EUA pesa(ra)m vantagem do EI
Agência de Inteligência de Defesa dos EUA (DIA) avisou o governo norte-americano do surgimento de uma outra organização terrorista no lugar da Al-Qaeda no Iraque, mas Washington não agiu porque tal podia servir os interesses geoestratégicos do imperialismo no Médio Oriente, nomeadamente a balcanização da Síria.
A secreta militar norte-americana antecipou as recentes derrotas iraquianas
O relatório oficial datado de Agosto de 2012, obtido pela organização Judicial Watch, próxima do partido republicano, e citado pela revista alemã Der Spiegel, apesar de truncado, indica que o surgimento e consolidação do Estado Islâmico (EI) era um perigo conhecido. O Pentágono e a Casa Branca, no entanto, pesaram a vantagem disso no confronto com a Rússia, a China e o Irão na região, uma vez que, detalha-se, era evidente que o EI alargaria a sua presença à Síria funcionando como factor adicional na tentativa de derrube do governo liderado por Bachar Al-Assad.
O conteúdo do texto de acesso restrito aos corpos secretos e altos responsáveis políticos e militares dos EUA não é novo mas foi recuperado dias antes da reunião, realizada em Paris, a semana passada, envolvendo os chefes diplomáticos da chamada coligação internacional, liderada pelos EUA, que diz estar a bombardear posições do EI no Iraque e na Síria.
Na reunião esteve o primeiro-ministro iraquiano Haider al-Abadi, que reiterou o que vinha dizendo (incluindo num encontro recente com o presidente Barack Obama) mesmo antes de o autoproclamado Califado Islâmico ter alcançado o controlo total da província de Al-Anbar, derrotando as forças de Bagdad em Ramadi. Derrota que, saliente-se, à imagem do que sucedeu em Mossul o ano passado, a DIA antecipava em 2012 alertando para os supostos «ninhos» da Al-Qaeda persistentes naquelas cidades.
«Quanto ao apoio ao Iraque, há muitas palavras, mas pouca acção no terreno», disse al-Abadi, respondendo, desta forma, ao secretário da Defesa norte-americano, Ashton Carter, que no final de Maio acusou o exército iraquiano de ter «um problema com a vontade de combater o EI».
As declarações do governante norte-americano contradizem evidências que notam que são os EUA quem tem despejado armamento no Iraque arriscando a que o mesmo acabe nas mãos dos jihadistas (para já não falar no fornecimento de material bélico aos grupos terroristas na Síria, ou do «misterioso» fluxo de petróleo e gás extraído pelo EI nos territórios que ocupa), e notícias que sublinham que boa parte dos veículos de combate apresados pelo EI foram fornecidos por Washington ao Iraque, país cujo aparato militar conta, desde o início da actual campanha «antiterrorista», com dezenas de conselheiros castrenses... norte-americanos.
História por contar
Apontando culpas à determinação e condições do Iraque em combaterem o EI, os EUA procuram alijar responsabilidades. O ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, não o disse por estas palavras, mas antes da realização da referida conferência na capital gaulesa, não deixou de realçar, por um lado, que Moscovo foi o primeiro e mantém-se como o mais consistente apoiante do Iraque e da Síria nas guerras em curso, e por outro que os alegados bombardeamentos da coligação, efectuados ao arrepio do Direito Internacional, têm atingido em várias ocasiões as forças iraquianas, grupos milicianos que se opõem ao EI e numerosos civis. Lavrov enfatizou, também, que os EUA continuam a recusar-se, contra tudo o que é razoável e da doutrina da guerra, a coordenar o alegado combate ao Califado Islâmico com as autoridades de Damasco.
O relatório da DIA e as declarações quer do primeiro-ministro iraquiano quer do responsável da diplomacia do Kremlin, provocaram o imperialismo, que se desdobrou em informações tendentes a contrariar a certeza, cada vez mais nítida, de que, no mínimo, foi e é transigente com o avanço do EI.
Logo após a entrevista de Sergei Lavrov, o número dois da secretaria de Estado dos EUA veio a público afirmar que desde o lançamento dos bombardeamentos contra o EI no Iraque e na Síria, mais de dez mil extremistas haviam sido mortos.
O mesmo cálculo avançou, já no dia 5 de Junho, o general que chefia a componente aérea do comando militar do Médio Oriente. John Hesterman admitiu, no entanto, que 75 por cento das missões efectuadas pelos norte-americanos na Síria e Iraque, sobretudo, regressam sem atingir qualquer alvo, e justificou o facto com as dificuldades em atingir um «inimigo» que se esconde entre os civis. Deu, assim, razão aos que consideram que os EUA não explicam tudo quando se recusam a coordenar os ataques aéreos com a Síria. Mas também aos que acusam os norte-americanos de esconderem todos os elementos de um «negócio» – o chamado «combate ao terrorismo» do EI na Síria e no Iraque – cujo balanço, propósitos e «dividendos» permanecem demasiado nebulosos.