Venezuela bolivariana resiste
a tentativas de golpe de Estado

Um povo decidido a ser livre

Milhares de pessoas manifestaram-se, sábado, 28, em Caracas, contra nova tentativa de golpe de Estado, protagonizada pela direita venezuelana com o patrocínio dos EUA. No acto, também convocado para assinalar o 26.º aniversário do «Caracazo», o presidente da Venezuela apelou à unidade popular em defesa da paz e da pátria e para derrotar a guerra económica e mediática em curso, revelando não descurar que o imperialismo continuará a promover as condições e os meios da ofensiva antibolivariana.

«Construam o socialismo e derrotem o golpe de Estado com a Constituição na mão», apela Nicolás Maduro

Image 17679

A derrota da chamada «Operação Jericó» (ver caixa) e o cenário de uma imensa multidão nas ruas da capital não parecem ter contagiado de triunfalismo Nicolás Maduro. Em pronunciamento público no dia em que foi lembrado o levantamento popular de 27 e 28 de Fevereiro de 1989, e enquanto milhares e milhares de pessoas, segundo relatos fidedignos de órgãos de comunicação locais, manifestavam apoio incondicional ao processo bolivariano e às suas forças políticas dirigentes, o presidente da Venezuela respondeu, com serenidade, à comprovada e reiterada ingerência norte-americana.

Maduro lembrou que a actual campanha não é menos intensa do que a desencadeada há um ano, com as chamadas «guarimbas». Prova disso mesmo é o facto de, durante o ano de 2014, o governo dos EUA ter assumido um total de 103 comunicados e tomadas de posição públicas sobre a Venezuela, e, nos dois primeiros meses deste ano, ir já em 65 pronunciamentos dedicados à pátria de Símon Bolívar e Hugo Chávez, lembrou.

Recorde-se que num desses pronunciamentos, noticiado pelo Avante! na edição de 12 de Fevereiro, o director dos serviços de informação do departamento de Estado, general Vincent Stewart, antecipou «que as organizações estudantis e a oposição política organizem protestos nos meses anteriores às eleições legislativas». O sufrágio para a Assembleia Nacional venezuelana deverá realizar-se em Setembro, restando, por isso, pouco mais de seis meses. Não foi ao acaso a declaração de Stewart, como o não foi o facto de, no passado sábado, 28, na já referida iniciativa, o presidente da Venezuela ter apelado ao povo para que mantenha o caminho da luta revolucionária visando consolidar o triunfo da pátria, desde logo nas próximas eleições legislativas.

Respeito mútuo

Face aos vínculos dos golpistas com os EUA e considerando que um dos vectores da pressão imperialista em curso tem sido a imposição de sanções contra funcionários e dirigentes políticos venezuelanos, Nicolás Maduro anunciou uma série de medidas destinadas a proteger o país. De entre estas destaca-se a adequação do número de funcionários diplomáticos dos EUA em território venezuelano – «os Estados Unidos têm 100 funcionários [em Caracas], nós temos 17 [em Washington]. Estabeleça-se a igualdade entre os estados», precisou, segundo a Lusa; a obrigatoriedade destes pedirem autorização ao governo de Caracas para realizarem reuniões, bem como respeitarem integralmente a legislação nacional em vigor, conforme determina a Convenção de Viena e outras normas do Direito Internacional sobre a matéria; e a imposição de um sistema de visto obrigatório para cidadãos norte-americanos que pretendam entrar na Venezuela.

Ainda a aposta golpista

A obrigatoriedade de visto foi justificada pela detenção, nos últimos dias, no Oeste do território venezuelano, de um piloto norte-americano de origem latino-americana. O facto prova que o imperialismo segue apostado numa intentona mesmo após o desmantelamento parcial da «Operação Jericó». Terá, porém, que enfrentar «um povo inteiro que está decidido a ser livre e a não se deixar derrotar pelo império. Esta é a verdade», acrescentou o chefe de Estado, citado pela Prensa Latina.

Dias antes da já referida acção de massas em Caracas, Nicolás Maduro, em comícios realizados nos estados de Manáguas e Bolívar, quinta-feira, 26 e quarta-feira, 25, respectivamente, insistiu no apelo para que os venezuelanos «construam o socialismo e derrotem o golpe de Estado com a Constituição na mão», e confirmou ter dado ordens aos seus ministros da Defesa e do Interior para que coloquem as forças policiais e militares em alerta.

O estado de prontidão tem cabimento não apenas porque, apesar de ter sido derrotada uma fase do golpe, outra se vislumbra, mas também porque a táctica privilegiada parece ser agora a da infiltração de «grupos armados treinados pelos paramilitares da Colômbia, obedecendo às ordens do Norte [Estados Unidos]», revelou o chefe de Estado bolivariano.

As investidas foram identificadas nas regiões de Apure, Zulia e Táchira. Em Zulia, um grupo de encapuzados sequestrou mesmo um camião carregado de medicamentos que seriam distribuídos em Maracaibo, e outros tantos tentaram queimar um veículo repleto de garrafas de gás. «Eles querem gerar uma onda de ansiedade, angústia e violência», advertiu Nicolás Maduro, líder de um governo que enfrenta há mais de um ano uma ofensiva económica só semelhante à iniciada para derrubar o governo do presidente Salvador Allende, no Chile.

Antes de partir em périplo por vários estados da Venezuela, Maduro já tinha advertido para as conexões entre os sectores mais reaccionários venezuelanos e os seus pares colombianos, bem como para o papel que está a ser desempenhado pela comunicação social colombiana, títere dos interesses monopolistas «criolos» e estrangeiros. «Vaticinam o pior para a Venezuela», afirmou, domingo, dia 22, pedindo por isso aos povos venezuelano e colombiano que enfrentem a campanha de ódio e mentiras contra Caracas.

Mas «se fossem verdadeiras as suas desgastadas profecias, porque é que a Revolução teria ganho 18 de 19 eleições em 15 anos consecutivos?»; «porque é que vêm milhares de colombianos à Venezuela, se as mentiras das suas campanhas sujas fossem verdadeiras?», perguntou, antes de apresentar números concretos: na Venezuela vivem e trabalham mais de cinco milhões de colombianos, quase um quinto dos quais emigraram nos últimos nove anos, procurando no «paraíso» venezuelano a fuga ao seu quotidiano de «inferno», aludiu.

  

Mais detalhes sobre
a «Operação Jericó»

A divulgação por parte das autoridades venezuelanas de mais informações sobre a tentativa de golpe de Estado confirma não apenas o envolvimento de praticamente todos os sectores e figuras mais violentamente antibolivarianas, mas as ligações destes com o imperialismo.

Em artigo publicado a 26 de Fevereiro no Avante!, o colaborador do Órgão Central do PCP, Pedro Campos, avançava com o fundamental do figurino, das personagens, dos objectivos e instrumentos até então conhecidos – a intentona iniciar-se-ia a 11/12 de Fevereiro últimos para coincidir com o primeiro aniversário do início das «guarimbas» de 2014, bem como com a publicação do Acordo Nacional para a Transição, subscrito por Maria Corina Machado, Leopoldo López (preso por conspiração para derrubar o governo venezuelano durante a gesta violenta iniciada em Fevereiro de 2014) e António Ledezma (entretanto detido por conspiração); um Super Tucano sobrevoaria Caracas, com a chancela das forças armadas bolivarianas, e bombardearia vários alvos tendo como objectivo assassinar Nicolás Maduro e deixar em escombros importantes estruturas políticas, militares e de comunicação, anulando dessa forma a capacidade operacional de resposta ao golpe.

os alvos foram determinados por Júlio Borges, do Partido Primeiro Justiça, que com vários militares, entretanto presos, integrava o centro nevrálgico da operação.

Os militares do comando criminoso gravaram um vídeo que seria transmitido para justificar uma intervenção norte-americana no «caos venezuelano»; EUA e Canadá desempenhavam um papel central no apoio político e logístico.

Sabe-se, hoje, depois do interrogatório efectuado ao primeiro-tenente da aviação Luis Lugo (que à data da redacção do artigo de Pedro Campos ainda se encontrava fugido), que para a «Operação Jericó» os golpistas planeavam atacar igualmente bases militares nos estados de Sucre, Maracay e Aragua, e que o corrente plano era uma actualização do guião de golpe de Estado tentado em Fevereiro de 2014.

Sabe-se, também, que Lugo recebeu da parte da representação diplomática da Grã-Bretanha na Venezuela uma sugestão de pedido de asilo, o que demonstra que o derrube do poder bolivariano é almejado não apenas pelo imperialismo norte-americano, mas pelo seu fiel aliado transatlântico.

Sabe-se que o partido democrata-cristão Copei, para além de se ter pronunciado publicamente ao lado do Acordo Nacional de Transição encabeçado por Maria Corina Machado, Leopoldo López e Antonio Ledezma, continua a discutir a táctica a seguir face aos revezes sofridos no quadro da «Operação Jericó», e isso mesmo fica claro numa conversa entre dois altos dirigentes daquela formação política, que a 21 de Fevereiro discutiam se deveriam apostar no golpe ou refugiar-se no terreno eleitoral. Numa das suas instalações políticas foram apreendidos dezenas de artefactos pirotécnicos e panfletos de apoio a Antonio Ledezma, detido pelas autoridades venezuelanas a 19 de Fevereiro.

Por falar em Antonio Ledezma e em terreno eleitoral, é evidente que a oposição venezuelana permanece dividida no que à liderança diz respeito. O recentemente detido presidente da Área Metropolitana de Caracas, Antonio Ledezma, terá, o ano passado, tido como propósito liquidar o candidato presidencial Herique Capriles, derrotado por Nicolás Maduro em 2013. A morte de Capriles seria atribuída ao governo bolivariano. Ledezma assumiria a dianteira da iniciativa legal da oposição.

Parecendo, este não é um cenário de ficção. Basta recordar que durante a campanha eleitoral para as presidenciais coube aos organismos de segurança do Estado venezuelano redobrar o zelo sobre a integridade física de Capriles, o candidato da oposição. Meses mais tarde, o mesmo sucedeu com Leopoldo López, testa-de-ferro da violência fascista de 2014 que, conforme alertou a sua esposa, esteve para ser executado com o mesmo fim político que Capriles: culpar Nicolás Maduro.

Note-se, por fim, que no actual golpe de Estado Henrique Capriles não surge, ao contrário do sucedido nos primeiros tempos da intentona do ano passado. Do que se depreende que constitui a reserva do imperialismo para ulterior ofensiva, eventualmente na chamada às urnas que se avizinha.

  

PCP condena golpe

Reagindo à tentativa de derrube violento do governo da República Bolivariana da Venezuela e do seu legítimo presidente, Nicolás Maduro, o Secretariado do Comité Central do PCP reafirmou «a sua firme condenação das manobras de desestabilização política, económica e mediática levadas a cabo pelas forças reaccionárias neste País».

No texto divulgado sexta-feira, 27, sublinha-se «que esta nova intentona golpista e a incessante campanha antidemocrática se enquadram na escalada de ingerência e agressão promovida pelos EUA contra o governo constitucional da Venezuela», e reitera-se que «o PCP condena veementemente a ingerência e a imposição pelos EUA de sanções à Venezuela e chama a atenção para a gravidade do conjunto de acções que visam colocar em causa a soberania e independências da Venezuela, o percurso emancipador da Revolução Bolivariana e as suas inegáveis conquistas democráticas e realizações sociais, alcançadas nos últimos 16 anos».

Na nota, o Partido manifesta-se «confiante de que as forças patrióticas e revolucionárias venezuelanas não permitirão que o povo Venezuelano seja privado do direito inalienável a decidir do seu futuro e via de desenvolvimento, derrotando mais esta violenta campanha antidemocrática», e «apela à solidariedade com o povo e as forças patrióticas e revolucionárias venezuelanas e a sua luta em defesa da Revolução Bolivariana, assim como com o governo da República Bolivariana da Venezuela e o seu legítimo presidente, Nicolás Maduro».


Demonstrar solidariedade

Com o objectivo de expressar solidariedade para com a Revolução Bolivariana, realizam-se, entre 1 e 8 de Março, um conjunto de iniciativas ao nível mundial. No nosso país, a Semana Mundial de Solidariedade tem expressão com três acções, a primeira das quais decorre hoje, dia 5, às 18h30, na Casa do Alentejo, em Lisboa, e contará com a presença de representantes da embaixada da República Bolivariana da Venezuela em Portugal. Também hoje, mas no Ateneu de Coimbra, às 21h30, realiza-se uma sessão promovida pelo Conselho Português para a Paz e Cooperação e a Associação de Amizade Portugal-Cuba, com o apoio do Sindicato dos Professores da Região Centro e da União de Sindicatos de Coimbra, onde será apresentado o filme: «A revolução não será televisionada», de Kim Bartley e Donnacha O'Briain, com legendas em português. Amanhã, dia 6, sessão semelhante à de Lisboa acontece no Porto, pelas 18 horas nas instalações da Universidade Popular (Rua da Boavista, 736).

A iniciativa em Lisboa é promovida conjuntamente pelo Conselho Português para a Paz e Cooperação, a CGTP-IN e a Associação de Amizade Portugal-Cuba. A sessão no Porto, é dinamizada pela Universidade Popular do Porto, pelo CPPC, pela Comissão Porto com Cuba e pela União de Sindicatos do Porto/CGTP-IN.

Estas organizações, bem como várias estruturas do movimento sindical unitário, e a Associação Conquistas da Revolução, a JCP e a Cooperativa Mó de Vida, emitiram um texto, aberto à subscrição, no qual se realça que «a tentativa de derrubar o Governo democraticamente eleito, não sendo nova na República Bolivariana da Venezuela, também o não é na América Latina e Caraíbas já que se assemelha perigosamente com os golpes ocorridos em países deste subcontinente, nomeadamente nas décadas de 60 e 70 do século passado, em que os Estados Unidos da América e os grandes grupos económicos e financeiros nacionais derrubaram governos legítimos e impuseram aos povos sangrentas ditaduras militares com o brutal cortejo de violação sistemática dos Direitos Humanos e dos direitos democráticos e constitucionais, políticos, sociais, económicos e culturais».

«A tentativa de golpe militar do passado dia 12 de Fevereiro foi amplamente antecedida de uma guerra económica contra o Estado venezuelano, integrando provocações, actos de vandalismo, contrabando, açambarcamento e especulação de bens essenciais, tendentes a criar um clima de descontentamento que facilitasse os objectivos das forças golpistas e antidemocráticas», afirma-se ainda, antes de se notar que «o apoio interno e externo de que goza o governo da República Bolivariana da Venezuela tem-lhe permitido fazer frente a muitas destas inaceitáveis acções desestabilizadoras».