Objectivo: a reconfiguração da Instituição
É comum ouvir dizer do Governo que não sabe o que faz. Tal afirmação é particularmente repetida no que ao ministro da Defesa diz respeito, somando-se outras caracterizações e adjectivações. Quem assim aprecia a situação, pensando estar numa atitude crítica, está no fundo não só a desculpabilizar como revela não ter a percepção das consequências das medidas que estão em desenvolvimento.
Não haja dúvidas: o Governo e o MDN sabem o que estão fazer, têm objectivos definidos e sabem as consequências das suas decisões.
O conjunto de medidas adoptadas no que respeita à saúde militar, que tiveram início com o governo do PS e a decisão de fundir as ADM em nome da racionalização, embora nalguns aspectos pareçam desconexas e contraditórias, prosseguem o objectivo de afastar os militares e as suas famílias do acesso à saúde, nomeadamente as gerações mais velhas. O «caminho das pedras» que hoje tem de ser efectuado para obter uma consulta ou fazer um exame, conduz muitos à desistência de seguir por essa via. Se a isto se somar a desarticulação administrativa (processos de doentes que não são do conhecimento dos novos médicos que fazem o atendimento), consultas de várias especialidades que têm locais dispersos de efectivação, crescem os factores repelentes para recurso ao acesso. Como alguém dizia, poupem-me, já basta o que basta.
A opção do Governo de promover esta dita reforma a «golpes de machada», não é pois um problema de inabilidade. É antes uma consciente opção! Além do mais, foram vários os alertas feitos e preocupações manifestadas.
Mas o caminho no que respeita aos apoios sociais segue o mesmo critério. Bem ilustrativo disto é o custo pedido hoje a um militar para ter acesso a um quarto no Lar Militar. Hoje há oficiais generais comprovadamente sem possibilidades de o pagar. Tal resulta, conjugadamente, dos custos pedidos e dos cortes efectuados nas pensões, conduzindo a um rendimento disponível que nalguns casos dá saldo negativo.
Questões de pessoal
No que respeita às chamadas questões de pessoal, prossegue o caminho da redução de efectivos sem contudo ter sido revisto o dispositivo (sabe-se somente que existe uma ideia geral de corte, com disponibilização de património a alienar) e as missões. Há, portanto, a fixação de um objectivo de redução sem qualquer aparente nexo de ligação com as forças armadas pretendidas. Para o cumprimento deste objectivo numérico, vale mesmo considerar como militares cidadãos que, em boa verdade, ainda o não são, como sejam os que estão em situação de recruta ou em formação. Contudo, mantém-se da parte do Governo a afirmação quanto ao envolvimento em missões externas e a referência a que tudo tem tido o acordo dos Chefes Militares e, da parte dos Chefes Militares, a afirmação de que as Forças Armadas continuarão a cumprir as suas missões. Dir-se-á que ou o Governo não está a dizer a verdade ou os Chefes estão com um problema de comunicação.
Já quanto ao reequipamento o Governo anulou, renegociou e suspendeu programas constantes da Lei de Programação Militar, mantendo contudo a Lei. Isto é, em vez de ir junto da Assembleia da República, que foi quem aprovou a Lei, expor o seu pensamento quanto aos programas de reequipamento e consequentes propostas, debater e desenvolver o processo, optou pelo método discricionário, sendo que ainda falta apurar convenientemente o estado das contrapartidas de alguns dos negócios feitos ou apalavrados mas não concretizados ou só parcialmente efectuados.
Vale também para a poupança não promover, e consequentemente não pagar, aos militares que a esse direito acedem em momento próprio, sejam ou não do quadro permanente, andem ou não em formação.
De premeio com tudo isto, desenvolve-se o processo, por enquanto oculto, de revisão do Estatuto dos Militares, as consequências dos novos cortes previstos no Orçamento do Estado para 2014, as vergonhosas andanças que marcaram a escolha do novo Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA), a insistência no envolvimento e atrelamento das Forças Armadas às dinâmicas supranacionais (NATO e União Europeia) da partilha de meios, apesar das críticas e alertas efectuados em diversos espaços de debate quanto às consequências de tal caminho para a garantia das capacidades nacionais e os episódios pretendendo o envolvimento de militares em missões que não são da sua alçada.
Esta breve síntese, ilustrando o quadro hoje vivido na Instituição Militar, permite também perceber um fio condutor tendo por objectivo a reconfiguração dessa mesma Instituição. Aliás, o mesmo fio que pode ser constatado noutras esferas do Estado – Justiça, Administração Interna, Diplomacia. Trata-se de um processo que tem muitos anos, marcado por avanços e recuos, por contradições, mas que sucessivos governos do PS, PSD e CDS têm denodadamente prosseguido, cumprindo, cada um à vez, o seu papel.