo Brites, da Associação de Estudantes do ISEL, garantiu que quando lutam por financiamento nas escolas, pela educação pública, gratuita e de qualidade ou pelo direito à cultura os jovens pugnam também pela paz, rejeitando que verbas que faltam no sistema educativo sejam canalizados para a guerra e para o reforço da NATO.
Cultura contra a guerra
São muitos os exemplos, ao longo dos anos, de músicos, poetas, artistas e intelectuaius que emprestaram o seu talento à luta pela paz e o desarmamento e contra a guerra. A acção de sábado não foi excepção e pelo palco instalado no Largo de Camões passaram músicos e artistas que, fazendo o que melhor sabem, se solidarizaram com a urgente luta pela dissolução da NATO.
Os primeiros a actuar foram os jovens Luís e Francisco, que transportaram para a actualidade canções que deram voz a outras gerações que combateram o imperialismo, o fascismo e a guerra: «Rosa de Hiroxima», de Vinícius de Moraes e Ney Matogrosso e «El Derecho de Vivir en Paz», de Victor Jara, foram momentos altos da actuação.
O fadista eborense Duarte, que em 2006 foi galardoado com o prémio «Revelação Masculina» pela Fundação Amália Rodrigues e que no final do ano passado participou no Concerto pela Paz promovido pelo CPPC, voltou a emprestar o seu imenso talento a esta justa causa. A canção tradicional «Fui Colher uma Romã» e o «Cantar da Emigração», de Rosalía de Castro (na versão de Adriano Correia de Oliveira), fizeram parte do reportório apresentado.
Sebastião Antunes foi o último artista a actuar, antes da intervenção de encerramento de Ilda Figueiredo, interpretando de forma generosa e empenhada «Amigo, Maior que o Pensamento», de José Afonso, e «Ninguém é Dono do Mar», do grupo Quadrilha, do qual é o nome mais conhecido.
A consagrada actriz Fernanda Lapa, presença constante em acções de luta pela paz, pelo progresso e pela justiça social, declamou – de forma soberba, acrescente-se – dois poemas: «Ode à Paz», de Natália Correia, e «O seu tanque, general», do poeta e dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Os últimos versos deste poema expressam uma das mais sólidas esperanças de todos quantos combatem o imperialismo e defendem a paz: «O homem, meu general, é muito útil:/ Sabe voar, e sabe matar/ Mas tem um defeito/ – Sabe pensar.»
Omissões que falam por si
No seu discurso da passada quinta-feira, 22, em que empossou Pedro Passos Coelho para formar Governo, o Presidente da República justificou a sua decisão com a necessidade de respeitar «compromissos históricos» do País. Um deles é precisamente com a NATO, da qual – fez questão de salientar – Portugal foi um dos fundadores.
Se as afirmações do Chefe de Estado fizeram já correr muita tinta e deram azo a várias horas de emissão televisiva, as suas omissões não são menos significativas. E graves. Ora, relativamente à fundação da NATO, Cavaco Silva nada disse sobre as condições em ocorreu a participação de Portugal, e tão significativas que foram: não lhe ocorreu lembrar, desde logo, que nesse já longínquo Abril de 1949 o País se encontrava submetido ao fascismo e que a inclusão de Portugal no restrito lote de 12 estados fundadores da NATO constituiu um precioso sustentáculo para a ditadura, que se encontrava então enfraquecida pela derrota das potências nazi-fascistas na guerra e por uma poderosa vaga de contestação interna. O apoio externo dos EUA garantiu, objectivamente, a sobrevivência do fascismo por alguns anos...
Mas Cavaco Silva absteve-se, igualmente, de fazer quaisquer comentários sobre o significado profundo que tem para uma aliança militar que se apresentava como defensora do mundo livre ter entre os seus membros fundadores um país onde existia o Campo de Concentração do Tarrafal, milhares de presos políticos e a PIDE, com o seu rol de torturas e assassinatos. E «esqueceu-se», também, de referir a ingerência da NATO no decurso da Revolução de Abril, patentes nas provocadoras manobras «Locked Gate» realizadas no início de 1975 ao largo da costa portuguesa, para com elas procurar interferir e contrariar a opção progressista dos militares do MFA.
Tendo como principal responsabilidade «defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição», o Presidente da República não pode passar por cima do artigo 7.º, que é claro quando preconiza a «abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos», o «desarmamento geral, simultâneo e controlado» e a «dissolução dos blocos político-militares».
PCP presente e solidário
Dirigentes e deputados do PCP estiveram presentes no desfile de sábado, numa expressão de solidariedade para com os seus objectivos e promotores. No mesmo dia, o Gabinete de Imprensa do Partido emitiu um comunicado onde se alertava para o «significado e momento da realização daquele que é um dos maiores exercícios da história» da NATO.
Para o PCP, estas manobras são indissociáveis da «estratégia de crescente militarização das relações internacionais, de expansão no Leste da Europa e de projecção de um ainda maior intervencionismo no Mediterrâneo, Norte de África e Médio Oriente». Elas materializam, ainda, um «elemento mais na escalada de tensão e confrontação que marca a situação internacional». Por todas estas razões, o Partido condena e reitera a oposição à participação de Portugal nestes exercícios da NATO.
No comunicado, o PCP garante ainda que a situação que se vive em várias regiões do globo, como por exemplo no Médio Oriente, aconselharia à tomada de «medidas de desanuviamento e a um diálogo respeitador da soberania dos povos, do direito internacional e da Carta das Nações Unidas». Ora, realça o Partido, os exercícios da NATO apontam precisamente no sentido oposto, para um «crescente belicismo e reforço desta organização como um bloco político-militar de natureza agressiva, responsável por alguns dos maiores crimes e conflitos ocorridos em várias partes do mundo».
Chamando a atenção para a difícil situação económica e social em que vivem os trabalhadores, os povos e os países da Europa, o PCP sublinha que os exercícios da NATO, «desde logo pela sua dimensão e custos, constituem um libelo acusatório das verdadeiras prioridades da União Europeia e dos países da NATO, que insistem no aumento dos gastos militares». O Partido exige que, também nestas matérias, seja cumprida a Constituição da República Portuguesa.