Tunísia procura modelo ocidental
Quatro anos após o início da rebelião popular que derrubou o ditador Zine el Abidine Ben Ali, a Tunísia completou a transição para um regime parlamentar. Mas os dirigentes eleitos do país norte-africano enfrentam agora complexos problemas económicos, sociais e de segurança.
Os resultados da segunda volta das eleições presidenciais, a 21 de Dezembro, confirmaram a vitória de Béji Caid Essebsi, líder do partido Nidaa Tounes, por ele fundado há dois anos com gente de diferentes quadrantes políticos.
Laico, conservador, de 88 anos, ex-primeiro-ministro de transição, tinha servido durante mais de duas décadas, em várias pastas ministeriais, o primeiro presidente tunisino, Habib Bourguiba, e, depois, como deputado e líder parlamentar, o seu sucessor, Ben Ali, afastado em 2011 depois de mais de duas décadas de ditadura e desde então no exílio dourado na Arábia Saudita.
Essebsi, que recebeu 56 por cento dos votos, derrotou o presidente de transição cessante, Moncef Marzouki (44%), um médico de 69 anos, descrito como «defensor dos direitos humanos» que viveu largos anos exilado em França. Hoje dirigente do Congresso para a República, Marzouki foi apoiado de forma não declarada pelo partido islâmico Ennahda, a segunda força parlamentar, e por organizações ligadas ao islamismo radical.
Os opositores de Essebsi consideram a sua vitória como um retorno à velha ordem, uma «inversão da História» e um retrocesso do movimento popular que detonou na Tunísia e em outros países as chamadas «primaveras árabes». Mas o novo presidente e líder do partido parlamentar maioritário responde que é o tecnocrata experiente de que o país necessita depois de três anos de uma coligação governamental dominada pelos islamitas. E afirma mesmo que «é um produto da escola Bourguiba mas não o seu herdeiro», e que pretende «virar completamente a página do passado» e «olhar para o futuro».
Em 2014, os tunisinos já tinham aprovado uma nova Constituição – que não consagra os anteriores poderes presidenciais quase absolutos e opta por uma democracia parlamentar – e realizado, em Outubro passado, eleições parlamentares.
O Nidaa Tounes conquistou 86 dos 217 assentos parlamentares, pelo que necessita de fazer alianças para conseguir formar um governo estável. Essebsi já declarou que «não há tempo a perder» e especula-se que poderá tentar uma coligação com o Ennahda (com 69 deputados) ou, então, deixar na oposição os islamitas e procurar apoios entre os 62 representantes eleitos por forças que vão desde a extrema-esquerda até ao centro-direita.
Essebsi fez campanha eleitoral com duas propostas principais – afastar os islamistas do poder e recuperar o «prestígio do Estado». A base do seu programa governativo, segundo o jornal espanhol «El País», é «modernizar o Estado com pessoas bem preparadas, com tecnocratas nos postos-chave de uma administração do século XXI, como a dos países ocidentais».
Com tal ideário, não é de admirar que os dirigentes de países como os Estados Unidos, a França ou o Egipto tenham saudado com entusiasmo a vitória do Nidaa Tounes. Qualquer veleidade em transformar a «Revolução dos Jasmins» tunisina numa verdadeira revolução foi por ora posta de parte.
Pouco optimista mostra-se a imprensa tunisina, acusada pelos simpatizantes de Marzouki de apoiar os adversários e de ter sido um dos factores da vitória de Essebsi. Os jornais chamam a atenção para os grandes desafios que o país enfrenta, em especial no plano económico. Quatro anos depois da revolta popular largamente motivada pela pobreza, o desemprego e a miséria continuam endémicos e o crescimento é anémico, sublinham.
La Presse, de Tunes, citada pela revista Jeune Afrique, aponta um aparelho produtivo desorganizado, um investimento parado, uma taxa de desemprego «alarmante», um poder de compra ao mais baixo nível e uma situação social «totalmente desordenada».
Um outro problema a resolver pelas novas autoridades é o da insegurança. Encravada entre a Líbia caída no caos e a Argélia que enfrenta o terrorismo nas suas fronteiras, a Tunísia vive de perto o problema do «jihadismo». Grupos que reivindicam a «guerra santa» islâmica foram responsáveis, nos últimos anos, pelo assassinato de dirigentes políticos laicos e de dezenas de militares tunisinos.
O diário Le Temps resume a complexa situação do país magrebino saudando as vitórias eleitorais do Nidaa Tounes mas advertindo que Caid Essebsi «não recebeu um cheque em branco» dos tunisinos. E que, face à magnitude dos desafios, «nenhum partido é capaz de resolver sozinho os problemas do país».