De olhos postos na América do Sul

Jorge Messias

«O modelo globalizante neoliberal adoptado no Brasil a partir de 1990, apoiou-se numa ampla aliança mundial traduzida, internamente, pela convergência entre elites urbanas, rurais e o grande capital, que permitiu operar importantes mudanças estruturais da propriedade e do poder político. O resultado foi arrastar o país para uma situação de total dependência externa, criando a ilusão de um suposto desenvolvimento nacional… (Paulo Henrique Costa Matos, Presidente do Partido Socialismo e Solidariedade, Brasil, 2008).

«A produção de transgénicos é um dos principais componentes da especulação financeira com os alimentos… Os transgénicos (sementes quimicamente modificadas) agravam a crise alimentar… Os efeitos para a saúde humana são muito graves, pois que as mudanças orgânicas que provocam têm efeitos imprevisíveis… Os transgénicos são um produto das políticas imperialistas que visam manter sob o controlo de um punhado de especuladores as sementes, os agrotóxicos, os fertilizantes e toda a cadeia produtiva alimentar...» (A disparidade da especulação com os alimentos, “Diário da Liberdade”, Abril de 2012).

«A Academia de Ciências do Vaticano apoiou, oficialmente, o uso dos transgénicos agroalimentares. No relatório que acaba de publicar, afirma-se que um bilião de pessoas sofre, em todo o mundo, de desnutrição, e que este número se arrisca a aumentar, até 2050, até 2,5 biliões de famintos. Os transgénicos (segundo o Vaticano) são tecnologias que mantêm e salvam as vidas» (National Catholic Reporter, Maio de 2009).

Todo o cobiçoso plano de globalização capitalista se apoia nas práticas da especulação financeira. Enquanto uma fonte produzir lucros para os poderes instalados, a exploração dos rendimentos é feita a ritmo acelerado. Quando a fonte secar, os monopólios passam a outras nascentes e o que fica para trás é um deserto. O neoliberalismo é apenas isto: dinheiro que faz dinheiro. O resto é conversa...

É neste enquadramento que o agronegócio alimentar deve ser entendido. Se os mais pobres e os mais fracos ainda tiverem rendimentos, primeiro que tudo é preciso sugá-los. Porque, onde há fome e desemprego, há mão de obra potencial e quase gratuita; e onde a natureza é rica mas as populações vivem na miséria, o terreno é propício ao estabelecimento de novos e valiosos mercados exportadores.

Acrescente-se que a situação real do capitalismo, no seu todo, não é famosa. Vai de «bolha» em «bolha». Se o imobiliário rendeu até certo ponto, ao que parece deu o que tinha a dar. Os bancos rebentam «pelas costuras» com dinheiro mas são um verdadeiro quebra-cabeças. Quanto mais dinheiro têm maior é o fosso entre ricos e pobres. Os governos agiotas esmagam trabalhadores e reformados. Mas essa fonte também está a secar.

Assim, à medida que o tempo passa, a base de apoio dos neoliberais não aumenta. São sempre os mesmos: os multimilionários monopolistas, os saudosos neonazis, a massa miúda dos illuminati e o petrificado Vaticano que tudo tenta para fingir que rejuvenesceu. Quanto ao resto, pobres, famintos e desiludidos, são cada vez mais.

Entretanto, o agronegócio poderá vir a revelar-se uma tábua de salvação do grande capital. Reúne todas as condições para essa grande aventura, desde as mais poderosas centrais financeiras aos discretos offshores de Vaticano, às super-estruturas capitalistas, às sociedades secretas e aos exércitos privados que decidem a paz ou a guerra, passando pelas gigantescas empresas petrolíferas, químicas e de armamentos, pelas redes de hipermercados que vendem e distribuem a comida ou pelos governos serviçais que liberalizam os preços.

Nota-se nesta área uma grande agitação. Da América Latina, o agronegócio é exportado para a Europa e para África. FMI e Banco Europeu tomam arriscadas iniciativas políticas. No Ensino, colégios e faculdades multiplicam os novos cursos de formação de quadros do agronegócio. A ministra da agricultura portuguesa vai ao Brasil promover entendimentos. A piedosa Dilma visita de surpresa o Vaticano. Os milionários, americanos e chineses, compram a preços de saldo as searas ucranianas, as pescas de Cabo Verde ou os gados argentinos. O Vaticano (cardeal Turkson) interessa-se, sobretudo, pelos transgénicos, pela distribuição comercial agroalimentar e pela chamada Revolução Verde africana e latino-americana. Em Portugal, aumenta no governo o peso do Opus Dei e o solidário e católico Pingo Doce investe milhões, com o País à beira da banca-rota, em urgentes redes de distribuição do agro-alimentar.

Não há fogo sem fumo e, num país a arder, devemos ser bombeiros!




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