como direito humano
Não à Privatização da Água!
Em 2010 uma Resolução da Assembleia das Nações Unidas reconheceu o direito à água potável e ao saneamento como direito humano. Com 122 votos a favor, 41 abstenções, e nenhum voto contra. Reconhecendo aquilo que tem sido uma reivindicação dos povos. A água é um bem essencial à vida, sendo que o acesso a este bem é um direito humano fundamental:
«1 . Reconhece o direito à água limpa e segura para beber e ao saneamento como um direito humano, que é essencial à plena fruição da vida e de todos os direitos humanos;
2. Apela aos estados e organizações internacionais para proverem recursos financeiros, capacitação institucional e transferência de tecnologia, através de assistência e cooperação internacional, em particular aos países em vias de desenvolvimento, no sentido de intensificar esforços para prover todas as pessoas de água potável limpa e de saneamento, seguros, acessíveis e baratos.»
Convém lembrar que a Companhia de Águas de Lisboa, empresa privada com capital da Compagnie Générale des Eaux, foi remunicipalizada em 1974, por (...) degradação do abastecimento de água na capital
Para o PCP a água é um bem público e o acesso à água tem que ser garantido como um direito humano. Estes princípios são incompatíveis com a possibilidade de a água ser um negócio só de alguns. Só uma gestão pública e democrática permite assegurar a todos os cidadãos o acesso à água, independentemente da sua condição económica e social. Com a privatização o controlo deste bem essencial fica fora da responsabilidade municipal o que traz desde logo preocupações para as populações:
– Menos controlo democrático sobre as políticas futuras:
Diminuindo o controlo democrático sobre este bem precioso – os cidadãos deixam de poder pronunciar-se sobre a política da água. Muitas autarquias, e consequentemente os seus munícipes, deixarão de ter uma palavra a dizer sobre política de água, sendo que algumas concessionaram a gestão da água por décadas.
– Mais discriminação no acesso a este bem essencial:
Com a subordinação da água à lógica do lucro, num futuro próximo, os investimentos passarão a ser subordinados à obtenção de lucros, privilegiando em preço e qualidade os grandes consumidores e as zonas de maior densidade populacional em prejuízo de pequenos e médios consumidores e das zonas rurais, agravando as desigualdades. Acresce que é prática corrente com a privatização serem eliminados fontanários (e.g. Tábua e Tondela).
– Prejuízos públicos para lucros privados:
A cedência de todas as infra-estruturas municipais de água e saneamento (barragens, ETAR, captações, estações elevatórias, redes) pertencentes aos municípios, pagas por todos, para empresas privadas, implicam que o município passará a comprar aquilo que era de todos, com prejuízos evidentes para as populações.
– Água privada – água mais cara:
A privatização da água tem tido um reflexo imediato, nos locais onde aconteceu, o aumento drástico do preço da água. A factura da água contribui para o agravamento das desigualdades económicas e agravamento da pobreza, visto que representa uma parcela tanto maior do rendimento quanto este é mais baixo.
Caminho comum de PS, PSD e CDS
com vista à privatização da água
PSD/Cavaco começou por permitir a concessão dos serviços de águas e resíduos a privados – não era privatizar era concessionar. Depois garantiu aos concessionários privados resultados financeiros. O PS/Guterres acabou de abrir a porta aos privados, revogando a lei de delimitação de sectores. O PS/Sócrates alterou o regime jurídico dos serviços municipais de águas e resíduos para privilegiar a integração vertical e instituiu a base legal para a privatização de toda a água do território nacional abrindo para a completa mercantilização. O PSD/CDS/Portas/Coelho continua o caminho da mercantilização da água visando a privatização do grupo Águas de Portugal, que já controla a maioria dos sistemas de abastecimento «em alta» de água e saneamento.
PS, PSD e CDS juntos a derrubar obstáculos
à privatização (por datas)
Foram PS, PSD e CDS que votaram favoravelmente as revisões à Constituição da República Portuguesa e as alterações à delimitação de sectores que permitiram a privatização da água.
1988 – Permitiram que a transformação de empresas públicas em sociedade anónimas. (Lei 84/88).
1989 – Revisão constitucional abriu a possibilidade de privatização dos serviços de água autárquicos.
1997 – Nova revisão constitucional, abriu ao negócio sectores que até aí estavam vedados à esfera privada.
1997 – Revogação da Lei de delimitações de sectores e substituição pela lei 88A/97, que autoriza explicitamente a concessão a privados de sistemas de abastecimento de água, com referência explicita aos sistemas multimunicipais.
2003 – Governo PSD/CDS (Barroso/Portas) aproveita a proposta do PS (Guterres) e tenta aprovar e publicar silenciosamente, como decreto-lei, a «Lei Quadro da Água».
2005 – PSD, CDS e PS (outra vez no governo) apresentam três projectos com a mesma redacção e com o mesmo ficheiro de computador, que prevêem uma política da água à medida dos interesses privados.
2006 – Publicação do PEAASAR II – mais um elemento de chantagem e ameaça às autarquias para as pressionar a aderir aos sistemas multimunicipais.
2008 – Primeira fase da privatização da Águas de Portugal. Entrega a capitais privados de uma enorme fatia da AQUAPOR.
2008 – 2009 – Oito concessões adjudicadas no âmbito do Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico.
2005 – 2011 – Aprovação de uma série de decretos-lei que aprofundaram e alargaram o âmbito da privatização da água, rios e suas margens, dos portos e praias.
2013 – Lei 125/XII – Aprova os Estatutos da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, retirando às Autarquias a competência sobre os tarifários dos serviços públicos de águas e esgotos, que passariam a poder ser impostos pelo Governo, através da ERSAR, contra a vontade das Câmaras.
Como forçar as autarquias a privatizar a água
Os sucessivos governos tudo têm feito para forçar as autarquias a aderir a sistemas multimunicipais, criando obstáculos de todo o género ao investimento nos serviços autárquicos, impedindo o acesso das Câmaras aos fundos estruturais e europeus para financiamento de investimentos em abastecimento de água e saneamento em associações de municípios, chegando a utilizar a recusa de licenciamento de uso de águas.
A Lei 125/XII veio permitir ao Governo impor em todo o País tarifários para o nível já praticado por algumas empresas privadas (ou superior), para «engordar» os negócios da água, obrigando as autarquias que não privatizaram a impor aos munícipes a factura dos negócios alheios. Vista em conjunto com a Proposta de Lei 123/XII, entregue simultaneamente, permite ao Governo privatizar as concessões já detidas por empresas do Grupo Águas de Portugal, também à revelia das autarquias, demonstra claramente o objectivo de favorecer os monopólios privados dos serviços de águas, esgotos e lixos, à custa da espoliação das populações. A legislação vigente permite às câmaras privatizar os serviços e impor tarifários que agravam as assimetrias económicas e da pobreza. O objectivo destas leis é que o Governo possa «obrigar» as autarquias a fazê-lo.
O Governo PSD/CDS tenta resolver a questão da oposição de algumas autarquias, através da Lei 123/XII, que permitiria privatizar as concessões já detidas por empresas do Grupo Águas de Portugal, à revelia das autarquias. Tenta ainda garantir lucros aos privados com a aprovação dos estatutos da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), que permite impor em todo o País tarifários para o nível já praticado por algumas empresas privadas, obrigando as autarquias que não privatizaram a impor aos munícipes a factura dos negócios alheios. A táctica é ultrapassar a autonomia local e estreitar a margem de manobra dos municípios, pressionando-os a fundir e a verticalizar os sistemas e a alienar a distribuição «em baixa».
A pressão exercida pelos governos para que as autarquias aderissem a sistemas multimunicipais em detrimento de outros sistemas, como os intermunicipais, foi de modo a poder preparar o caminho para a privatização. Os sistemas intermunicipais têm óbvias vantagens para os municípios e desvantagens para quem quer privatizar. Desde logo porque, num sistema intermunicipal, quem detém o poder de decisão continuam a ser os municípios por deterem obrigatoriamente a maioria do capital, obviamente garantindo que o capital é sempre maioritariamente público. Sendo que a composição de capital é no mínimo de 51% detido pela Associação de Municípios criada para o efeito. São os municípios que mantêm o poder de decidir do alargamento do sistema e como é óbvio garantido o controlo democrático da gestão da água. Como é óbvio este tipo de sistemas, seguidos em muitas autarquias CDU, não servem os interesses dos grupos económicos e dos sucessivo governos.
Os poderosos interesses por trás da privatização
São muito e poderosos os interesses que se movem no «negócio da água». Algumas transnacionais estão em Portugal há muito anos. A Águas de Barcelona, ligada à Suez, Ondeo, Lyonnaise des Eux, formou a Lusagua em 1987 – que detém as Águas do Planalto (Carregal do Sal, Mortágua, Santa Comba Dão, Tábua e Tondela) desde 1996. A Compagnie Générale des Eaux (Vivendi ou Veolia) abriu a CGE Portugal em 1991.
Muitos dos processos mais tenebrosos de privatização da água, (e.g.Cochabamba/Bolívia) estão associados a intervenções do FMI, em nome das «regras de mercado», entregam negócio às transnacionais da água, privando as populações de água.
Ao contrário do que muitas vezes nos querem fazer crer, a água não é privada em todos os países da UE. Existem exemplos de países, como a Holanda, que vedaram a propriedade e gestão da água a privados. Também a Irlanda, a Noruega e Suécia mantêm a água na esfera pública, apesar de alguns destes países desenvolverem políticas conducentes à privatização da água em países em vias de desenvolvimento. Existem exemplos de cidades europeias, como Paris que, tendo privatizado a água, estão a remunicipalizar por degradação do sistema de abastecimento de águas detido pelos privados. Seguindo o caminho de Lisboa em 1974.
Convém lembrar que a Companhia de Águas de Lisboa, empresa privada com capital da Compagnie Générale des Eaux, foi remunicipalizada em 1974, por indecente e má figura, ou seja, por degradação do abastecimento de água na capital. Convém lembrar que, no início dos anos 1970, existiram surtos de cólera em Lisboa dado o atraso no que dizia respeito ao abastecimento de águas, às redes de esgoto e suas estações de tratamento. Situação que é um exemplo paradigmático das consequências da privatização deste sector que tem que ser conhecido e lembrado por todos.
Luta em defesa da água
No plano da luta de massas e da luta institucional, o PCP tem estado ao lado das populações e dos trabalhadores, defendendo que deve estar vedado o acesso de empresas privadas às actividades económicas de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos sólidos urbanos.
Hoje, 9 de Outubro, será votado, em Plenário da Assembleia da República, o Projecto de Lei para protecção dos direitos individuais e comuns à água, proposto por iniciativa legislativa de cidadãos. Mais de 40 mil cidadãos proponentes que, através desta iniciativa, expressam a vontade e defendem os direitos e interesses da larguíssima maioria dos portugueses.
O Projecto de Lei estabelece o direito fundamental à água e ao saneamento e disposições de protecção desse direito, bem como do direito à água e à sua propriedade pública como recurso, e à sua gestão no interesse colectivo, hierarquizando as utilizações da água e impedindo a privatização e a mercantilização dos serviços de águas, das infraestruturas públicas e do domínio público hídrico.
Esta iniciativa legislativa de cidadãos constitui uma afirmação dos direitos e dos interesses de toda a população, no cumprimento dos preceitos da Constituição da República Portuguesa e para garantir em Portugal a universalidade do direito humano à água e ao saneamento reconhecido pelas Nações Unidas, que Portugal subscreveu mas não verteu na legislação nacional nem pratica universalmente no território.
O PCP tem vindo a apelar a todos os portugueses para continuarem a luta em defesa da água pública. Na Assembleia da República tem vindo a apresentar o seu Projecto de Lei de Bases da água que assenta na responsabilização do Estado na administração da água. Só é possível assegurar a todos o acesso à fruição da água, com a responsabilização do Estado por garantir as funções sociais, ecológicas e económicas da água, com o reforço do papel das autarquias locais na sua gestão, condições para uma gestão democrática e participada dos recursos hídricos.