Revolução de Outubro
inaugurou uma nova era

O futuro começou há 97 anos

Gustavo Carneiro

Cumpre-se amanhã, 7 de No­vembro, o 97.º ani­ver­sário da Re­vo­lução So­ci­a­lista de Ou­tubro. Acon­te­ci­mento maior do sé­culo XX e da his­tória da Hu­ma­ni­dade, o «as­salto do céu» pelos bol­che­vi­ques, li­de­rados por Lé­nine, co­locou pela pri­meira vez e de forma con­sis­tente o pro­le­ta­riado no poder e ini­ciou a cons­trução de uma so­ci­e­dade nova, sem ex­plo­ra­dores nem ex­plo­rados, a so­ci­e­dade so­ci­a­lista. O sig­ni­fi­cado his­tó­rico da Re­vo­lução de Ou­tubro, as con­quistas iné­ditas que al­cançou e o im­pacto que teve na vida dos povos são ina­pa­gá­veis, in­de­pen­den­te­mente das pe­sadas der­rotas so­fridas no final do sé­culo pas­sado, cujas con­sequên­cias os tra­ba­lha­dores e os povos sentem, hoje, de forma par­ti­cu­lar­mente dra­má­tica. As fu­turas re­vo­lu­ções terão a sua marca.

A Re­vo­lução de Ou­tubro e a cons­trução do so­ci­a­lismo mos­traram que é pos­sível aos tra­ba­lha­dores di­ri­girem a so­ci­e­dade de acordo com os seus in­te­resses e as­pi­ra­ções

 A in­sur­reição de 25 de Ou­tubro de 1917 (7 de No­vembro no nosso ca­len­dário), ini­ciada ao sinal do cru­zador «Au­rora», co­locou no poder do maior país do mundo um go­verno re­vo­lu­ci­o­nário de ope­rá­rios e cam­po­neses. As suas pri­meiras de­ci­sões e de­cretos dei­xaram desde logo evi­dente a na­tu­reza pro­le­tária e po­pular do novo poder: o De­creto da Paz, ape­lando às na­ções para porem fim à guerra im­pe­ri­a­lista e en­ce­tarem uma paz de­mo­crá­tica, «sem ane­xa­ções nem in­dem­ni­za­ções», e o De­creto da Terra, abo­lindo a pro­pri­e­dade pri­vada da terra. As de­cla­ra­ções dos «di­reitos dos povos da Rússia» e dos «di­reitos do povo tra­ba­lhador e ex­plo­rado» são ou­tros do­cu­mentos par­ti­cu­lar­mente re­ve­la­dores da na­tu­reza e da es­sência do poder so­vié­tico.

O sonho mi­le­nário de uma «terra sem amos», di­ri­gida por tra­ba­lha­dores, con­cre­ti­zava-se, assim, não num país ca­pi­ta­lista de­sen­vol­vido, mas num país pre­do­mi­nan­te­mente rural e com atrasos co­los­sais, em que per­sis­tiam re­la­ções feu­dais e onde a grande mai­oria da po­pu­lação es­tava re­me­tida à po­breza e ao anal­fa­be­tismo. Mas a Rússia era, ao mesmo tempo, um país onde o ca­pi­ta­lismo atin­gira ra­pi­da­mente a fase im­pe­ri­a­lista, ge­rando um pro­le­ta­riado in­dus­trial al­ta­mente con­cen­trado e ex­plo­rado em al­guns grandes cen­tros ur­banos. Um pro­le­ta­riado com grande ex­pe­ri­ência de luta e que dis­punha de uma só­lida e cal­deada van­guarda re­vo­lu­ci­o­nária, o Par­tido Bol­che­vique, di­ri­gido por Lé­nine.

Para ex­plicar esta que era por muitos vista como uma «im­pos­si­bi­li­dade his­tó­rica» con­correm ainda ou­tros fac­tores: a as­pi­ração ge­ne­ra­li­zada das massas po­pu­lares russas à paz, a cres­cente re­sis­tência à agu­di­zação da opressão na­ci­onal-chau­vi­nista e o ama­du­re­ci­mento das as­pi­ra­ções à au­to­de­ter­mi­nação dos povos. A Re­vo­lução de Ou­tubro – como todas as ver­da­deiras re­vo­lu­ções, aliás – com­binou di­a­lec­ti­ca­mente as par­ti­cu­la­ri­dades na­ci­o­nais com as leis ge­rais do de­sen­vol­vi­mento so­cial des­ven­dadas por Marx e En­gels e bri­lhan­te­mente apli­cadas e de­sen­vol­vidas por Vla­dimir Ilitch Lé­nine. E inau­gurou uma nova era na his­tória da Hu­ma­ni­dade: a era da pas­sagem do ca­pi­ta­lismo ao so­ci­a­lismo, a nossa era.

Avanços de al­cance his­tó­rico

A na­tu­reza das trans­for­ma­ções re­vo­lu­ci­o­ná­rias, o ritmo ver­ti­gi­noso a que se su­ce­deram e o con­texto ad­verso em que se con­cre­ti­zaram cons­ti­tuem um tes­te­munho no­tável da ca­pa­ci­dade re­a­li­za­dora das massas or­ga­ni­zadas e em mo­vi­mento. En­fren­tando di­fi­cul­dades co­los­sais e obs­tá­culos vir­tu­al­mente in­trans­po­ní­veis, o par­tido co­mu­nista, a classe ope­rária e o povo so­vié­ticos al­can­çaram grandes re­a­li­za­ções po­lí­ticas, so­ciais, eco­nó­micas, téc­nico-ci­en­tí­ficas, cul­tu­rais e na­ci­o­nais.

Em poucas dé­cadas, a Rússia e os res­tantes ter­ri­tó­rios que com­pu­nham o an­tigo im­pério cza­rista e que, em fi­nais de 1922, se as­so­ci­aram na União das Re­pú­blicas So­ci­a­listas So­vié­ticas (URSS) pas­saram do atraso téc­nico e cul­tural à qua­li­dade de grande po­tência in­dus­trial. No início da dé­cada de 60, a União So­vié­tica tor­nava-se no pri­meiro país a co­locar um homem no es­paço – o cos­mo­nauta Iuri Ga­gá­rine.

Entre as mais sig­ni­fi­ca­tivas con­quistas eco­nó­micas e so­ciais al­can­çadas pela Re­vo­lução de Ou­tubro conta-se a li­qui­dação da pro­pri­e­dade pri­vada dos la­ti­fun­diá­rios e dos grandes ca­pi­ta­listas; a jor­nada de tra­balho de oito horas; o di­reito a fé­rias pagas; a eman­ci­pação da mu­lher e a igual­dade entre sexos; os di­reitos de ma­ter­ni­dade; a li­qui­dação do de­sem­prego; a as­sis­tência mé­dica e a edu­cação gra­tuitas; a eli­mi­nação do anal­fa­be­tismo; o apoio à in­fância; o acesso ge­ne­ra­li­zado à cul­tura; a pro­moção das cul­turas e iden­ti­dade na­ci­o­nais. Foi graças ao poder so­vié­tico que muitos povos do an­tigo im­pério russo viram os seus di­a­lectos con­ver­tidos em lín­guas na­ci­o­nais e pro­vidas de al­fa­betos pró­prios, ga­ran­tindo dessa forma a sua so­bre­vi­vência.

A re­vo­lução bol­che­vique e o pro­cesso re­vo­lu­ci­o­nário de cons­trução do so­ci­a­lismo per­mi­tiram a mi­lhões de ope­rá­rios e cam­po­neses exer­cerem di­reitos e li­ber­dades de­mo­crá­ticas e par­ti­ci­parem na gestão da vida eco­nó­mica e so­cial – ao nível da fá­brica, da co­o­pe­ra­tiva, da pro­víncia, da re­pú­blica e da união; des­per­taram a dis­po­ni­bi­li­dade re­vo­lu­ci­o­nária dos tra­ba­lha­dores e do povo, que cons­truíam com as suas mãos um fu­turo de pro­gresso e de paz (a obra «Assim Foi Tem­pe­rado o Aço», de Ni­kolai Os­tróvski, mostra-o na per­feição); re­pre­sen­taram uma ex­plosão de cri­a­ti­vi­dade, ini­ci­a­tiva e par­ti­ci­pação po­pu­lares e o de­sen­vol­vi­mento de múl­ti­plas formas de ex­pressão ar­tís­tica.

Uma questão de classe

A vi­tória dos bol­che­vi­ques na Rússia pro­vocou uma im­pres­si­o­nante onda de choque, que se es­tendeu aos quatro cantos do pla­neta e à qual nin­guém ficou in­di­fe­rente. Os tra­ba­lha­dores e os povos viram-na como um im­pulso ir­re­pri­mível para a luta re­vo­lu­ci­o­nária e um com­pro­vado ca­minho de eman­ci­pação: nos meses, anos e dé­cadas que se se­guiram, a luta da classe ope­rária de­sen­volveu-se em todo o Mundo; foram cri­ados de­zenas de par­tidos co­mu­nistas e ope­rá­rios e mo­vi­mentos de li­ber­tação na­ci­onal; novas re­vo­lu­ções triun­faram; os povos dos países co­lo­niais e de­pen­dentes en­traram em cena como pro­ta­go­nistas de pri­meiro plano dos grandes acon­te­ci­mentos mun­diais.

A der­rota do nazi-fas­cismo e, após 1945, os di­reitos so­ciais e la­bo­rais dos tra­ba­lha­dores, o des­mo­ro­na­mento dos im­pé­rios co­lo­niais, a con­tenção da na­tu­reza ex­plo­ra­dora e agres­siva do im­pe­ri­a­lismo e a cons­trução do sis­tema so­ci­a­lista mun­dial são al­guns dos grandes avanços li­ber­ta­dores que têm a marca pro­funda da Re­vo­lução de Ou­tubro.

Já a re­acção do grande ca­pital e do im­pe­ri­a­lismo ao poder so­vié­tico ini­ciou-se no dia da to­mada do poder pelos ope­rá­rios, cam­po­neses e sol­dados – com o cerco, a agressão e a ameaça que du­raram até ao úl­timo dia da ex­pe­ri­ência so­vié­tica e às der­rotas do so­ci­a­lismo no Leste da Eu­ropa. Logo em 1918, uma co­li­gação de 14 po­tên­cias ca­pi­ta­listas, aliada à contra-re­vo­lução in­terna, in­vadiu a Rússia para es­magar no berço o poder ope­rário e cam­ponês. Fa­lharam o seu ob­jec­tivo, mas não sem pro­vocar pre­juízos in­cal­cu­lá­veis e um brutal nú­mero de ví­timas.

Em 1941, pe­rante a pas­si­vi­dade de in­gleses e norte-ame­ri­canos, em­pe­nhados em em­purrar Hi­tler para Ori­ente, as hordas nazi-fas­cistas in­vadem a União So­vié­tica, dando início àquela que, no país dos so­vi­etes, pas­saria à his­tória como a «Grande Guerra Pa­trió­tica» – e que aca­baria por roubar a vida a mais de 20 mi­lhões dos seus fi­lhos. Mas a URSS não foi apenas o país que mais ví­timas so­freu na Se­gunda Guerra Mun­dial (cerca de me­tade do total); foi também a prin­cipal res­pon­sável pela der­rota do na­zi­fas­cismo.

Foi, de facto, a União So­vié­tica – o seu exér­cito ver­melho, o seu par­tido, o seu povo – que opôs à má­quina de guerra hi­tle­riana uma tenaz re­sis­tência desde o pri­meiro dia da in­vasão; foi ela que lhe impôs as der­rotas de­ci­sivas, em Mos­covo, em Sta­li­ne­grado, em Kursk, em Le­ni­ne­grado ou em Berlim; foi ainda a URSS que des­ba­ratou a es­ma­ga­dora mai­oria das tropas e ma­te­rial bé­lico alemão: na Frente Leste, foram der­ro­tadas 607 di­vi­sões alemãs (176 na frente Oci­dental) e foi aí que a Ale­manha nazi perdeu 75 por cento da sua avi­ação, ar­ti­lharia e tan­ques.

A guerra fria, a chan­tagem nu­clear, o boi­cote eco­nó­mico e o pa­tro­cínio da sub­versão foram marcas da re­lação do im­pe­ri­a­lismo com o mundo so­ci­a­lista após a Se­gunda Guerra.

Pelas con­quistas al­can­çadas, pelo glo­rioso per­curso de mais de 70 anos, pela so­li­da­ri­e­dade sempre de­mons­trada com a luta eman­ci­pa­dora dos tra­ba­lha­dores e dos povos, por de­mons­trar na prá­tica que sim, é pos­sível cons­truir uma so­ci­e­dade sem ex­plo­ra­dores nem ex­plo­rados, a Re­vo­lução de Ou­tubro per­ma­nece como exemplo a se­guir pelos que lutam, hoje, pelos ob­jec­tivos que ani­maram, na­quele já lon­gínquo dia 7 de No­vembro de 1917, os in­sur­rectos de Pe­tro­grado: a luta pelo so­ci­a­lismo e o co­mu­nismo.

 

O exemplo per­ma­nece
o pro­jecto con­tinua

O de­sa­pa­re­ci­mento do campo so­ci­a­lista, no início dos anos 90 do sé­culo XX, teve – e está ainda a ter – im­pactos tre­mendos da luta dos tra­ba­lha­dores e dos povos. A ex­plo­ração in­ten­si­ficou-se de­sen­fre­a­da­mente, os di­reitos, li­ber­dades e ga­ran­tias são ata­cados, as guerras de agressão im­pe­ri­a­lista su­cedem-se, os na­ci­o­na­lismos xe­nó­fobos são ali­men­tados e o fas­cismo res­surge hoje como um ins­tru­mento a que o ca­pi­ta­lismo pode deitar a mão para pro­curar lidar com a grave crise em que está mer­gu­lhado. A Ucrânia é disso um no­tável exemplo.

Para além do sú­bito e acen­tuado de­se­qui­lí­brio da cor­re­lação de forças a favor do ca­pital ao nível mun­dial, o de­sa­pa­re­ci­mento da URSS e do campo so­ci­a­lista na Eu­ropa ar­rastou con­sigo par­tidos co­mu­nistas e ope­rá­rios, que se des­ca­rac­te­ri­zaram ou pura e sim­ples­mente dei­xaram de existir, dei­xando, assim, de­sar­mados os tra­ba­lha­dores e os povos dos res­pec­tivos países. É o caso do Par­tido Co­mu­nista Ita­liano, o maior da Eu­ropa oci­dental, que se trans­formou numa for­mação so­cial-de­mo­crata, que nas di­versas vezes em que passou pelo poder se re­velou um fiel ser­vidor dos in­te­resses dos mo­no­pó­lios.

O PCP, re­cu­sando ceder às pres­sões ca­pi­tu­la­ci­o­nistas, pro­cedeu em di­versos con­gressos à aná­lise dos trá­gicos acon­te­ci­mentos que le­varam às der­rotas do so­ci­a­lismo, num pro­cesso de ava­li­ação e de­bate que ainda pros­segue. Em Maio de 1990 – em pleno «ter­ra­moto», como lhe chamou Álvaro Cu­nhal – o PCP re­a­lizou o seu XIII Con­gresso (ex­tra­or­di­nário), para ana­lisar, entre ou­tras im­por­tantes ques­tões, as der­rotas do so­ci­a­lismo. Nesse con­gresso, va­lo­ri­zando-se a ex­pe­ri­ência so­vié­tica e ava­li­ando os seus erros e de­for­ma­ções, con­cluiu-se que «não foi o so­ci­a­lismo que foi der­ro­tado», ao mesmo tempo que se re­a­firmou a con­fi­ança no ca­minho da trans­for­mação so­cial: «Con­fi­amos fir­me­mente no fu­turo de li­ber­dade e so­ci­a­lismo que tor­nará pos­sível a fe­li­ci­dade do homem», lia-se no Ma­ni­festo do Con­gresso.

Hoje, 25 anos após a «queda do Muro de Berlim» e de­pois de in­fi­nitas «sen­tenças de morte», o Par­tido Co­mu­nista Por­tu­guês con­tinua a luta pelos ob­jec­tivos que es­ti­veram na sua origem e gui­aram toda a sua he­róica acção nestes 93 anos. No XIX Con­gresso, re­a­li­zado em fi­nais de 2012, re­a­firmou que «só o so­ci­a­lismo, com a con­quista do poder pelos tra­ba­lha­dores, a par­ti­ci­pação cons­ci­ente e cri­a­tiva das massas, a pro­pri­e­dade so­cial dos prin­ci­pais meios de pro­dução, a pla­ni­fi­cação ra­ci­onal da eco­nomia, tem po­ten­ci­a­li­dades para li­bertar e de­sen­volver as forças pro­du­tivas, co­locá-las ao ser­viço do in­te­resse geral e dar so­lução aos grandes pro­blemas da hu­ma­ni­dade». O PCP rei­terou igual­mente a ne­ces­si­dade de per­correr com de­ter­mi­nação as fases e etapas ne­ces­sá­rias à con­cre­ti­zação do seu ob­jec­tivo su­premo. É isso que faz todos os dias nos com­bates que trava pela rup­tura com a po­lí­tica de di­reita e pela con­cre­ti­zação de uma al­ter­na­tiva pa­trió­tica e de es­querda, pela De­mo­cracia Avan­çada – os va­lores de Abril no fu­turo de Por­tugal, tendo como ho­ri­zonte o so­ci­a­lismo e o co­mu­nismo. É isso que con­ti­nuará a fazer.

 



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Este ar­tigo pre­tende ser um con­tri­buto para a aná­lise e ca­rac­te­ri­zação da ac­tual ofen­siva contra a Es­cola Pú­blica, as suas múl­ti­plas di­men­sões e me­didas con­cretas, as suas con­sequên­cias e os seus res­pon­sá­veis. A luta que hoje tra­vamos pela va­lo­ri­zação da Es­cola Pú­blica exige que ape­lemos a todos os de­mo­cratas e pa­tri­otas para que se juntem ao PCP neste ob­jec­tivo de de­fesa do re­gime de­mo­crá­tico.