da moeda única
O euro aflige as almas piedosas
Um dia far-se-á a história da história do euro. A responsabilidade político-partidária é bem conhecida: PS e PSD (o CDS estava numa de PP, e deixou para mais tarde a sua viragem a favor do euro). As forças sociais e económicas que incentivaram e exigiram essa decisão também: as forças do grande capital monopolista, as principais confederações patronais, o capital financeiro (ver composição da «Associação para a União Monetária europeia», com a participação dos principais bancos portugueses e cujo director para Portugal era Belmiro Azevedo). As mesmas que já tinham aberto caminho à «europa Connosco» e à adesão à CEE.
Dar razão ao PCP na questão do euro obrigá-los-ia a confirmar as razões e a justeza de muitas das batalhas e lutas do PCP ao longo destes quase 40 anos de políticas de direita
«Este euro só pode produzir para os países do Sul, ou a expulsão da moeda única ou um lento mas inexorável definhamento» Nicolau Santos, Expresso 11JUL15
«Este euro que nos mata lentamente» Nicolau Santos, Expresso 08AGO15
Mas há também uma «responsabilidade» que em Portugal tarda em ser apurada e denunciada: a da comunicação social dominante. Não, não se trata de um ataque aos impolutos mensageiros da comunicação social dominante, que como anjinhos vogando acima das inclementes e «sujas» lutas político-partidárias se limitaram e se limitam a transmitir as mensagens/as opiniões/as decisões dos «autênticos» responsáveis disto tudo: os partidos e os políticos, assim genericamente confundidos e metidos todos no mesmo saco da irresponsabilidade colectiva… ou seja, ficam todos absolvidos!
Por quê? Se mais não houvesse, por causa da espantosa abordagem a que continuamos a assistir na comunicação social portuguesa, a propósito do desfazer da feira na Zona euro. É difícil acreditar face ao que vamos vendo, ouvindo e lendo (pelo que não podemos ignorar), que grande parte destes jornalistas, destes comentadores, destes articulistas, nomeadamente dos «especializados» em economia, destes órgãos da comunicação social, estiveram empenhadamente, militantemente na defesa da adesão de Portugal ao euro, do lado dos governos e maiorias parlamentares PS e PSD. É difícil acreditar que alguns dos «políticos» que hoje lá escrevem e dizem coisas semelhantes, foram membros dos governos que concretizaram com zelo, sem dúvidas (sem querer excluir ninguém, Elisa Ferreira, José Reis, Vieira da Silva, etc.) essa adesão.
E (o que não será de estranhar) que estiveram sempre contra todos os alertas, propostas, avaliações de quem estava contra, mostrando por quê: o PCP. Pior, afastando-o desse debate, ocultando a sua argumentação, as suas iniciativas e propostas na Assembleia da República, no Parlamento europeu, na luta política quotidiana. Quando não, tentando ridicularizar, a sua intervenção, invectivando o «seu isolacionismo», o «ser do contra», o «ser anti europeu», etc., etc.
E agora descobrem a pólvora e nem pio… Uma amnésia galopante, uma verdadeira epidemia, grassa e por negação, distorção ou «esquecimento», nada do que disseram vem à superfície, nada do que disse e fez o PCP existiu! Nem um pingo, um sobressalto de consciência ética e profissional!
Percebe-se por quê. Dar razão ao PCP na questão do euro obrigá-los-ia a confirmar as razões e a justeza de muitas das batalhas e lutas do PCP ao longo destes quase 40 anos de políticas de direita. A razão no combate às privatizações, à reconstituição dos grupos monopolistas, contra a desindustrialização do País, contra a destruição da produção nacional, contra os sucessivos saltos na integração capitalista, abdicando de instrumentos fundamentais de soberania. A dar-lhe razão e outra atenção nas suas batalhas de hoje…
O euro não é boa coisa…
Foram muitos os que, assombrados com a brutalidade, acinte, humilhação (cortejo de horrores lhe chamou a insuspeita Der Spiegel) do ultimato à Grécia, na sequência do corajoso «não» do povo grego à chantagem e humilhação da União Europeia, fizeram enormes descobertas. Um dia, quem sabe, darão direito a Nobel. Acrescentemos que se tratou no geral de alguns cidadãos sérios. Porque houve os que consideraram estarmos perante um «Acordo» (Passos Coelho, António Costa, Paulo Rangel, etc.) e eufóricos sublinharam o papel próprio ou da família política no assalto. Estamos perante uma nova forma de classificar um assalto: pistola apontada, carteira roubada, operação acordada.
Ressurgiu também vivaz a tese do paraíso perdido, dos grandes líderes que não deixaram descendência, dos egoísmos nacionais, agora na versão «acabou a Europa» (haveria pelos vistos uma «Europa» onde estas coisas não aconteceriam!), ou outros mais modestos «acabou o euro».
Ou ainda um «moralismo» desenfreado para explicar o que lhes parecia inexplicável: «como é que a «Europa» (da União Europeia) da «solidariedade», da «democracia» da «prosperidade» («ambições formuladas pelos pais fundadores» segundo Serge Halimi, Monde Diplomatique, Agosto 2015) fazia uma coisa destas?
Mas a (quase) grande novidade destes tempos é a descoberta das falhas na arquitectura (económica, financeira, política) da Zona Euro.
E alguns foram mesmo mais longe: «Chegou a altura de abrirmos um debate sério, sem preconceitos nem simplismos, sobre a nossa permanência no euro» (M. Sousa Tavares, Expresso 18JUL15).
Muitos e judiciosos pronunciamentos foram sendo feitos no mesmo sentido e tivemos até a grata surpresa da confissão de Paulo Rangel: «Na verdade, o desabamento do castelo de cartas subsequente à chamada «crise do subprime» havia mostrado à saciedade as sérias debilidades do euro enquanto moeda.» (É notável esta confissão vinda do PSD: a Zona Euro é «um castelo cartas»! («A revisão constitucional europeia», Público 04AGO15, que melhor se intitularia: Como tudo isto estava previsto pelos cérebros europeístas…)
Registemos: nenhum desses «descobridores» se sentiu minimamente compungido e bateu com a mão no peito três vezes, em acto de contrição. Sim, o PCP tinha razão, o PCP tinha razão, o PCP tinha razão sobre o euro…
Mas mais espantoso ainda foi e é o comportamento do PS e dos seus dirigentes e deputados.
Espantoso por dois motivos. Primeiro, porque vieram (e foram muitos) repetir, como se de novidade se tratasse, a tese da «desadequação da arquitectura da Zona Euro» e da necessidade imperiosa de atender a esta «deficiência», «inconformidade» europeia. Por exemplo Elisa Ferreira (deputada do PS no PE, ex-ministra no governo PS/Guterres que concretizou a entrada no euro») escreve no Público de 11JUL15 «Mesmo com um acordo sobre a Grécia é duvidoso que este problema possa ser definitivamente resolvido sem uma profunda alteração estrutural e profunda do funcionamento da própria Zona Euro»!
Mas todos eles, incluindo o secretário-geral do PS, aprovaram a Declaração «Um Novo Rumo para Portugal» (Convenção, com o mesmo nome em Maio de 2014), que se saiba votada por unanimidade, onde está escrito «O sonho do euro alimentou nos povos europeus as expectativas de convergência de crescimento e de equilíbrio. Nenhuma destas expectativas se cumpriu integralmente. As economias divergem e os desequilíbrios acentuam-se. É necessário tirar lições deste facto, que foi um fracasso de todos e não, como agora muitas vezes se pretende fazer crer, o sucesso de uns e o fracasso de outros. É necessário corrigir esta União Económica e Monetária com novos instrumentos de convergência financeira, orçamental, económica e social».
Depois e fundamentalmente porque após esta «descoberta» extraordinária e tardia do PS sobre a «desadequação da arquitectura da Zona Euro» e a necessidade de «corrigir esta União Económica e Monetária com novos instrumentos de convergência financeira, orçamental, económica e social», nada tenha tido repercussões no Programa Eleitoral do PS, e passasse a bastar um cenário «optimista» da evolução da União Europeia para encaixar esse Programa (ver o Documento «Uma Década para Portugal», dos 12 economistas que traçaram o tal cenário).
Ficamos depois a saber pela entrevista de Ferro Rodrigues no Expresso de 18JUL15 as razões. Quando «(…) o António Costa foi eleito havia a expectativa de que pudesse colocar na agenda as questões da reestruturação da dívida e outras. Mas na primeira volta que deu na Europa, verificou que as condições neste momento não o permitiriam. Seria uma atitude suicida.»
Dois mais dois igual a quatro. Isto é, o PS tinha concluído que as questões do euro e da reestruturação da dívida eram questões nucleares da resposta política à situação de desastre que o País vive! (Leia-se ou ouça-se também, mas não se acredite, o que disse A. Costa na Quadratura do Círculo de 19ABR13). Mas depois de uma auscultação aos seus parceiros sociais-democratas europeus – o sr. Hollande, o sr. Renzi, os dirigentes alemães do SPD que fazem governo com Merkel, verificou que não estavam para aí virados (Por quê???). E então, pronto, não se fala mais nisso… até à próxima ocasião… a austeridade segue dentro de momentos! Que coragem política! Que lucidez de estadista! E para que ninguém tenha dúvidas, foi novamente nestes dias de campanha eleitoral reafirmado « a Europa (isto é a União Europeia, a União Económica e Monetária) é inegociável»!
O mito do paraíso perdido
ou os moralistas desasados
Nestes dias de Grécia sem fim em que vamos vivendo registou-se também, como atrás se referiu, uma nova onda alucinatória do paraíso perdido da União Europeia, que foi mas já não é.
Para todos, houve o tempo, o dos pais fundadores, da CECA/CEE/União Europeia e dos líderes inspirados que se lhes seguiram. O tempo do paraíso comunitário, em que o feroz lobo convivia com o manso cordeiro (ainda hoje, não sabem alguns de que se alimentava o lobo nesse tempo!), onde não havia «egoísmos nacionais»! (Insistir em falar de «egoísmos nacionais» perante o comando absoluto do «egoísmo nacional alemão» só por chalaça). Os «grandes e desinteressados» líderes, que guiados pelo ideal de uma Europa unida e solidária conseguiram o facto espantoso de criar uma união monetária de rígida gestão orçamental, sem reforçarem as transferências financeiras entre estados, via Orçamento Comunitário, sem criar algum fundo que acudisse a choques assimétricos (como o PCP propôs), sem criarem qualquer mecanismo de saída do euro. Conseguiram o facto notável de mais do que duplicar o número de estados-membro no alargamento a Leste, reduzindo o Orçamento Comunitário!
Um exemplo recente do «paraíso» a resgatar e do moralismo balofo: «É o próprio projeto europeu que precisa de ser urgentemente resgatado do pântano em que a Europa se transformou às mãos da direita mesquinha e retrógrada que ainda comanda o seu destino. É à esquerda que compete separar as águas e repor os valores do pluralismo político e da diversidade cultural que definem a matriz da construção europeia como um projeto de paz e de solidariedade» (Bacelar de Vasconcelos, Jornal de Notícias, 30JUL15). Que «esquerda»? A da social-democracia europeia, agente activa de todo este trama? Ou Hollande, Renzi, Schultz e outros, já não fazem parte dessa «esquerda»? A «esquerda» do PS/António Costa?
Esta onda alucinatória, este mito, que reaparece sempre que a crise bate à porta da UE, tem três objectivos simples.
(Auto)Justificar as decisões (ou as simples posições) políticas dos seus autores, sempre favoráveis ao processo de aprofundamento e alargamento da integração capitalista europeia. «Explicar» as dificuldades e problemas do presente, sacudindo a água do capote das suas responsabilidades políticas. Os problemas não são desta integração capitalista. São dos actuais líderes, fracos ou «más pessoas», sem perspectivas, dos «egoísmos nacionais». Explorar os impasses e becos sem saída a que conduziram as suas opções e decisões, para abrir portas a novos passos/saltos no processo de integração federalista, neoliberal e militarista da UE. Com duas ideias principais, no passado é que era bom. E a saída é sempre em frente, a caminho do «superestado europeu» ao arrepio dos interesses e da soberania dos povos e estados.
As saídas
Já tínhamos o chamado Relatório dos cinco presidentes, intitulado «Concluir a União Económica e Monetária Europeia» subscrito pelos presidentes do PE, UE, BCE, Eurogrupo e CE (ver artigo de Miguel Viegas, «Aprofundamento da UEM – ensaio sobre a cegueira», Avante!, 09JUL15). Agora temos a proposta do sr. Hollande de institucionalizar o Directório (sete países) dentro da Zona Euro. (De facto, desenvolvendo a proposta «criativa» de Piketty de criar um «parlamento da Zona Euro»). Que segundo o Governo português (Poiares Maduro, Expresso 01AGO15) «é seguramente para cair» mas «vai no bom sentido»! Que segundo Paulo Rangel (Público 04AGO15) «é um absurdo e condenado ao fracasso» mas tem importância «lançando a divergência e o debate, inaugura a revisão da Constituição europeia»! «O próximo debate já começou» diz entusiasmada Teresa de Sousa (Público, 02AGO15).
Depois temos os federalistas de esquerda, como V. Soromenho Marques (candidato do Livre) «O referendo grego sinalizou como um “sintoma freudiano”, um paradoxo, que é também uma doença. Hoje, na Europa onde há democracia não se gera o poder, e onde nasce o poder efectivo não se manifesta a democracia» (Diário de Notícias, 13AGO15).
Logo, (concluo eu, fiel ao ideário do autor) avancemos no federalismo que tudo se vai resolver, passando a Alemanha a disponibilizar oito por cento a 13 por cento anuais do seu PIB (cálculos de Jacques Sapir, 07JUL15) para transferir para os preguiçosos do Sul! Recorde-se que hoje o Orçamento da União Europeia está limitado a 1,23 por cento do seu PIB, e os fluxos de transferências financeiras entre estados-membros não só está fortemente restringido, como tem a oposição crescente de numerosos países, e em primeiro lugar da Alemanha.
Mas o caso mais paradigmático em matéria de saídas é sem dúvida o de Nicolau Santos. Depois de muito «martelar» (e justamente) a perversidade e a perniciosidade do euro (como é evidente das citações anteriormente feitas), conclui assim: «Como é que se sai deste imbróglio sem sair do euro? A proposta de François Hollande (um núcleo duro de sete países e um euro fraco para os restantes) é uma via. E não há muitas mais» (Expresso 08AGO15). Mas uma semana depois, respondendo às acusações de que estaria a defender a saída do euro, face a esse seu texto (podia lá ser!) descobre mais uma saída: «O que está nas nossas mãos é tomar decisões ao nível da competitividade fiscal e noutras áreas, para atrair capital estrangeiro (Portas não diria melhor). Mas até agora nenhum governo ousou promover esse choque fiscal. E sem mudanças, vamos voltar a um modelo assente em mão-de-obra barata, tão barata que um dia nos convidarão a sair do clube por sermos demasiado pobres para lá estar» (Expresso, 15AGO15). Notável!
É assim que entre o dislate, o desnorte e a miragem se vai fazendo a reflexão sobre o futuro da União Europeia e do euro. Naturalmente para levar a água ao moinho de sempre... a continuidade de Portugal atrelado à integração capitalista europeia.
A srª Merkel tem pelos vistos uma solução mais simples, segundo o conselho dos seus peritos (mais um dito «grupo de sábios»): criar «um mecanismo de insolvência ordenada para a Zona Euro, que garanta a credibilidade da cláusula que proíbe transferências e resgates entre países». Segundo o presidente do dito Conselho, «Para garantir a coesão da união monetária temos de reconhecer que os eleitores nos países credores não estão dispostos a financiar os países devedores permanentemente». Isto é, vais à falência, mas sozinho… para a Alemanha continuar a embolsar os «lucros» da crise da Zona Euro! (Um estudo – publicitado neste Agosto – do Instituto de Investigação Económica Leibniz concluiu que a Alemanha já «lucrou» mais de 100 mil milhões de euros (quanto foi mesmo o empréstimo da troika a Portugal?!) com a crise da Zona Euro).
Nada de novo na frente da integração
capitalista europeia
Políticos e ideólogos neoliberais, da social-democracia aos conservadores, – em Portugal gente do PS, PSD e CDS, mas não só, que a lista é longa – são confrontados com a brutal realidade da crise da integração europeia e do euro no quadro da crise do sistema capitalista.
(Euro, a tal «pedra» sobre a qual Guterres ia construir a sua Europa. De facto, como assinalava na Géopolitique n.º 53 (1996) o insuspeito W. Hankel, professor de Economia Política na Universidade de Frankfurt, e como se comprova hoje: «Mas não, o “euro” não é o cimento da Europa moderna, mas a dinamite que a fará explodir»).
Confronto que põe a nu, desmascara toda a propaganda, todas as fraudes e mentiras que ao longo de 25 anos foram impingidas sobre uma União Europeia de «coesão económica, social e territorial, e a solidariedade entre os estados-membros» (ainda hoje, princípios inscritos nos tratados).
Como se a CECA, CEE, UE e todos os seus desenvolvimentos qualitativos – euro, alargamento a Leste, Tratado de Lisboa Tratado Orçamental – não partilhassem de um fio condutor inequívoco e sem descontinuidades.
Há cerca de 150 anos Marx e Engels assinalavam no Manifesto Comunista a dinâmica expansionista e centralizadora do capital através da acção da sua classe, a burguesia. De como esse movimento criava o Estado-nação de que o capital e a burguesia necessitavam. A CEE foi esse movimento do capital na Europa do pós-guerra e no quadro da resposta e afrontamento com o campo socialista que então se afirmava com a URSS, no plano económico, social e político. A CEE é essa expressão da integração capitalista na e da Europa, e a União Europeia com a configuração que hoje tem depois dos diversos alargamentos e aprofundamentos é o seu actual ponto de chegada.
O objectivo hoje, como ontem é o mesmo, sendo que agora não são as «províncias» que são reunidas, mas estados-nações que esse movimento do capital (e das potências dominantes na Europa) tenta juntar numa super-Estado, num governo, numa lei, no interesse supranacional de uma classe, ainda a mesma, a burguesia.
A evolução da CEE/UE foi sempre a continuidade do processo de integração através de sucessivos saltos qualitativos, com a manutenção da sua profunda natureza capitalista.
De facto há uma continuidade absoluta desde o Tratado de Roma (que fixava já o objectivo de generalizar a concorrência e o fim dos ditos monopólios públicos), passando pelo Acto Único (e as três liberdades fundamentais de circulação, dos homens, das mercadorias e dos capitais), até Maastricht e à Moeda Única (com a construção de um vasto mercado liberto de todos os constrangimentos, posto sob a dominação dos capitais financeiros e as suas exigências de rentabilidade elevadas).
Processo que passa pela tentativa de elaboração de uma dita Constituição para a Europa, que depois do Não de franceses e holandeses se transfigurou no Tratado de Lisboa. Assim se procurou assegurar no quadro do alargamento a Leste um mecanismo institucional (federal) que garanta o comando político das grandes potências, «constitucionalize» o neoliberalismo como modelo económico e a União Europeia como bloco político-militar. Processo que no quadro da crise aberta da UE e da Zona Euro, subsequente ao subprime EUA e à crise dita das «dívidas soberanas», desembocou no Tratado Orçamental, na União Bancária e no Governo Económico e Semestre Europeu.
No desenvolvimento da integração, sem descurar a engenharia política e a manipulação propagandística, privilegiou a multiplicação dos pequenos passos e a criação de factos consumados, devendo destacar-se dois procedimentos sistemáticos:
(i) a marginalização dos povos, acabando sempre por os confrontar com soluções que seriam únicas, sem alternativas, sempre transformadas em desígnios nacionais. Isto é, fazendo da solução coincidente com os interesses do grande capital nacional e transnacional, das grandes potências, a única possível, inelutável e inevitável;
(ii) a apresentação de cada nova etapa como a saída necessária e obrigatória para o período de dificuldades que a economia comunitária atravessava, nova etapa sempre anunciada como fase de futuros progressos sociais, e em particular de resposta aos problemas do desemprego! É onde estamos hoje.
Não, não é a esquerda, ou pelo menos toda a esquerda, que hoje em Portugal está «atrapalhada» com a crise na Zona Euro. E muito menos desconhecia «que a gestão do euro fosse tão brutal», ou «descobriu que tem vivido numa ilusão possibilista». Essa, ou é a «esquerda» que se «vendeu» (ideais, princípios, ideologia), como sucedeu com a social-democracia europeia, ou talvez melhor, que continuou o seu percurso de negação e traição à sua origem e fundações: os interesses e a luta da classe operária, dos trabalhadores. Ou a esquerda que por puro oportunismo político, sempre fugiu a um confronto político e ideológico, claro, coerente, com a integração capitalista europeia. E ainda hoje se recusa a enfrentar o «euro».
Não é o caso do PCP, ontem, hoje e amanhã.