por Portugal assinalando os 70 anos
da vitória sobre o nazi-fascismo
Que se mantenha viva esta chama
Assinalando o 70.º aniversário da derrota do nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial, que se comemora este ano, Portugal recebeu a «Tocha da Liberdade e da Paz», uma iniciativa promovida pela Federação Internacional de Resistentes (FIR) a que a URAP se associou. Em dezenas de acções realizadas entre 29 de Janeiro e 12 de Fevereiro, reafirmou-se o apego aos valores da paz, da liberdade e do progresso social e a determinação em impedir o regresso do fascismo e da guerra.
A chama da FIR termina o seu périplo em Berlim no mês de Maio
A chama eterna é um símbolo intemporal que remete para civilizações tão diversas e distantes como os antigos persas, os chineses ancestrais, os judeus que cruzaram o Mar Vermelho e algumas tribos indígenas da América do Norte. O seu significado não era o mesmo para todas estas civilizações, mas desde há muito que a chama eterna está ligada ao velar dos mortos e à comunhão de valores e aspirações.
Em muitos locais, esta chama está associada à recordação e homenagem às vítimas de batalhas, invasões ou catástrofes. Nos países que compõem a antiga União Soviética, por exemplo, em centenas de cidades e aldeias há monumentos em honra dos soldados, dos guerrilheiros e do povo que combateu o ocupante nazi-fascista naquela que ali ficou conhecida como a Grande Guerra Patriótica; muitos desses memoriais têm chamas eternas em homenagem aos mais de 20 milhões de soviéticos que tombaram (na Bielorrússia, um em cada quatro habitantes foi morto na guerra) e ao papel decisivo que o Exército Vermelho, o Partido Comunista e o povo tiveram na derrota do nazifascismo.
A Tocha da Liberdade e da Paz, promovida pela Federação Internacional de Resistentes, tem todos estes significados: com ela, pretende-se recordar os horrores da guerra, as suas causas e os interesses que estiveram na sua origem, para que nunca mais se repita; evocar todos os que sofreram, combateram e tombaram para que a paz, a liberdade e o progresso fossem uma realidade; valorizar os avanços alcançados nos meses e anos que se seguiram à vitória das forças democráticas e antifascistas, para que sejam defendidos.
A promoção, hoje, dos valores da paz, da liberdade e do progresso, ameaçados por um capitalismo em crise que recorre à guerra, à ingerência e à exploração em resposta à grave e profunda crise em que se encontra mergulhado, assume uma importância decisiva. A passagem da Tocha por Portugal deu um grande contributo para este objectivo.
Projectar ideais e valores
A Tocha da Liberdade e da Paz passou por vários países antes de visitar Portugal. O seu périplo iniciou-se na Bulgária, percorrendo em seguida a Macedónia, a Hungria, a Itália, o Vaticano e Israel. Até Berlim, onde chegará em Maio (mês em que se assinala a capitulação nazi), a Tocha passará ainda por Espanha, Áustria, República Checa e Grécia.
Em Portugal, a Tocha da Liberdade e da Paz esteve nos concelhos do Porto, Aveiro, Moita, Peniche, Grândola, Loures, Vila Franca de Xira, Barreiro, Seixal, Setúbal, Almada e Lisboa. Em parceria com autarquias, escolas, colectividades, associações e clubes, a União de Resistentes Antifascistas Portugueses (membro da FIR) levou a cabo largas dezenas de iniciativas, umas permitindo um debate aprofundado sobre as questões da paz e da guerra, do fascismo e da resistência, outras alcançando um grande impacto público e expressão de rua – todas elas convergindo para levar mais longe os ideais antifascistas que movem a URAP desde a sua fundação, em Abril de 1976, a partir da Associação Nacional de Socorro aos Presos Políticos e de largas centenas de resistentes à ditadura fascista de Salazar e Caetano.
A Praça do Rossio, em Lisboa, foi o local escolhido para encerrar a presença da Tocha da Liberdade e da Paz em Portugal. Para além da centralidade que assume na cidade, o que o torna numa escolha óbvia para iniciativas de rua, este é também um local «histórico» da luta do povo português pela paz, a liberdade e a democracia. Nesse mesmo local, em Maio de 1945, milhares de portugueses festejaram a derrota dos nazi-fascistas na guerra, exigiram a libertação dos presos políticos, o encerramento do Campo de Concentração do Tarrafal e o fim da ditadura.
Para além da URAP, a acção do passado dia 12 envolveu a União de Sindicatos de Lisboa/CGTP-IN, o CPPC, o MDM, A Voz do Operário, a Casa do Alentejo e a Associação de Colectividades do Concelho de Lisboa.
Marília Villaverde Cabral, coordenadora da URAP
Não esquecer a barbárie
prosseguir a resistência
No Rossio, como em diversos locais por onde passara a Tocha, a coordenadora do Conselho Directivo da URAP, Marília Villaverde Cabral, sublinhou a importância da iniciativa da FIR para «que não se esqueça o período mais negro da história da Humanidade: os mais de 50 milhões de mortos, todo o sofrimento e horror por que passaram todos aqueles homens, mulheres e crianças nos campos de concentração nazis de Auschwitz, Maidanek, Treblinka, Dachau, Mauthausen e de Buchenwald, as torturas, as câmaras de gás, as humilhações, as experiências chamadas “médicas”, a que a barbárie nazi-fascista infligiu aos prisioneiros».
Mas comemorar a vitória sobre o fascismo é, também, «homenagear a resistência heróica dos que se bateram desde os primeiros dias da ocupação nazi até à expulsão e derrota dos invasores, como o povo francês, com os seus maquis, os seus partisans; o povo jugoslavo que chegou a organizar um exército de civis com mais de 300 mil homens; o mártir povo soviético que resistiu heroicamente até à vitória». Um pouco por toda a Europa, valorizou Marília Villaverde Cabral, os povos resistiram, «em contraste com a atitude capitulacionista da grande maioria dos círculos governantes representativos da grande burguesia da Europa, como é o caso da França, cujo governo se rendeu e se instalou em Vichy, deixando a Alemanha ocupar Paris e a parte Norte do país».
A falsa neutralidade de Salazar
Em Portugal, lembrou a dirigente da URAP, a suposta «neutralidade» de Salazar não era verdadeira, pois apoiou os fascistas desde a primeira hora: na Guerra Civil de Espanha, autêntico «ensaio» para o que se seguiria, «enquanto a aviação militar da Alemanha e de Itália bombardeava populações indefesas, como em Guernica, Salazar enviava a Franco mantimentos, como aliás o fez durante a guerra, enviando-os também para a Alemanha». Ao mesmo tempo, o povo português vivia a «fome mais negra, o racionamento, as longas bichas de espera para adquirir, por vezes, um pouco de pão».
Já em 1939, ao mesmo tempo que proclamava a neutralidade e reafirmava a aliança com a Inglaterra, Salazar mantinha contactos com os nazis, a quem enviava «toneladas de volfrâmio» ao mesmo tempo que Lisboa era um «verdadeiro centro de espionagem ao serviço de Hitler».
A coordenadora da URAP valorizou ainda as lutas travadas pelo povo português nesses anos difíceis, de repressão e fome: «as greves, as marchas da fome assustaram Salazar que logo atirou para as prisões e para o Campo de Concentração do Tarrafal, inaugurado em 1936, dirigentes comunistas e outros democratas. Mas as greves, as marchas dos trabalhadores dessa época, ficaram marcadas e permanecem nos corações dos democratas e antifascistas, como uma dívida de gratidão para com aqueles que souberam resistir.»
Em suma, Salazar «não queria salvar o povo e o país da guerra»; queria, sim, «salvar o seu regime fascista». E conseguiu-o, com o apoio das «democracias ocidentais», que integraram o Portugal de Salazar no Pacto do Atlântico, que constituiu a NATO, em Abril de 1949. Este apoio internacional dos EUA e da Inglaterra foi fundamental para que o Tarrafal continuasse até 1954 (sendo reaberto em 1961 para os patriotas africanos) e, até ao 25 de 1974, «vão continuar o Aljube, Caxias e Peniche, bem como as criminosas guerras coloniais».
Não há barreiras intransponíveis
Marília Villaverde Cabral alertou ainda para a guerra, caos e instabilidade em que o mundo se encontra hoje mergulhado, 70 anos após o final da Segunda Guerra Mundial. Para a dirigente antifascista, «acontecimentos recentes mostram-nos que não podemos abrandar na luta pela paz: Na Ucrânia, no Afeganistão, no Iraque, na Síria, na Palestina, os povos sofrem, de novo, guerras que lhes são impostas e o Ocidente rodeia-se de barricadas contra o terrorismo.»
Ao assistir-se a todas estas situações, garantiu, é «impossível não nos vir à memória as ajudas da NATO e dos Estados Unidos da América – milhões de dólares e armamentos – aos bandos que operavam na Síria contra o governo de Damasco e que, afinal, parecem ser os mesmos que agora dizem combater».
A terminar, a coordenadora da URAP realçou que hoje, «como nos negros tempos do nazi-fascismo, por intransponíveis que possam parecer as dificuldades, os exemplos do passado mostram que, mesmo que leve tempo, o futuro pertence não aos que oprimem e exploram, mas aos que resistem e lutam em prol da emancipação da Humanidade». Manter eternamente viva a chama da liberdade e da paz depende, assim, da acção organizada dos trabalhadores, dos democratas e dos povos do mundo.
Para que nunca mais aconteça
A Federação Internacional de Resistentes (FIR), à qual pertence a URAP, foi uma das organizações internacionais antifascistas e progressistas surgidas nos primeiros anos após a vitória sobre o nazi-fascismo. De facto, entre 1945 e os primeiros anos da década de 50 foram constituídas importantes organizações como a Federação Mundial da Juventude Democrática, a Federação Democrática Internacional de Mulheres, a Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos, o Conselho Mundial da Paz, entre outras, que tinham como causa central a manutenção da liberdade, da paz e das conquistas políticas, económicas e sociais alcançadas com a vitória.
No caso concreto da FIR, ela foi criada em 1951, reunindo as organizações nacionais de antigos resistentes, presos políticos e deportados pelos regimes nazi-fascistas. Para além da valorização da memória da resistência, a FIR dedica-se desde então ao combate às novas expressões do nazi-fascismo, às políticas antidemocráticas, à militarização e à guerra.
O seu símbolo é uma chama, a mesma que percorreu Portugal nas últimas semanas.