Os bandeirinhas

Henrique Custódio

Desde o início de mandato que os governantes do agora PAF ostentam nas lapelas pins da bandeira nacional, à americana. Pretenderam obviamente fardar-se de patriotas e fizeram-no como o fazem os parolos – imitando os norte-americanos. Se lhes dessem mais tempo, ainda os veríamos a cantar o Hino Nacional de mão no peito.

O pior é que o pin não era apenas uma farda, nem sequer um disfarce, era um bilhete de identidade.

Identificava, à partida, a trupe que aí vinha, cuja característica essencial se mostrou o oposto do patriotismo arvorado na bandeira ao peito: o desprezo radical pelo povo e o solo pátrios, desprezo enxertado numa ignorância desmedida da História nacional.

As provas do desmando aí estão, com privatizações não apenas a mata-cavalos, não apenas a qualquer preço, não apenas em vassalagem aos capitalistas, não apenas sobre tudo o que mexe no Estado mas, sobretudo, altamente lesivas na desapropriação pública de serviços fulcrais para o funcionamento da sociedade, como nos interesses políticos, económicos e estratégicos do próprio Estado.

Veja-se os CTT. Tratava-se de uma empresa estratégica garantindo o serviço público das comunicações e que dava lucros. Afrontando o protesto maciço dos trabalhadores e das populações, que viam fechar as suas estações de correio com prejuízos sérios para vastos sectores das populações isoladas, o Governo cumpriu milimetricamente as exigências dos futuros «donos» («limpar» os CTT de serviços «pouco rentáveis», arcando o Estado com a impopularidade da medida), deixando o País com uns serviços de correios altamente assimétricos e ineficazes nessa assimetria, mas com lucros garantidos para os «accionistas».

A propósito das privatizações, agora «fundidas», da EDP e REN, o Tribunal de Contas foi taxativo, há dias: o Governo não tomou medidas legislativas «que acautelassem os interesses estratégicos do Estado português após a conclusão do processo de privatização», enquanto a privatização da PT – um dos «gigantes» do mundo empresarial português – mergulhou numa vertigem de corrupções com o BES/GES à mistura, que já quase liquidou a empresa e a reduziu a trocos.

Mas já em final de mandato – ou seja, nos últimos meses – a turba governamental entrou em frenesim, procurando privatizar o «banco bom» do BES (o Novo Banco), a TAP, os Metropolitanos de Lisboa e Porto, os STCP no Porto e a Carris em Lisboa, tudo a galope, em sucessivos «ajustes directos», concursos da treta reduzidos a um único «comprador», tudo subvertendo as mais elementares regras da negociação, tudo atropelando legislações múltiplas e a própria Constituição.

Esta gente vai ser varrida dentro de menos de um mês.




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Ainda os refugiados

A crise dos refugiados, de que tanto se tem falado, não começou agora. A novidade que acordou a comunicação social está apenas no facto de essa crise ter chegado à Europa. Para os países devastados pelas guerras imperialistas, e para os seus países limítrofes, a crise existe há já muitos anos. Se há hoje mais refugiados do que em qualquer outro momento desde a II Guerra Mundial (como afirma a ONU), tal deve-se ao facto de que todos os anos cresce a lista dos países destruídos pelas políticas de guerra e rapina dos EUA, da NATO e das potências da União Europeia.

Segundo o Anuário Estatístico de 2010 da agência da ONU para os refugiados (não palestinos) UNHCR, havia no final desse ano cerca de 34 milhões de refugiados e deslocados (fora ou dentro dos países de origem). Dos cerca de 10,5 milhões de refugiados externos, 80% eram acolhidos por países em vias de desenvolvimento e a comunicação social dominante pouco se preocupava com a tragédia. Os dois principais países de origem dos refugiados eram o Afeganistão, vítima da invasão dos EUA em 2001, com três milhões de refugiados no exterior, e o Iraque, vítima em 2003 da guerra de Bush, Blair e Durão Barroso (cujo apoio à guerra lhe terá valido o seu posterior tacho à frente da União Europeia), com 1,7 milhões. Naquela altura, a Síria era o terceiro maior país de acolhimento, depois do Paquistão e do Irão, dando abrigo a mais de um milhão de refugiados. A Líbia, o país que segundo os relatórios do Programa da ONU para o Desenvolvimento (UNDP) tinha em 2010 o maior Índice de Desenvolvimento Humano de África, acolhia então milhares de trabalhadores africanos na sua economia. Síria e Líbia foram entretanto destruídas pelas guerras NATO/EUA/UE. A Líbia tornou-se na maior porta de acesso de refugiados africanos para a Europa, atravessando o Mediterrâneo onde frequentemente encontram a morte. E a Síria, reduzida a escombros pelos bandos ao serviço dos auto-proclamados «amigos da Síria» tornou-se, segundo o Anuário Estatístico de 2013 da UNHCR, o segundo maior país de origem de refugiados, com valores muito próximos do Afeganistão, ambos com 2,5 milhões. Nesse ano, continuavam a ser os países em vias de desenvolvimento a acolher a grande maioria dos refugiados: 86% do total, segundo a UNHCR. E a comunicação social “ocidental” continuava calada.

Hoje fala-se muito do drama dos refugiados sírios que chegam à Europa. Mas quem decidiu intervir militarmente na Síria? Não se pode esquecer títulos como: «Um exército insurgente que alega ter 15 000 homens está a ser coordenado a partir da Turquia [país da NATO] para enfrentar o presidente Assad» (Telegraph, 3.11.11); «A CIA acusada de auxiliar no envio de armas para a oposição síria» (New York Times, 21.6.12); «Navio espião alemão auxilia os rebeldes sírios» (Deutsche Welle, 20.8.12); ou «Estados do Golfo pagam os salários do Exército Sírio Livre» (ABCnews, 1.4.12). E há que estar atentos ao que se pode esconder por detrás do súbito interesse da comunicação social pelo tema dos refugiados. O primeiro-ministro inglês Cameron quer «uma intervenção militar para resolver a crise síria» e um ex-Arcebispo de Cantuária (chefe espiritual da Igreja de Estado em Inglaterra) defende «ataques aéreos e outro tipo de assistência militar para criar enclaves seguros e pontos de abrigo na Síria» (Telegraph, 5.9.15). Ou seja, querem mais guerra para lidar com os estragos provocados pelas suas guerras (ou pelo menos para os manter afastados das terras de Sua Majestade). E um dos maiores patrocinadores dos bandos fundamentalistas que destroem a Síria, o Rei Salman da Arábia Saudita, encontrou-se na semana passada com o Nobel da Paz Obama, para ouvir que «o Pentágono está a ultimar um acordo armamentista no valor de mil milhões de dólares com a Arábia Saudita, para lhe fornecer armas para o seu esforço de guerra contra [???] o Estado Islâmico e o Iémen» (New York Times, 4.9.15). Os pirómanos não descansam.