- Nº 2139 (2014/11/27)
Escola pública é conquista a preservar

Instrumento de emancipação e desenvolvimento

Em Foco

Praticamente não há dia em que, nos noticiários ou nas nossas próprias vidas, não sejamos confrontados com as consequências da política de desmantelamento da escola pública. O início do actual ano lectivo é um retrato vivo desta realidade: centenas de escolas encerradas e milhares de professores despedidos, ao mesmo tempo que os alunos se amarfanham em turmas enormes e muitos milhares ficaram meses sem aulas… por falta de professores. Mas esta é «só» a ponta do icebergue.

Há muito que a escola pública está sob uma violenta ofensiva da política de direita, perpetrada pelos protagonistas do costume (PS, PSD e CDS) ao serviço dos de sempre, os grandes grupos económicos. Recorrendo a argumentos como a «modernização», a «liberdade de escolha» ou a «crise», sucessivos governos desferiram violentos golpes nesta conquista de Abril, amputando o carácter universal e tendencialmente gratuito que a Constituição da República confere, ainda hoje, ao direito de todos à educação, e aprofundando a elitização do ensino e o afastamento das camadas populares dos mais elevados graus de escolaridade.

Mais de 35 anos de política de direita conduziram à dramática situação que hoje se vive nos estabelecimentos públicos do pré-escolar às universidades.

Elitização, exclusão, degradação

Muito embora a Constituição atribua ao Estado a responsabilidade de promover a democratização da educação, de modo a contribuir para a igualdade de oportunidades e a superação das desigualdades, a prática dos sucessivos governos tem ido em sentido oposto. Prova disso são, desde logo, os elevados e crescentes custos que as famílias suportam com a educação dos filhos: em média, uma família com um filho dependente gasta 938 euros com educação; no caso de ter dois filhos, os gastos disparam para os 1339 euros. Somando-lhe a redução drástica da acção social escolar, o panorama é ainda mais negro.

Em 2012, ao mesmo tempo que aumentavam as propinas, foram menos 15 mil os estudantes a receber bolsa, o que se somava à redução de 11 mil verificada no ano anterior. O abandono disparou: só nos dois primeiros meses desse ano lectivo mais de 6000 estudantes abandonaram as universidades e politécnicos, numa média de 100 por dia.

À sobrecarga das famílias soma-se o crescente subfinanciamento do Estado: entre 2011 e 2014, o corte no financiamento dos ensinos Básico e Secundário foi de 1330 milhões de euros; no Superior, entre 2010 e este ano, foi de 330 milhões. O OE para 2015 agravará drasticamente esta situação. Graças ao subfinanciamento, faltam funcionários e professores, há escolas sem pavilhões, laboratórios e aquecimento, chove em muitas salas de aula. Nem os politécnicos e as universidades escapam a esta degradação.

Entre 2002 e 2014, os governos PS e PSD/CDS fecharam cerca de 6500 escolas do Ensino Básico, em muitos casos deixando totalmente abandonadas milhares de aldeias e vilas do País e obrigando as crianças a prolongadas deslocações diárias…

Não deixar pedra sobre pedra

Fosse «apenas» isto e era já tremendo, mas a ofensiva vai muito mais além: o brutal aumento do número de alunos por turma, a reorganização «curricular», a segregação de milhares de estudantes com necessidades educativas especiais, o empobrecimento da democracia nas escolas e a implementação do ensino dual e vocacional, via paralela para a conclusão da escolaridade obrigatória e que constitui, de facto, a negação da igualdade de oportunidades e da possibilidade de acesso ao Ensino Superior. A constituição de mega-agrupamentos, a transferência de responsabilidades para as autarquias e a promoção dos chamados «contratos de autonomia» (que visam a indexação do financiamento aos resultados dos exames) são outras peças desta ofensiva.

Elemento estruturante do desmantelamento da escola pública é a desvalorização da profissão docente: desde 2011, mais de 25 mil professores foram despedidos e muitos outros vivem ano após ano o drama dos concursos, da deslocação para escolas a milhares de quilómetros, dos horários incompletos e, mais recentemente, da generalização da «oferta de escola» em contraponto com o concurso nacional de colocação de professores.

No Ensino Superior, elitização e degradação andam lado a lado. As fusões, parcerias e fundações aumentam a promiscuidade entre o ensino universitário e o grande capital, enquanto o Politécnico é crescentemente relegado para um papel de mera «formação profissional».

Com esta ofensiva, perdem os filhos das classes trabalhadores, cada vez mais afastados dos mais elevados graus de ensino; perdem os docentes e suas famílias; e perde, sobretudo, o País, cada vez mais privado do poderoso instrumento de progresso e desenvolvimento que é a escola pública. Ganham, como é apanágio da política de direita, os poderosos interesses económicos que enxameiam o sector.

 

Retomar a formação
integral do indivíduo

A política alternativa que o PCP propõe visa retomar o caminho aberto pela Revolução de Abril, que consagrou o direito de acesso de todos, segundo as suas capacidades (e não pela origem social), aos mais elevados graus de ensino, investigação científica e criação artística. O instrumento encontrado para dar corpo a esse direito foi a escola pública – factor imprescindível de emancipação e progresso que tem como meta suprema a formação integral dos indivíduos e o desenvolvimento do espírito crítico e criador.

A progressiva gratuitidade de frequência de todos os graus de ensino era, e é, essencial para garantir a igualdade de oportunidades e a superação das desigualdades. A democratização do ensino teve resultados notáveis. Graças a ela, o analfabetismo foi praticamente erradicado, reduziu-se significativamente as taxas de insucesso e abandono escolares, milhares de jovens tiveram oportunidade de entrar no Ensino Superior e generalizou-se a educação pré-escolar.

A contra-revolução, porém, interrompeu este rumo, fazendo persistir enormes atrasos: três milhões e meio de pessoas não têm qualquer diploma ou apenas concluíram o Ensino Básico; um milhão e meio não terminou o Ensino Secundário e a taxa de abandono escolar precoce permanece acima dos 27 por cento.

Defendendo a escola pública e democrática que Abril tornou possível, o PCP propõe a afirmação de uma política que assuma a educação como valor estratégico fundamental para o desenvolvimento do País: há que dotar a escola pública dos meios humanos e materiais necessários, expandir a rede pública, acabar com o financiamento público a instituições privadas (os contratos de associação deverão ser exclusivos aos locais em que a escola pública não esteja, ainda, em condições de assumir a sua função) e promover a progressiva gratuitidade do ensino, com a abolição das propinas no Ensino Superior, a gratuitidade dos manuais escolares no ensino obrigatório e o financiamento, pelo Orçamento do Estado, da educação pré-escolar e dos ensinos Básico e Secundário.

A gestão democrática, uma adequada reorganização curricular, a primazia à avaliação contínua (em detrimento dos exames), e o fim do numerus clausus são outras das medidas propostas.