Apuramento de responsabilidades

PCP abre o caminho

Desde Junho de 2013 que o PCP vinha alertando o Governo e o Banco de Portugal para a situação do BES e do GES. Aliás, numa audição do Governador do Banco de Portugal, questionou directamente a idoneidade de Ricardo Salgado. E tinha razões para o fazer como se veio a comprovar pela gravidade de toda a situação criada (com a complacência do Governo e dos que o antecederam, bem como dos chamados supervisores e reguladores), que veio a provocar tudo aquilo que hoje já se sabe, muito embora a real dimensão do prejuízo público seja ainda desconhecida.

Daí a valorização que não pode deixar de ser feita quanto à importância política da proposta do PCP que está na base da constituição da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à gestão do BES e do Grupo Espírito Santo, ao processo que conduziu à aplicação da medida de resolução e às suas consequências, nomeadamente quanto aos desenvolvimentos e opções relativos ao GES, ao BES e ao Novo Banco.

«Relevo e importância políticos que permitiram uma percepção pública sobre a realidade do mundo do capital financeiro, bem como sobre o comportamento e funcionamento do interior de um grupo monopolista que foi, durante décadas, alimentado pelos próprios governos, fazendo uso de instrumentos do Estado», reconhece em declarações ao Avante! o deputado comunista Miguel Tiago, que, a par de Paulo Sá e Bruno Dias, integrou a comissão de inquérito em nome do PCP.

«A constituição desta Comissão de Inquérito permitiu à Assembleia da República aprofundar muito o conhecimento sobre procedimentos, insuficiências matriciais e conjunturais do sistema financeiro e do chamado sistema de supervisão, bem como compreender a natureza predatória dos grandes grupos económicos e financeiros», sublinha o parlamentar do PCP, que participou activamente em todas as fases dos trabalhos ao longo de mais de cinco meses.

Muito empenho, esforço e uma total entrega foram de resto características que não faltaram à intervenção dos deputados comunistas nos trabalhos da comissão de inquérito, apostados não apenas no apuramento do maior número possível de factos relevantes, como em relevar a natureza sistémica dos problemas que originam a instabilidade do sistema financeiro com custos para os portugueses.

Para Miguel Tiago, essa natureza é incompatível com teses segundo as quais os «problemas têm origem em casos isolados, em questões comportamentais, morais ou de carácter individual, em falhas pontuais do sistema, quer sejam no plano político, quer sejam no plano da supervisão».

Falando do trabalho da comissão, esclarece ainda que nem sempre foi «desimpedido e linear». Exemplificando, refere que houve «atrasos nas respostas, invocação constante de segredos e formas várias de sigilo, truncamento de documentos e introdução de constantes obstáculos ao real apuramento de beneficiários da delapidação do BES». «Foi um ruído persistente que tolheu, objectivamente, as capacidades da CPI», sintetiza, apontando essa como uma das razões fortes que levou o PCP a propor, através de projecto de resolução, a «constituição de uma unidade técnica para o apuramento desses beneficiários, complementando o escopo e as capacidades da CPI», proposta que lamentavelmente não obteve o apoio da maioria e contou com a abstenção do Partido Socialista.

Ao Avante! Miguel Tiago diz ainda que a sua bancada partiu para o trabalho nesta Comissão de Inquérito «sem iludir as concepções e propostas que sempre apresentou sobre o sistema financeiro e a necessidade de o colocar ao serviço do povo e do País, rompendo com o dogma e preconceito da banca privada como virtude da economia desenvolvida».

Em sua opinião, conclui, o caso BES mostra com singela clareza a «incompatibilidade racional e prática entre a banca privada e uma política de investimento e de crédito ao serviço de interesses comuns e colectivos».



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