Comentário

Sinais do «novo ciclo»

João Ferreira

1. Para a Comissão Europeia, há a boa e a má despesa pública. Nenhuma novidade. A despesa pública é má quando se trata de pagar os salários aos funcionários públicos, as reformas e as pensões; quando se trata de financiar devidamente os serviços públicos e as funções sociais do Estado, como a saúde e a educação; ou ainda, por exemplo, quando é necessário proceder à capitalização de alguma empresa pública.

Ao contrário, a despesa pública torna-se virtuosa quando se trata de salvar bancos e banqueiros privados em aflição; quando serve para sustentar generosas rendas a privados, através de concessões de serviços públicos ou de virtuosas parcerias público-privado; ou ainda quando serve para alimentar esse infindável sorvedouro de recursos que dá pelo nome de dívida.

Assim reza a cartilha neoliberal. E dos mais assanhados liberais (categoria na qual Passos e Costa parecem ter entrado em disputa, a julgar pelas declarações recentes do primeiro sobre o segundo, dizendo que as propostas do PS para a Segurança Social são tão liberais, mas tão liberais, que nem ele as acompanha) aos partidos ditos socialistas, o consenso em torno de tal cartilha é assinalável.

Ora, como vieram notar nos últimos dias, com acerto, certos comentadores, as recentes propostas do PS relativas à Segurança Social reconhecem e adoptam por inteiro esta perspectiva. Em suma: para alegadamente aumentar os rendimentos dos trabalhadores (ou, na elucidativa linguagem utilizada pelo grupo de expertos do PS: para «aliviar as restrições de liquidez das famílias»), em lugar de aumentar salários e reduzir impostos, o PS mantém os cortes nos salários e o assalto fiscal, mas diminui os descontos dos trabalhadores para a Segurança Social. O que, conjugado com a redução da TSU das empresas, constitui uma redução de receitas da Segurança Social.

Ora, tendo em conta que, no modelo de repartição em que assenta o regime previdencial da Segurança Social, são os descontos de hoje que pagam as pensões de hoje, a redução das receitas de hoje tem um efeito imediato: o aumento da despesa/endividamento público para pagar as pensões. Coisa pequena e temporária, porém, que o PS logo trata de enquadrar no objectivo maior e de longo prazo que, garante, tornará a medida (o aumento temporário da despesa pública) aceitável pela UE e inteiramente compatível com o Tratado Orçamental. Esse objectivo é, a prazo, a redução definitiva das pensões, conjugada com novos aumentos da idade de reforma. Uma «reforma estrutural», portanto, que torna aceitáveis e virtuosos, aos olhos da Comissão Europeia, quaisquer aumentos transientes da despesa pública.

 

2. As equipas negociais do Conselho e do Parlamento Europeu chegaram na semana passada a acordo sobre o designado Fundo Europeu de Investimentos Estratégicos (FEIE), também conhecido por «plano Juncker».

O resultado da maratona negocial deverá ainda ser votado pelo Parlamento Europeu no final deste mês, mas não são esperadas surpresas.

O acordo confirmou tudo o que de pior tinha o FEIE na proposta inicial da Comissão Europeia. Estamos perante um esquema de concessão de garantias públicas a investimentos privados, sendo três quartos dos recursos destinados, grosso modo, a investimentos em grandes infra-estruturas e o remanescente a «pequenas e médias empresas». No fundo trata-se de um gigantesco programa de parcerias público-privado.

Como sucede com outros programas cujo financiamento é atribuído numa base puramente competitiva, ou seja, sem que existam dotações indicativas por país, sendo os projectos financiados unicamente de acordo com o «mérito» de cada projecto, a fatia de leão dos investimentos tende inevitavelmente a concentrar-se nas principais potências.

Se acontecer, por exemplo, o mesmo que sucede com o Programa-Quadro de Investigação (ao qual se irão buscar 2,2 mil milhões de euros para o FEIE), países como Portugal poder-se-ão tornar, também por esta via, contribuintes líquidos do clube dos ricos da UE.

O «mérito» dos projectos será avaliado por um comité composto por oito peritos em mercados financeiros. O que diz muito quer da natureza do FEIE quer dos seus resultados esperados. Para filtrar propostas apresentadas pelas PME, a nível nacional, serão os bancos nacionais a pré-seleccionar os projectos que serão depois submetidos pelo Banco Europeu de Investimento ao comité de peritos.

Foi este o plano que PS, PSD e CDS saudaram em coro afinado, como representando um «novo ciclo» na UE. Está à vista o que deles se pode esperar – quer do proclamado «novo ciclo» quer dos seus arautos.




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