Governo fora-da-lei
A decisão do Tribunal Constitucional de declarar inconstitucionais algumas medidas do Orçamento do Estado fez subir de tom o ataque do Governo a este órgão de soberania.
O PCP rejeita pressões e chantagens sobre o TC
Numa conferência de imprensa realizada anteontem na Assembleia da República, João Oliveira, da Comissão Política, começou por lembrar que todos os três orçamentos do Estado apresentados por este Governo tiveram medidas declaradas inconstitucionais. Somando-as a outras seis propostas legislativas travadas pelo Tribunal Constitucional, fica claro que o Executivo PSD/CDS governa à margem da lei e da Constituição da República Portuguesa, o que, em si mesmo, contraria o regular funcionamento das instituições, acrescentou o presidente do grupo parlamentar do PCP.
João Oliveira anunciou ainda que o PCP se oporá ao pedido do Governo para que a Assembleia da República solicite ao Tribunal Constitucional uma «clarificação técnica» do acórdão emitido na passada sexta-feira. Para o dirigente do Partido, o acórdão não levanta quaisquer dúvidas, a menos que o Governo se esteja a preparar para não o cumprir. Este pedido, acrescentou, insere-se na estratégia de «confronto, ameaça e afronta» ao Tribunal Constitucional que há muito está a ser aplicada. Uma estratégia que, visando este órgão de soberania, aponta sobretudo ao regime democrático e à Constituição. João Oliveira rejeita igualmente que se procure enredar a Assembleia da República nesta estratégia.
Por mais que o Governo procure fazer passar o contrário, as responsabilidades pelos sucessivos chumbos do TC devem-se apenas e só às suas opções políticas, ofensivas do espírito e da letra da Lei Fundamental do País. Se o Governo devolvesse salários, reformas e outros rendimentos e levasse a cabo a renegociação da dívida, das PPP ou dos contratos «swap» não haveria qualquer problema constitucional.
Ataque à soberania
A decisão do Tribunal Constitucional motivou também os ataques de dois responsáveis pela Comissão Europeia, nomeadamente o seu presidente, Durão Barroso, o que motivou o pronto protesto dos deputados do PCP. Numa nota tornada pública no dia 3, os eleitos comunistas consideram as declarações proferidas uma «inadmissível e inqualificável ingerência nas questões internas de um Estado soberano, um grosseiro acto de desrespeito por um órgão de soberania nacional» e, sobretudo, um «inaceitável ataque contra Constituição da República Portuguesa e o regime democrático nela consagrado».
As pressões agora exercidas pela Comissão, constatam os deputados comunistas, são «exactamente aquelas que estão plasmadas nas imposições constantes da sua Proposta de recomendação no âmbito do Semestre Europeu». Estas, referindo-se à decisão recente do TC, recomenda a Portugal que «substitua as medidas de consolidação consideradas inconstitucionais pelo TC por medidas de dimensão e qualidade análogas, o mais rapidamente possível».
Quer o conteúdo das recomendações da Comissão no âmbito do Semestre Europeu quer o teor, objectivo e tom das declarações dos seus responsáveis – nomeadamente a de que é «frustrante termos de falar três vezes ao ano nos chumbos do Tribunal Constitucional» – comprovam aquilo que o PCP há muito vem afirmando: «não existe nenhuma “saída limpa” para Portugal no âmbito dos constrangimentos decorrentes do Tratado Orçamental, da Governação Económica e do Semestre Europeu.»
Contrastando com o «silêncio cúmplice» do Governo perante estas pressões, os deputados do PCP garantem que «usarão de todos os meios ao seu dispor para questionar e protestar junto dos órgãos competentes da União Europeia por mais este inaceitável ataque à soberania nacional».