Há 40 anos, em Lisboa

Álvaro Cunhal no 1.º de Maio de 1974

O 1.º de Maio de 1974 em Lisboa, fez agora 40 anos, foi uma imponente consagração popular do 25 de Abril. Respondendo ao apelo da Intersindical, criada em 1970, o povo celebrou nas ruas o fim da ditadura fascista, o fim de quase meio século de terror, miséria e obscurantismo. Nesse dia todos os caminhos da capital confluíram para a Alameda D. Afonso Henriques – ponto marcado para a concentração – de onde um mar de gente a perder de vista rumou para o então Estádio da FNAT (Fundação Nacional para Alegria no Trabalho, criada pelo fascismo), rebaptizado depois, como não podia deixar de ser, Estádio 1.º de Maio.
A celebração do Dia Internacional do Trabalhador, proibida durante 48 anos pelo fascismo mas sempre feita em jornadas de luta pelos trabalhadores, ocorria pela primeira vez em liberdade, consagrando o 1.º de Maio como feriado nacional.
O discurso de encerramento do comício desse dia histórico, que a seguir se reproduz, esteve a cargo do Secretário-geral do PCP, Álvaro Cunhal.


Velhos preconceitos anticomunistas, que pretendam ainda conduzir a uma participação condicionada do PCP na vida política e nas responsabilidades que lhe correspondem pelo apoio popular com que conta, não facilitarão decerto a realização das tarefas de con

Esta imensa manifestação, pela possibilidade da sua realização e por si mesma, é a afirmação irrefutável de que a classe operária, o povo trabalhador, todos os democratas, os militares, a nação portuguesa inteira, estão firmemente decididos a levar até ao cabo a liquidação do fascismo e dos seus restos, a consolidar e alargar as liberdades, em pôr fim à guerra, em instaurar em Portugal um regime democrático.

São estes os objectivos fundamentais da hora presente. Eles podem e devem ser alcançados. Se o quisermos, sê-lo-ão!

O nosso povo tem toda a razão quando grita vitória!

Trata-se de facto duma vitória histórica.

A democratização da vida nacional deu passos velozes nos seis dias decorridos desde o dia 25 de Abril.

Proponho, camaradas e amigos, que aqui, todos, numa só voz, que estou certo será hoje a voz de ponta a ponta de Portugal, a voz dos trabalhadores, a voz de todo o nosso povo — saudemos o Movimento das Forças Armadas e lhe asseguremos:

Vós estais (e confiamos em que estareis sempre) com o povo!

O povo está e estará convosco!

Aprovamos firmemente as medidas tomadas pela Junta de Salvação Nacional para liquidar o fascismo e instaurar a liberdade. Asseguramos à Junta de Salvação Nacional que, em todas as medidas que continue a tomar com os mesmos objectivos, continuará a ter o nosso activo apoio.

Nestes dias deram-se passos gigantescos no sentido da democratização da vida nacional.

Mas o perigo da reacção fascista, o perigo da contra-revolução, existe.

Apesar de que ninguém mais do que nós, os comunistas, sofreu a repressão fascista, muitos com o sangue, a liberdade e a vida, não nos anima o espírito de vingança. Mas deve assegurar-se com as medidas necessárias que os fascistas não voltem ao poder.

Daqui fazemos um apelo para o reforço da vigilância das massas populares em cooperação com as forças armadas, vigilância em relação à actividade, às conspirações e às provocações daqueles que procuram na sombra reconduzir a nossa Pátria à tirania e ao terror fascistas.

Dentro em breve será constituído um governo provisório.

Para assegurar a democratização da vida nacional; para abrir caminho à paz; para resolver os problemas mais prementes da vida económica e social; para realizar eleições livres devem, a nosso ver, participar no Governo Provisório todos os partidos e sectores democráticos representativos.

Com tais objectivos, o Partido Comunista Português está pronto a assumir as suas responsabilidades.

Velhos preconceitos anticomunistas, que pretendam ainda conduzir a uma participação condicionada do PCP na vida política e nas responsabilidades que lhe correspondem pelo apoio popular com que conta, não facilitarão decerto a realização das tarefas de construção de uma sociedade democrática em Portugal.

Para assegurar a vitória definitiva, insistimos em duas condições essenciais e imediatas.

A primeira condição essencial é a unidade e a rápida ampliação e reforço de organização da classe operária, das massas populares, das forças democráticas.

É particularmente significativo do papel da classe operária que seja hoje, neste desfile do 1.o de Maio, jornada internacional dos trabalhadores, que o nosso povo dê uma tão grandiosa afirmação de unidade.

Estamos certos de que esta unidade se reforçará na acção, na luta, nas iniciativas das massas populares.

Unidade dos trabalhadores. Unidade do povo. Unidade de comunistas, socialistas, católicos, liberais (a frente unitária que vem do tempo da ditadura), unidade de todos sem excepção que, nesta hora decisiva para o futuro de Portugal, querem lutar para consolidar os resultados históricos alcançados com o movimento de 25 de Abril e nos seis dias desde então decorridos.

A classe operária, as massas populares, são uma força imensa, mas precisam de estar organizadas.

É necessário, indispensável, decisivo, organizar (e organizar rapidamente) essa força imensa das massas populares.

O Partido Comunista Português saúda os novos e grandes passos dados em poucos dias pelo movimento sindical, que é já um grande e poderoso movimento dos trabalhadores, livre e independente.

Saudamos o movimento democrático, grande força organizada de carácter unitário, e o seu veloz desenvolvimento, movimento cujas estruturas actuais são indispensáveis ainda para assegurar o progresso da democratização da vida nacional.

É necessário acelerar velozmente a organização do nosso povo.

Que em toda a parte se desenvolvam as organizações democráticas. Que por toda a parte se abram sedes e postos de reunião.

Em nome do PCP, a todos vós camaradas, amigos e companheiros, daqui faço um apelo para que vos organizeis – para que vos organizeis rapidamente e em massa – no movimento democrático e nos partidos políticos.

A segunda condição do êxito, essencial para assegurar a vitória definitiva, é a aliança do povo com as forças armadas.

Devemos fazer tudo, queridos camaradas e amigos, devemos fazer tudo para se reforce cada dia e se torne irreversível a aliança, a cooperação, a solidariedade recíproca entre as massas populares e as forças armadas.

O fascismo procurou cavar o divórcio e uma barreira de ódio entre o povo e os militares. Que se estreite a fraternidade entre as massas trabalhadoras e os oficiais do Movimento das Forças Armadas, entre as massas trabalhadoras e os soldados e marinheiros.

Fazemos votos para que, no próximo ano, no 1.o de Maio, já num regime democrático, já acabada a guerra, tenha lugar, não só uma grande manifestação dos trabalhadores e de todo o nosso povo, mas também (se assim o desejarem e decidirem os seus dirigentes) uma parada das forças armadas leais aos objectivos democráticos do movimento revolucionário de 25 de Abril.

Viva a unidade da classe operária e de todo o povo português!

Viva a unidade de todos os democratas!

Viva a aliança das massas populares e das forças armadas!

Fim da guerra!

Eleições livres!

Instauração de um regime democrático escolhido pelo próprio povo!

 



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