Fragilização da economia portuguesa
e perda de competitividade

O aumento da dívida e a inutilidade dos sacrifícios

Eugénio Rosa

Um dos argumentos mais utilizados pela propaganda governamental e pelos comentadores habituais nos media é que o aumento das exportações, cujo ritmo está a diminuir de uma forma acentuada – recorde-se que, segundo o INE, no 1.º trimestre de 2014, relativamente ao trimestre homólogo de 2013, as exportações aumentaram apenas 1,7 por cento enquanto as importações cresceram seis por cento – se deve ao aumento da competitividade das empresas portuguesas e à alteração do perfil dos produtos exportados. Confrontemos estas afirmações com a realidade revelada pelas próprias estatísticas oficiais.

Falar de «milagre económico» como fez o ministro da Economia, ou de grandes «êxitos» como faz todo o Governo é tentar enganar os portugueses e manipular a opinião pública

O gráfico 1, publicado no Boletim Mensal de Economia Portuguesa de Março de 2014 dos ministérios da Economia e das Finanças revela, com clareza, as alterações verificadas no perfil das exportações e importações portuguesas no período 2007-2014.

Entre 2007-2013, o peso no total das exportações portuguesas dos produtos de intensidade tecnológica «Alta» diminuiu de 11,2 por cento para apenas 6,6 por cento e os de «Média-Alta» também registaram uma quebra pois o seu peso nas exportações baixou de 30,9 por cento para 29,8 por cento. O que aumentou foi o peso nas exportações dos produtos de intensidade tecnológica «Média-Baixa» (passou de 22 por cento para 28,2 por cento), pois o peso nas exportações dos produtos com «Baixa» intensidade tecnológica continuaram a ter um peso excessivo nas exportações (35,9 por cento em 2017 e 35,1 por cento em 2013) o que revela a sua fragilidade.

Em relação às importações, o que mais aumentou foram os produtos de «Baixa» intensidade tecnológica cujo peso nas importações totais subiu, entre 2007 e 2013, de 25,8 por cento para 30,2 por cento, tendo o peso dos restantes produtos («Média-Baixa», «Média-Alta» e «Alta» intensidade tecnológica) diminuído (todos eles) de peso nas importações totais do País, o que confirma a destruição do tecido produtivo consequência da política de austeridade recessiva, e também a crescente desindustrialização do País.

Falar nestas condições de «milagre económico» como fez o ministro da Economia, ou de grandes «êxitos» como faz todo o Governo e os seus defensores e os comentadores habituais nos media, é tentar enganar os portugueses e manipular a opinião pública, já que escondem a crescente fragilização do aumento das exportações que os últimos dados divulgados pelo INE sobre o comércio internacional já evidenciam.

Perda de competitividade devido ao euro

No 1.º trimestre de 2013 e 2014 as exportações portuguesas para a Zona Euro representaram ainda 61 por cento do total das exportações do País, e as importações variaram entre 68 por cento (2013) e 64 por cento (2014), o que significa que a economia portuguesa continua a estar excessivamente dependente desta Zona cujo crescimento tem sido extremamente reduzido, mesmo anémico na maioria dos países, após a criação do euro. O crescimento anémico da economia portuguesa na última década, seguida por uma recessão económica, de que o País ainda não se conseguiu libertar (os últimos dados do INE sobre o PIB parecem revelar que Portugal está entrar num «recuperação» débil em W, ou seja, alternando períodos de recuperação com períodos de quebra), por um lado, e, por outro lado, a incapacidade do País para romper a excessiva dependência em relação à Zona Euro, é também uma consequência de um euro excessivamente valorizado para o nível de desenvolvimento do País. O gráfico 2, publicado no Boletim Mensal da Economia Portuguesa de Abril de 2014 dos ministérios da Economia e das Finanças mostra, de uma forma clara, a perda de competitividade das exportações portuguesas devido à valorização excessiva do euro em relação ao dólar de Abril de 2012 a Abril de 2014.

Por ex., entre Julho de 2012 e Abril de 2014, a taxa de câmbio do euro face ao dólar aumentou de 1,22 para 1,39 como mostra o gráfico, o que significou um aumento de 14 por cento. Isto determinou que os preços das exportações portuguesas em dólares para os países fora da Zona Euro tenham subido, só por esta razão, em 14 por cento. E tenha-se presente que o euro desde que foi criado tem-se apreciado, sendo uma das moedas mais valorizadas, por influência de países como a Alemanha e a Holanda, não correspondendo ao nível de desenvolvimento do nosso País, funcionando como um instrumento de perda importante de competitividade e de afunilamento das nossas exportações. Mas disto nem o Governo nem os seus comentadores nos media falam.

Remuneração do trabalho
cai 10 por cento em três anos

O gráfico 3, publicado no Relatório do Banco de Portugal de 2013 – Parte II, mostra a variação das remunerações reais em Portugal no período 1995-2013.

E da mesma publicação do Banco de Portugal transcrevemos a seguinte passagem porque, além de insuspeita, é extremamente esclarecedora da inutilidade dos sacrifícios que estão a ser impostos aos portugueses: «Neste quadro de deterioração acentuada das condições no mercado de trabalho, as remunerações do trabalho caíram, em termos reais, cerca de 10 por cento entre 2010 e 2013. Esta evolução das remunerações do trabalho contribuiu em grande medida para a queda do rendimento disponível das famílias em 2011 e 2012. Em 2013, o maior contributo para a diminuição do rendimento disponível resultou do significativo aumento do IRS. Neste contexto, o rendimento disponível das famílias recuou em três anos para o nível observado em meados da década passada» (pág. 97, Parte II, Relatório do Banco de Portugal de 2013). Face a estas conclusões do próprio BdP, os comentários são inúteis.

Dívidas pública e ao exterior
continuam a aumentar

O quadro 1, com os últimos dados divulgados pelo Banco de Portugal no seu Boletim Estatístico de Maio-2014, mostra que, apesar de todos os sacrifícios impostos aos portugueses a dívida tanto pública como ao estrangeiro não param de aumentar.

Os dados do Banco de Portugal do quadro 1 mostram que a dívida tanto pública como do País ao exterior tem aumentado de uma forma contínua mesmo em 2014. Entre Dezembro de 2010 e Março de 2014, a dívida das Administrações Públicas aumentou de 185 844 milhões euros para 258 486 milhões euros (em percentagem do PIB, subiu de 107,5 por cento para 155 por cento); a dívida pública, na ótica de Maastritch (que não inclui a totalidade da dívida pública, mas é a considerada pela União Europeia) cresceu de 162 473 milhões euros para 220 684 milhões euros (em percentagem do PIB passou de 94 por cento para 132,4 por cento); e a dívida de Portugal ao estrangeiro (Ativo-Passivo) aumentou de 185 221 milhões euros para 205 158 milhões euros (em percentagem do PIB, subiu de 107,2 por cento para 121,4 por cento). Estes dados do Banco de Portugal confirmam o total fracasso da política de austeridade, já que o principal objetivo desta política – conter a subida da dívida – fracassou estrondosamente. Eis a herança da troika e do PSD/CDS.

Numa altura em que o debate sobre «manter-se no euro ou sair do euro» está a aumentar no espaço público, tanto em Portugal como em outros países, interessa referir uma situação grave que estes números encerram, mas que tem sido ignorada ou escondida.

Segundo o Boletim Estatístico de Maio de 2014 do Banco de Portugal, a dívida total das Administrações Públicas, das empresas públicas e das empresas privadas, e dos particulares, financiada pelo exterior atingia já 229 225 milhões euros (135,7 por cento do PIB), não incluindo as das instituições financeiras cuja dívida ao exterior atingia, em Março de 2014, os 90 242,7 milhões euros (53,4 por cento do PIB). Daquele total (229 225 milhões euros), 150 000 milhões euros (88,8 por cento do PIB) eram dívida pública; 15 737 milhões euros (9,3 por cento do PIB por cento) eram de empresas públicas; e 62 932 milhões euros (37,2 por cento do PIB) eram dívida ao exterior de empresas privadas. É previsível que a quase totalidade desta dívida, no caso de Portugal sair euro, não possa ser redenominada em escudos porque está sob a alçada de tribunais estrangeiros. Portanto, se não se obtiver o acordo dos credores para a reduzir qualquer desvalorização determina um aumento, em escudos, de igual proporção desta dívida. A alternativa seria o corte unilateral da dívida, mas isso determinaria represálias que não podem ser ignoradas. A armadilha da dívida externa é um garrote que o País teria de enfrentar e que não tem fácil solução. Mas vamos deixar a análise do custo-benefício da manutenção ou saída do euro, que a nosso ver, ainda não foi feita, para outros estudos.