O presidente do Parlamento Europeu, o social-democrata alemão Martin Schulz, o mesmo que não se coíbe de, com frequência, emitir sentenças sobre o que devem e o que não devem ou o que podem e o que não podem fazer os eleitores em cada país, acha, pasme-se, que a União Europeia está em crise. Para grandes males, grandes remédios. Assumindo toda a gravidade do momento, Schulz decidiu chamar Angela Merkel e François Hollande ao Parlamento Europeu. A ambos pediu que abrissem, por entre as nuvens carregadas que ensombram o presente do «projecto europeu», um mais risonho horizonte de esperança no futuro. E não foram as mesquinhas minudências de alguns, indagando por que razão se dirigiam ao Parlamento Europeu estes e nenhum outro dos 28 chefes de Estado da UE, que impediram Merkel e Hollande de, com visível denodo, lançar mãos a tão nobre tarefa. Assim assumindo por inteiro a sua «responsabilidade histórica», como fez questão de sublinhar Schulz.
Durante a sessão, não faltaram as comparações com outra ocasião em que os «líderes europeus», à época Kohl e Mitterrand, compareceram perante o Parlamento Europeu. Grandes também, embora diversos, eram os desafios que então enfrentava a «comunidade europeia»: soavam as trombetas para a cavalgada sobre o leste europeu, abrindo novos mercados ao «mercado comum», novas economias à «economia de mercado», a consabida forma superior e última de organização das sociedades humanas, e da História.
O triunfalismo de então não deixou de pulsar nos discursos de Merkel e Hollande, mesmo se a aspereza dos tempos lhes impôs, certamente que a contragosto, alguma moderação no modo e no conteúdo.
Merkel e Hollande não são apenas os dois representantes actuais do directório de potências – hoje, como nunca antes, hegemonizado pela Alemanha – que tem determinado o rumo do processo de integração capitalista europeu. Directório que Schulz, com o seu convite, quis evidentemente legitimar e consagrar. Eles são igualmente os representantes máximos das duas famílias políticas – direita e social-democracia – responsáveis pelo consenso que sempre caucionou esse rumo.
Merkel, relembre-se, a autora moral e material do chamado Tratado Orçamental, cuja necessidade justificou dizendo que «precisamos na Europa de algo que nos garanta que, mudando os governos, não mudem as políticas». Lapidar sentença.
Hollande, relembre-se, o socialista francês que em plena campanha eleitoral para a presidência francesa jurou não assinar o Tratado Orçamental, concitando apoios e esperanças da social-democracia europeia, que via nele o homem que, derrotando Sarkozy, iria mudar a Europa e o mundo. E que uma vez na presidência enfiou a viola no saco e assinou o Tratado que antes jurara rasgar. Como de resto o fizeram todos os demais representantes da social-democracia europeia.
Uma coisa é certa: não primando pela inspiração, os discursos de ambos foram, a vários títulos, muito elucidativos. Sem o quererem, foram elucidativos sobre a situação de profunda crise em que a UE se encontra mergulhada, sobre as suas insanáveis contradições e os seus inultrapassáveis limites históricos. Foram elucidativos sobre as responsabilidades da direita e da social-democracia nesta crise e, bem assim, sobre o seu férreo compromisso para, perante o abismo, forçar a fuga em frente.
Falaram, pois, do futuro. Não do futuro que negam aos milhões de jovens «desencorajados«, sem emprego, que as suas políticas multiplicam. Mas do futuro que, garantem, não pode senão passar por mais e mais integração, ultrapassando anquilosadas resistências e «egoísmos» (leia-se soberanias) nacionais. Asseveram: ou o super-estado ou o regresso à barbárie que, por mais de uma vez, manchou a História da Europa no século XX.
Falando sobre a situação na Síria, na Líbia, na Ucrânia, ou sobre o drama dos refugiados, Merkel e Hollande foram também elucidativos sobre o papel profundamente negativo desempenhado pela UE no mundo, sobre a sua criminosa cumplicidade com os EUA e a NATO, bem patente na situação vivida em cada um destes países.
Falaram, sim, do futuro. Mas, talvez sem o saberem, Merkel e Hollande, por muito que falem do futuro, já são passado.
O desrespeito pela soberania dos povos e pela democracia, o ataque a direitos e liberdades fundamentais, a tentativa de impor na Europa um retrocesso de dimensões civilizacionais, aprisionando os povos entre Cila e Caribde – tudo isto será, mais tarde ou mais cedo, inapelavelmente combatido e derrotado pela luta dos trabalhadores e dos povos.