das nacionalizações
Ao serviço do povo e do País
Não constituindo uma condição suficiente, a nacionalização daquilo que em cada período histórico são sectores estratégicos é, contudo, sempre e sempre uma condição necessária, sem a qual não é possível um verdadeiro desenvolvimento da sociedade portuguesa
Isto porque o que aconteceu e continua a acontecer à economia nacional e ao exercício da soberania, após cerca de um quarto de século sobre o início das privatizações, é, seguramente, o argumento mais forte, nos dias de hoje, em defesa das nacionalizações de há 40 anos, e, por arrastamento, da urgente necessidade do regresso à esfera pública de um importante conjunto de sectores e empresas estratégicas.
É por isso que o PCP de há muito propõe que uma das bases da sua política patriótica e de esquerda deverá ser o controlo público dos sectores estratégicos da economia, com vista ao Estado readquirir uma posição determinante na gestão das empresas, para as recolocar inequivocamente ao serviço do desenvolvimento e da soberania nacionais.
Posições históricas do PCP
acerca das nacionalizações
De acordo com a formulação histórica do PCP, o regime fascista era a ditadura terrorista dos monopólios associados ao imperialismo estrangeiro e dos latifundiários.
Esta formulação identifica os monopólios como um dos pilares fundamentais, se não mesmo o pilar fundamental do regime fascista, seja na perspectiva do exercício do poder político, seja do poder económico a ele organicamente associado, nesse período da nossa História recente.
Numa abordagem mais focada, é hoje muito importante recordar, nos planos político e ideológico, o que o PCP, a este propósito, apresentava no seu primeiro Programa, aprovado no VI Congresso, em 1965.
Primeiro, em termos de diagnóstico, afirmava-se que «… pelo sistema de comparticipações no capital, os grandes bancos e as grandes companhias dominam completamente centenas de outras companhias, formando grandes grupos monopolistas com posições dominantes nos diversos sectores da economia portuguesa…», ou ainda que a política fascista é orientada pelo princípio «…tudo para os monopólios, nada para o povo…».
Por outro lado, afirmava-se que «… apropriando-se de uma grande parte do rendimento nacional, obtendo super-lucros, delapidando, [….. ] os monopólios têm provocado uma relativa estagnação da produção, um desenvolvimento desequilibrado da economia, o atraso técnico geral, a baixa de poder de compra da população, a restrição do mercado interno…».
Esta caracterização foi escrita há 50 anos.
Tão longe no tempo mas tão perto e tão similar no seu conteúdo, face à situação dos dias de hoje.
Também consideramos importante recordar que dos oito pontos do Programa de 1965, se propunha no ponto «…2.º Liquidar o poder dos monopólios e promover o desenvolvimento económico geral…».
No Programa dizia-se ainda que «a liquidação do poder dos monopólios e o desenvolvimento económico constituem um objectivo central da revolução democrática e nacional.
Para o atingir, são fundamentais as medidas seguintes:
– Nacionalização dos bancos, companhias de seguros, de transportes, ferroviários, aéreos e marítimos, do telégrafo e dos telefones, das minas, da produção e transporte de electricidade e de outros sectores da indústria pertencentes aos grupos monopolistas…».
Por tudo quanto acabámos de referir, é patente que as nacionalizações realizadas em 1975 corresponderam a um claro e inultrapassável imperativo histórico e patriótico, e que se inserem harmoniosamente no quadro das orientações de concretização da revolução democrática e nacional proposta pelo PCP ao povo português a partir de 1965.
Breves apontamentos
sobre as nacionalizações de 1975
Com o 25 de Abril de 1974, foi quebrada a unidade orgânica entre o político e o económico, através, primeiro, da decapitação do poder político da ditadura fascista, com o exercício, e depois, com a institucionalização de um vasto quadro de órgãos do poder democrático.
Contudo, o poder económico e financeiro, as alavancas de comando dos principais sectores da economia, continuaram quase intactos nas mãos dos senhores de antes do 25 de Abril, os quais, a partir de tais bases, e praticamente desde as primeiras semanas a seguir a essa data, começaram a conspirar, para sabotar, nos planos económico, financeiro e social, a ainda muito frágil democracia portuguesa.
Em posição pública, ocorrida a 16 de Março de 1975, somente cinco dias após o golpe de 11 de Março, o Partido, pela voz de Álvaro Cunhal, afirmava que «…Desde o 25 de Abril, os grandes grupos monopolistas tudo têm feito para criar à democracia portuguesa dificuldades económicas insuperáveis…».
A questão da nacionalização das empresas dos grupos monopolistas era então, e continua a ser nos dias de hoje, uma questão simultaneamente política e económica.
Política, porque a concretizar-se, ampliava claramente a margem de manobra do novo poder democrático no exercício do poder político, ao retirar aos monopolistas o controlo da economia e da capacidade de sabotagem que detinham, particularmente no que ao sistema financeiro concerne.
Económica, porque constituía uma condição sine qua non, para um ulterior desenvolvimento económico e social equilibrado e soberano da sociedade portuguesa.
Isto era verdade após o 25 de Abril, era verdade antes do 25 de Abril, e continua a ser verdade nos dias de hoje.
Não constituindo uma condição suficiente, a nacionalização daquilo que em cada período histórico são sectores estratégicos é, contudo, sempre e sempre uma condição necessária, sem a qual não é possível um verdadeiro desenvolvimento da sociedade portuguesa.
A consciência da necessidade de concretizar a condição necessária era muito clara para os capitães de Abril, os quais, no Programa do Movimento das Forças Armadas, apresentado ao País no próprio dia 25, afirmavam, na alínea a) do seu ponto 6, a necessidade de prosseguir uma política económica antimonopolista, logo que conquistada a democracia.
Todavia, o carácter heterogéneo do novo poder político, as contradições de classe que existiam no seu seio – MFA, governos provisórios, etc. – as tentativas de golpes – Palma Carlos/Sá Carneiro, 28 de Setembro – impediam as forças mais consequentes e patrióticas do MFA de dar expressão prática a este objectivo estratégico do seu Programa.
Somente após uma profunda agudização da luta de classes, designadamente escorada na luta das massas, com especial enfoque nas dos trabalhadores das empresas dos sectores estratégicos ainda nas mãos dos monopolistas, que teve então o seu clímax com a derrota do golpe contra-revolucionário do 11 de Março de 1975, é que o MFA encontrou condições políticas para avançar para um profundo processo de nacionalizações, a começar, desde logo, pelo determinante sector financeiro – Banca e Seguros, muito embora o BdP já tivesse sido nacionalizado em 1974.
O Conselho da Revolução, nova estrutura do poder revolucionário constituída a 13 de Março de 1975 para dar resposta política à nova situação, iniciou no dia seguinte um processo de nacionalização dos sectores básicos e estratégicos da economia, processo que se prolongou até meados de 1976.
De recordar que em 1974 já tinham sido nacionalizados o Banco de Portugal e a EPAL.
A nova Constituição da República, promulgada em 2 de Abril de 1976, consagrou nos artigos 80.º a 83.º tais nacionalizações.
Estavam assim criadas as condições básicas – a chamada condição necessária – que teriam permitido um ulterior desenvolvimento soberano do nosso País.
A existência de um importante sector público empresarial em Portugal, resultado das patrióticas e economicamente correctas nacionalizações de 1975, constituiu, durante quase duas décadas, uma importante alavanca para colocar a economia ao serviço do desenvolvimento, para além de também constituir um insubstituível alicerce do sistema económico português no embate que se adivinhava com as economias mais poderosas da CEE, após o processo de adesão.
Reconstituição monopolista
e processo de privatizações
Porém, tal desenvolvimento equilibrado e soberano não chegou a ter lugar.
De facto, no quadro do processo de reconstituição monopolista, na sequência da 2.ª revisão constitucional que aboliu o preceito constitucional da irreversibilidade das nacionalizações e sobretudo após a aprovação da Lei-Quadro das Privatizações (Lei n.º11/90 de 5 de Abril), a quase totalidade das empresas inseridas nos sectores estratégicos foram sendo privatizadas e entregues aos velhos e novos senhores da economia nacional.
Num segundo tempo e na sequência da primeira revisão da Lei-Quadro das Privatizações, através da Lei n.º102/2003 de 15 de Novembro, foram revogadas todas as disposições que fixavam limites à participação de entidades estrangeiras no capital das sociedades entretanto reprivatizadas.
Isto é, depois da privatização, a desnacionalização das empresas e sectores estratégicos, ou seja, a passagem da titularidade dos activos das mãos do capital nacional para o capital estrangeiro.
De destacar desde já, pela sua importância política, que a grande maioria dos sectores estratégicos ou constituem monopólios naturais, ou funcionam em regime oligopólico.
O processo das privatizações, iniciado em 1989, e que passados que são quase vinte e seis anos ainda não está completamente encerrado graças à luta do povo português, constitui um pilar fundamental do processo de reconstituição monopolista e, numa fase mais avançada, tem constituído a base objectiva para ulterior entrega de empresas estratégicas ao capital estrangeiro, no quadro de um IDE fictício.
Por outro lado, não constituindo o processo de integração de Portugal na CEE o motivo determinante explicativo do processo de privatizações, constitui todavia um elemento deveras importante, uma espécie de «guarda-chuva» ideológico, que permitiu aos fautores da política de direita transpor para o plano nacional a «moda» neoliberal das privatizações, embora sem nenhum suporte jurídico, pois em nenhum dos instrumentos que suportam as CE e a UE se declara a proibição da existência de um SEE, ou sequer da privatização das empresas públicas.
Ao longo do processo de privatizações, iniciado cerca de quatro anos após a adesão à CEE, foram sendo privatizadas empresas de todos os sectores onde tinham ocorrido nacionalizações, tendo sido mesmo privatizadas empresas que já eram públicas antes do 25 de Abril, para além do importante universo de empresas do então IPE.
As múltiplas e profundas consequências do processo de privatizações foram e são, para além do completo atropelo da CR, pelo menos as seguintes:
– Perda clara da soberania no domínio das políticas económicas e financeiras;
– Perda pelo Estado de importantes alavancas de planeamento e gestão da economia;
– Empobrecimento, face ao desaparecimento ou ao definhamento de muitas actividades produtivas entretanto privatizadas, do perfil de especialização da economia portuguesa;
– Desnacionalização, isto é, passagem para as mãos do capital estrangeiro de importantes activos estratégicos;
– Redução muito significativa das verbas anualmente transferidas das empresas públicas para o Estado, designadamente sobre a forma de dividendos e de impostos.
Isto é, consequências profundamente penalizantes para a economia, a saúde financeira do Estado e do desenvolvimento soberano do País.
Por outro lado, todos os objectivos invocados na Lei-Quadro das Privatizações para justificar a sua bondade são, na sua quase generalidade, objectivos viciados à partida, por objectivamente demagógicos, excepto o que aponta para a redução do peso do Estado na economia.
A verdadeira razão, ontem como hoje, foi e é a transferência de importantes activos para as mãos do grande capital, particularmente internacional, criando assim condições para o aumento dos níveis de exploração dos trabalhadores, do povo e das PME.
O triste, perigoso e criminoso romance a que temos assistido nos últimos tempos da destruição sistémica de sectores estratégicos, a par das entregas de outros ao capital estrangeiro – casos CIMPOR, PT, BES e de alguma forma toda a Banca privada, etc. – é bem a razão que sustenta a necessidade urgente de aplicação das propostas da nossa política patriótica e de esquerda.
Necessidade do controlo público
sobre os sectores estratégicos
Mesmo no quadro da vaga neoliberal que há anos assola a EU, nomeadamente com reflexos sobre o peso e o papel de SEE nos diversos estados-membros, é uma realidade incontornável que continuam a existir em muitos países significativos sectores públicos empresariais.
Isto significa que utilizar o estafado argumento da Europa para justificar privatizações não colhe minimamente e, é bom recordar aqui, que em diversos períodos da nossa História recente, designadamente durante toda a década de noventa do século passado, a taxa de privatizações em Portugal foi cerca de quatro vezes superior à da média comunitária para os mesmos períodos.
Aqui como noutras situações, o bom aluno até está a superar os mestres.
Neste domínio como noutros, o respeito pela CR constitui uma importante base para o desenvolvimento. Para tanto, convirá respeitar o preceituado, nomeadamente na alínea b) do artigo 80.º – Coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção – bem como na alínea c) do artigo 81.º – Assegurar a plena utilização das forças produtivas, designadamente velando pela eficiência do sector público – da CRP.
De facto, a importância de um sector público empresarial forte e bem estruturado, gerido de forma planeada, racional, eficaz e patriótica, posto portanto ao serviço da economia nacional, designadamente do imenso universo de micro, pequenas e médias empresas, dos trabalhadores e das populações, nomeadamente em sectores como a Banca, os Seguros, a Energia, os Transportes, as Telecomunicações, algumas indústria básicas e estratégicas, designadamente as associadas à exploração dos recursos geológicos, a indústria naval, as indústrias de produção de material circulante, as metalo e eletromecânicas pesadas, para além de infra-estruturas diversas, constitui uma condição objectivamente necessária, ainda que não suficiente, para a saída da actual crise que está a destruir o País, possibilitando assim o cabal exercício da soberania e da independência nacionais.
Para o aparecimento de um número tão elevado quanto possível de condições suficientes, para que aquilo que é público esteja efectivamente ao serviço de um desenvolvimento soberano do País, só com um outro governo, um governo capaz de prosseguir sem tibiezas uma política patriótica e de esquerda.