Democracia feita em casa

Zillah Branco

Num país em que o próprio governo cumpre ordens externas para destruir a produção, as

escolas, os centros de atendimento médico, os empregos existentes, o mercado de trabalho para os jovens recém formados, o futuro de esperanças criado pelo 25 de Abril, pensar em fazer maior número de filhos incentivados por uma esmola financeira é uma irresponsabilidade social e uma traição aos jovens pais que iniciam com alguma esperança ou ingenuidade a vida familiar.

No Portugal de agora, quando a «sopa dos pobres» oferecida como caridade é o único alimento de milhares de cidadãos, onde os hospitais registam o crescente número de parturientes desnutridas que não poderão alimentar os filhos em casa, onde as escolas são fechadas obrigando as crianças que restaram como sobreviventes do escoamento populacional a deslocarem-se a outras comunidades para estudar, onde a mão de obra emigra para trabalhar para outros povos, onde os hospitais deixam de funcionar por falta de pessoal médico, onde os polícias trabalham sem os recursos necessários para manter a ordem quando a miséria provoca legítimos desvarios, onde médicos e professores ou juízes e polícias fazem greve de protesto contra os desmandos de um governo que só faz cálculos financeiros para manter os bancos mal geridos, o povo precisa assumir a condução da vida social com a lógica da democracia.

Chega de tapar buracos criados por toupeiras. A democracia faz-se em casa, com a inteligência e o suor dos que vivem a realidade, e uma insignificante minoria vende a pátria para pagar incompetência administrativa e ambições egoístas.

Lembremos o profundo significado da Revolução dos Cravos que mudou a lógica do pensamento nacional que era a do domínio de um ditador que transformara as Forças Armadas em «carne para canhão» e os cidadãos portugueses em peões num jogo estratégico medíocre aliado ao nazismo e, depois, à exportação de mão-de-obra barata para enriquecer os países soberanos da Europa e os Estados Unidos. Era a lógica dos que vendem a pátria pensando apenas no lucro financeiro sem considerar o desenvolvimento nacional e do seu povo.

Quando o governo de Vasco Gonçalves determinou a nacionalização da banca, das principais empresas públicas e o início da Reforma Agrária, pensou na superação dos roubos e má gestão dos recursos praticados por uma elite egoísta e desumana para investir na dinâmica do pleno emprego, na formação profissional, na produção agrícola e industrial que retirariam Portugal do atraso e da miséria que só beneficiava os que o escravizavam. A troika e o FMI empurraram o Governo actual para trás e o desemprego, a emigração e a destruição de escolas, serviços públicos de saúde, atendimento judiciário, levaram o povo à desesperança que mata.

É hora de impor a lógica do desenvolvimento pela participação social. As autarquias democráticas, os sindicatos, as comissões de moradores e os milhares de democratas de várias tendências aí estão para organizarem as formas de resistência. Um exemplo: as escolas que têm poucas crianças devido ao despovoamento imposto pela miséria, deverão ser utilizadas em horários alternados para o ATL, ou cursos de alfabetização de adultos e formação profissional e não fechadas. A decisão cabe à autarquia local com o apoio da população. O sistema de ensino não será obstáculo a uma transformação que beneficia Portugal, se for é mais correcto alterar o sistema do que prejudicar a população.

O sistema judiciário também poderá evitar o fecho dos tribunais criando soluções com o apoio dos moradores. Ninguém destrói partes da sua moradia para poupar no custo da manutenção. Os que, por incompetência o fazem, devem mudar de casa. O Governo que defende esta lógica anti-social deverá mudar de país. Portugal é do seu povo que é capaz de fazer a democracia em casa.




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