A bola e a bolsa
Como se sabe, na passada semana dois assuntos dominaram a comunicação social em geral e a televisão em particular: o Mundial de Futebol e o caso BES/GES. Quanto ao Mundial, o resultado final já previsto por muitos confirmou-se no domingo com a vitória da Alemanha e as imagens da Merkel a bater palminhas. No que se refere ao BES, a procissão ainda andará pelo adro sem que sequer esteja assegurado que dele sairá em breve. Sabe-se, é certo, que o Banco de Portugal impôs a saída da família Espírito Santo da gestão directa do banco, talvez até também da influência indirecta que nestes casos pode ser mais decisiva que a ocupação formal de lugares e que é mais difícil de expurgar. Sabe-se também que para o lugar de topo no banco foi rapidamente nomeado um técnico que ao apelido prometedor, Bento, acrescenta a circunstância de ter o apreço e a confiança do senhor professor Cavaco. Ainda assim, porém, as acções do banco continuam caídas para uma espécie de subcave, mesmo à beirinha de constituírem lixeira, e até a chanceler alemã se permitiu a impertinência de invocar o caso de «um banco português» para justificar o que, feitas as contas e quanto ao essencial, é a política financeira que conduz ao domínio boche sobre toda a Europa. Se a criatura, isto é, a presada senhora, tivesse acesso bastante ao uso da imaginação, faculdade que não parece ser de uso corrente na sua terra, poderia talvez imaginar o que teria sido de muitos bancos alemães se nos anos difíceis que se seguiram à derrota de Hitler a Alemanha não tivesse beneficiado de um larguíssimo perdão da sua dívida externa, providência generosa mas porventura necessária que hoje recusa a países em dificuldades, sim, mas nunca incursos no crime de terem posto a Europa a ferro e fogo.
Os que nunca perdem
Voltemos, porém, à presença do escândalo GES/BES na televisão, para registar a preocupação dominante e aliás compreensível de prevenir o alarme público que poderia desencadear consequências catastróficas. Talvez a centragem de atenções no Mundial tenha ajudado a diluir eventuais ansiedades, talvez não, mas de qualquer modo o certo é que uma eventual corrida ao banco por parte da massa depositante teria sido terrível para muitos e por isso de todo indesejável. Dizem-nos que a gestão da família Espírito Santo foi péssima em diversos negócios que empreendeu, quase se acrescenta que aquilo não é gente em quem alguém se possa fiar, mas foi boa ao comando do seu banco: é singular que assim tenha sido, mas ainda bem que o foi. O que pouco ou nada tem sido referido é o efeito desastroso que a queda do valor das acções do BES tem vindo a ter sobre os pequenos accionistas, muitas vezes clientes do banco sob a forma de depositantes, que em dada altura decidiram comprar acções porventura com o objectivo de se compensarem pela factual inexistência de juros gerados pelos seus depósitos: esses eram, digamos assim, a arraia-miúda dos accionistas caracterizada por uma muito maior vulnerabilidade à arrasadora queda do valor das acções, e contudo quase ninguém se lembrou dela. Curiosamente, foi um antigo árbitro de futebol que na passada segunda-feira, no decurso de uma das habituais «revistas de imprensa» na TV, veio falar, talvez também em consequência de experiência própria, desses cidadãos que de boa-fé entregaram ao suposto abrigo da idoneidade e segurança do BES as suas economias de montante relativamente modesto mas resultantes de inteiras vidas de trabalho. A queda das cotações do banco reduziram-nas a muito pouco, talvez a quase nada, e agora é tarde para que esses accionistas de facto esbulhados recomecem a longa tarefa de amealhar. Quanto aos membros da ilustre família nem por um momento se espera que vejam reduzidos os seus padrões de vida. No futebol, diz-se que todos jogam com denodo e no fim ganha a Alemanha. Talvez quanto à vida financeira se possa dizer que todos agem com a sabedoria possível, mas no fim há alguns que nunca perdem.