Estava agendada para ontem, 1, já depois do fecho da nossa edição, a discussão da proposta de lei que altera a Lei-Quadro do Sistema de Informações da República.
Trata-se de um diploma que o PCP não hesita em classificar de «grave atentado às liberdades públicas» e que o levou a apresentar uma iniciativa legislativa própria, que esteve igualmente em debate.
Em causa está sobretudo a proposta de que as secretas possam ter acesso aos meta-dados, ou seja aos dados de facturação telefónica e de localização dos cidadãos.
Uma possibilidade conferida aos serviços de informações que, do ponto de vista do deputado comunista António Filipe, se afigura «notoriamente inconstitucional» na medida em que a Constituição só permite que haja qualquer intromissão nas comunicações em sede de investigação criminal. «Coisa que os Serviços de Informações manifestamente não fazem nem podem fazer, dado que é uma competência das autoridades judiciárias e dos órgãos de polícia criminal», esclareceu o parlamentar do PCP em conferência de imprensa na AR onde deu a conhecer as linhas de força do projecto de lei da sua bancada.
Resulta assim claro, para o PCP, que este reforço inconstitucional de poderes que o Governo pretende levar a cabo nos serviços de informações é «extremamente grave». E é tanto mais grave, segundo António Filipe, quanto é sabido que a sua apresentação ocorre no momento em que o sistema de fiscalização democrática dos serviços de informações está «manifestamente desacreditado».
A somar à falta de fiscalização democrática das «secretas» o País é assim confrontado com uma proposta governamental que visa reforçar os poderes daqueles serviços de forma inconstitucional e em grave violação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Proibir ingerências
Daí que o PCP – sem prejuízo de críticas e firme oposição a outros aspectos do diploma, designadamente os que se relacionam com a orgânica dos Serviços –, tenha apresentado um diploma próprio direccionado muito em particular para dois aspectos. Um, a já referida «séria ameaça às liberdades públicas» que é a admissão de acesso dos serviços de informações aos chamados meta-dados, sob autorização de uma comissão com três juízes de carreira, designados pelo Conselho Superior da Magistratura. Só que não é pelo facto de tal comissão ter esta composição que isso lhe atribui a natureza de investigação criminal, observou António Filipe, adiantando que se trata de um «órgão administrativo» e não de um tribunal ou de uma função exercida no âmbito da investigação criminal. Isto é, acrescentou, «esses juízes não estão a desempenhar uma função jurisdicional, não havendo portanto uma autorização judicial no âmbito da investigação criminal, como a Constituição exige».
O projecto de lei do PCP deixa assim clara a proibição de qualquer ingerência nas comunicações por parte das «secretas», de acordo aliás com aquele que é o nosso regime constitucional.
Modelo falhado
O segundo ponto sobre o qual incide o projecto de lei do PCP tem que ver com a fiscalização. «Há um Conselho de Fiscalização do SIRP que, como é sabido, nunca detecta qualquer anomalia», referiu o deputado comunista, realçando que tal torpor se verificou até mesmo com o caso que está em tribunal relacionado com o antigo director dos Serviços de Informações Estratégicas e Defesa (SIED), em que aquele órgão fiscalizador só veio a saber de que algo de anómalo se passava através da comunicação social.
Para António Filipe é assim claro que este modelo de fiscalização instituído é um «modelo falhado, e que já deu provas suficientes de que não tem condições para fiscalizar coisa nenhuma».
Em face disso, entende o PCP que a fiscalização dos Serviços de Informações deve ser feita pela própria Assembleia da República e não por interposto conselho de fiscalização. Daí a sua proposta de que a fiscalização das secretas seja assegurada pelo presidente da AR, pelos líderes parlamentares e pelos presidentes das três comissões parlamentares que têm relação directa com os serviços de informações (Direitos, Liberdades e Garantias; Defesa Nacional; e Negócios Estrangeiros).
Trata-se, assim, de uma instância ao mais alto nível parlamentar que assegure a existência de uma fiscalização, naturalmente com o apoio técnico e logístico que o presidente da AR considere que é indispensável.