25 de Novembro

A verdade dos factos (2)

Na me­dida em que avan­çava a pre­pa­ração do golpe mi­litar contra-re­vo­lu­ci­o­nário, travou-se acesa luta po­lí­tica em torno dos tra­ba­lhos e das fun­ções da As­sem­bleia Cons­ti­tuinte.
So­ares pre­tendia (tal como Freitas do Amaral) que a As­sem­bleia Cons­ti­tuinte, sem aprovar a Cons­ti­tuição, se trans­for­masse de ime­diato num órgão do poder para fazer leis ge­rais e es­co­lher novo go­verno. Pre­tendia no ime­diato, tendo Mário So­ares como Pri­meiro-Mi­nistro, formar go­verno em subs­ti­tuição do VI Go­verno Pro­vi­sório.

Co­nhe­cendo as po­si­ções dos vá­rios par­tidos re­la­tivas às suas rei­vin­di­ca­ções, os tra­ba­lha­dores aplau­diram os de­pu­tados do PCP e al­guns ou­tros, que saíram cal­ma­mente do edi­fício e se­guiram os seus des­tinos

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Jorge Mi­randa a pe­dido do PS e do PPD (se­gundo tes­te­munho de Freitas do Amaral a pp. 531-532 do seu livro já ci­tado) chegou a re­digir um pro­jecto de lei cons­ti­tu­ci­onal se­gundo o qual a «As­sem­bleia Cons­ti­tuinte as­sume a ple­ni­tude dos po­deres le­gis­la­tivos e de fis­ca­li­zação do Poder Exe­cu­tivo em Por­tugal» (art. 1.º). Com­pre­ende-se assim me­lhor que, nas suas me­mó­rias, Mário So­ares chame «Par­la­mento» à As­sem­bleia Cons­ti­tuinte (Maria João Avillez, So­ares. Di­ta­dura e Re­vo­lução, ed. cit., p. 483). Pre­tendia ainda, como os acon­te­ci­mentos pouco de­pois com­pro­varam, im­pedir a apro­vação da nova Cons­ti­tuição.
Na pre­pa­ração do golpe contra-re­vo­lu­ci­o­nário, que veio a re­a­lizar-se em 25 de No­vembro, e no quadro desses ob­jec­tivos, chegou a ser exa­mi­nada a pos­si­bi­li­dade de trans­fe­rência para o Porto dos chefes da cons­pi­ração, de uni­dades mi­li­tares com­pro­me­tidas e da As­sem­bleia Cons­ti­tuinte, para de­pois, a partir do Norte, de­sen­ca­dear a guerra civil e es­magar mi­li­tar­mente o Sul, o que cha­maram a «Co­muna de Lisboa».
O co­nhe­ci­mento da exis­tência desse plano é ne­ces­sário para com­pre­ender a con­duta de Mário So­ares no cha­mado «cerco a S. Bento», assim cha­mado pela contra-re­vo­lução.
Foi o caso de, em tão po­lé­mica si­tu­ação, no dia 12 de No­vembro, os tra­ba­lha­dores terem re­a­li­zado uma con­cen­tração em frente da As­sem­bleia Cons­ti­tuinte com ob­jec­tivos de ca­rácter rei­vin­di­ca­tivo la­boral.
Co­nhe­cendo as po­si­ções dos vá­rios par­tidos re­la­tivas às suas rei­vin­di­ca­ções, os tra­ba­lha­dores aplau­diram os de­pu­tados do PCP e al­guns ou­tros, que saíram cal­ma­mente do edi­fício e se­guiram os seus des­tinos.
Mário So­ares conta à sua ma­neira os acon­te­ci­mentos:
«Vi­eram dizer-me que havia uma im­por­tante ma­ni­fes­tação de ope­rá­rios da cons­trução civil em frente ao Pa­lácio. Fui a uma ja­nela e aper­cebi-me de que uma ver­da­deira mi­lícia pa­ra­mi­litar [?!!!], que en­qua­drava [?!!!] os ma­ni­fes­tantes, se pre­pa­rava [?!] para ocupar certas po­si­ções chave perto das saídas» (?!) (Mário So­ares, Por­tugal: Que Re­vo­lução?, ed. cit., p. 187).
Segue-se a des­crição da «fuga», que vale a pena ler como tes­te­munho de uma ope­ração te­a­tral, es­pec­ta­cular e ro­cam­bo­lesca. Cor­re­dores fora no edi­fício, «co­meçou a correr» com seus amigos, atra­vessou em cor­reria os jar­dins de S. Bento até lá cima à re­si­dência do Pri­meiro-Mi­nistro e saiu pelas tra­seiras... (Maria João Avillez, So­ares. Di­ta­dura e Re­vo­lução, ed. cit., p. 483). O pró­prio So­ares conta este epi­sódio com um co­lo­rido que faz in­veja aos me­lhores fic­ci­o­nistas. Leia com gosto, se tiver oca­sião.
A his­tória do «cerco de S. Bento», como ameaça co­mu­nista de as­salto à As­sem­bleia Cons­ti­tuinte com tais «mi­lí­cias pa­ra­mi­li­tares», correu mundo, es­pa­lhada pela contra-re­vo­lução, tal como ti­nham sido os casos Re­pú­blica e do Pa­tri­ar­cado.
A ameaça co­mu­nista e a «fuga» a que So­ares fora for­çado para es­capar ao pe­rigo «pro­vavam» que a As­sem­bleia Cons­ti­tuinte não tinha con­di­ções para con­ti­nuar em Lisboa.
Se­gundo o por­me­no­ri­zado plano de ir para o Norte, era im­pe­ra­tivo des­locar a As­sem­bleia para o Porto, para, a partir do Norte, lançar-se à con­quista da «Co­muna de Lisboa». É es­cla­re­cedor que, no dia 20 de No­vembro, PS, PPD e CDS aprovam na As­sem­bleia Cons­ti­tuinte a pos­si­bi­li­dade de a As­sem­bleia reunir «em qual­quer mo­mento e em qual­quer lugar» (Diário da As­sem­bleia Cons­ti­tuinte, p. 2779).
Para o Porto não foi a As­sem­bleia mas, como ve­remos, foi Mário So­ares, pen­sando poder re­a­lizar o te­ne­broso plano, que fora re­jei­tado.
Quanto à ma­ni­fes­tação dos tra­ba­lha­dores, «a ordem repôs-se» com «ce­dên­cias do Pri­meiro-Mi­nistro a al­gumas das rei­vin­di­ca­ções sa­la­riais», se­gundo acabou por con­firmar o pró­prio So­ares (Maria João Avillez, So­ares. Di­ta­dura e Re­vo­lução, ed. cit., p. 483). Para quê ter aba­lado em tal cor­reria e saído pelas tra­seiras?

O «contra-golpe» fa­lhado

A ida, no pró­prio dia 25 de No­vembro, de So­ares para o Porto com os seus amigos, cons­ti­tuiu um epi­sódio que es­cla­rece e evi­dencia al­guns dos mais sé­rios pe­rigos de um plano muito di­fe­rente do que veio a ser o golpe do 25 de No­vembro e os seus re­sul­tados.
Nesse dia, par­tindo para o Porto, So­ares ia cer­ta­mente es­pe­ran­çado e de­ci­dido a que o golpe contra-re­vo­lu­ci­o­nário vi­to­rioso seria um con­fronto mi­litar vi­o­lento, que ti­vesse como re­sul­tado a ile­ga­li­zação e re­pressão vi­o­lenta do PCP, do mo­vi­mento ope­rário e da es­querda mi­litar e a não apro­vação da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica já ela­bo­rada pela As­sem­bleia Cons­ti­tuinte.
Um tal plano foi des­ven­dado vinte anos mais tarde pelas ex­tra­or­di­ná­rias re­ve­la­ções de Vasco Lou­renço que, nas vés­peras do 25 de No­vembro, subs­ti­tuiu Otelo no Co­mando da Re­gião Mi­litar de Lisboa e acom­pa­nhou de perto, em li­gação com Eanes, a pre­pa­ração final e a re­a­li­zação do golpe.
Vasco Lou­renço re­vela que, já de­pois da for­mação do Grupo dos Nove e da pu­bli­cação do seu do­cu­mento, foi le­van­tada e es­teve quase em vias de ser apro­vada a hi­pó­tese (à qual Vasco Lou­renço diz ter-se oposto «firme e de­li­be­ra­da­mente», porque seria «pro­vocar a guerra civil») da «re­ti­rada para o Norte, com as forças que nos apoi­avam (Co­mandos da Ama­dora, Ar­ti­lharia de Cas­cais, In­fan­taria de Mafra e Ca­va­laria de San­tarém), per­mi­tindo, ou pro­vo­cando, [!] que se cri­asse a Co­muna de Lisboa, que de­pois se pro­cu­raria re­con­quistar» (ar­tigo in Re­vista His­tória, nº 14, No­vembro de 1995, p. 35). Seria também de con­si­derar «passar a reunir no Porto» a As­sem­bleia Cons­ti­tuinte (ibid.), ideia esta que Mário So­ares su­gere, in­ven­tando e lan­çando a ca­bala do «cerco a S. Bento» pelos co­mu­nistas. Sendo im­pos­sível à As­sem­bleia fun­ci­onar como Cons­ti­tuinte em tais con­di­ções, com a ida para o Porto tornar-se-ia um Par­la­mento, faria leis e es­co­lheria o go­verno, como consta do pro­jecto de lei cons­ti­tu­ci­onal de Jorge Mi­randa atrás re­fe­rido.
Re­ve­la­dora também da na­tu­reza e exe­cução do mesmo plano a pouco co­nhe­cida trans­fe­rência para o Norte do ouro do Banco de Por­tugal, em «ope­ração de­vi­da­mente con­cer­tada com o sin­di­cato dos ban­cá­rios, na al­tura de ori­en­tação con­junta so­ci­a­lista e MRPP» (Vida Mun­dial, De­zembro de 1998).
Os factos mos­tram que, ao ir para o Porto no dia 25, ainda So­ares so­nhava com a «hi­pó­tese» de guerra civil contra a «Co­muna da Lisboa» des­ven­dada anos mais tarde por Vasco Lou­renço.
Também Melo An­tunes in­forma «a sua von­tade de evitar a des­lo­cação do poder para o Norte, com a in­tenção de daí se partir à con­quista da “co­muna de Lisboa”» (Vida Mun­dial, De­zembro de 1998, p. 50).
As re­ve­la­ções de Vasco Lou­renço e de Melo An­tunes são ainda mais es­cla­re­ce­doras, se lhes acres­cen­tarmos ou­tras con­fis­sões, igual­mente sen­sa­ci­o­nais, feitas pelo pró­prio So­ares a Maria João Avillez: «Talvez uma se­mana antes do 25 de No­vembro, o então Pri­meiro-Mi­nistro [da Grã-Bre­tanha] James Cal­laghan en­viara-me um ofi­cial do In­tel­li­gence Ser­vice que eu, através de Jorge Cam­pinos, apre­sentei aos mi­li­tares ope­ra­ci­o­nais [é pena não dizer quais] que, en­tre­tanto, ti­nham co­me­çado a gizar o seu plano mi­litar – con­forme Cal­laghan conta nas suas Me­mó­rias.»
«A con­sumar-se a di­visão entre o Norte e o Sul do país [in­forma So­ares], o Reino Unido não só nos apoi­aria po­li­ti­ca­mente, como co­la­bo­raria ainda com Por­tugal através de apoios con­cretos. Pro­me­teram-nos fazer chegar ra­pi­da­mente ao Porto com­bus­tível para os aviões e também ar­ma­mento.» (Maria João Avillez, So­ares. Di­ta­dura e Re­vo­lução, ed. cit., p. 491.)
Isto é: Uma se­mana antes do 25 de No­vembro já So­ares es­tava a com­binar com os in­gleses a ida para o Norte, o for­ne­ci­mento de ga­so­lina para os aviões e de ar­ma­mento.
E não só. Conta Rui Ma­teus re­fe­rindo os apoios fi­nan­ceiros dos in­gleses: que «a en­trega mais [...] vo­lu­mosa, seria a 24 de No­vembro, nas vés­peras da par­tida de Mário So­ares para o Porto. [...] As ins­tru­ções que Mário So­ares me tinha dado eram no sen­tido de eu me di­rigir com o “pa­cote” a sua casa, pois o seu con­teúdo era ne­ces­sário para esta se­gunda vi­agem para a ca­pital do Norte. Di­rigi-me então [...] à sua casa no Campo Grande.» (Contos Proi­bidos. Me­mó­rias de Um PS Des­co­nhe­cido, Pu­bli­ca­ções Dom Qui­xote, Lisboa, 1996, p. 89.)
Acom­pa­nhemos o de­sen­rolar dos acon­te­ci­mentos mi­li­tares. No dia 25 de No­vembro, pi­lotos e aviões são le­vados de Tancos para Monte Real e Cor­te­gaça, os pára-que­distas aban­do­nados pelos ofi­ciais saem de Tancos e ocupam o Es­tado-Maior da Força Aérea em Mon­santo. Está tudo pre­pa­rado para de­sen­ca­dear em Lisboa as ope­ra­ções do golpe contra-re­vo­lu­ci­o­nário há muito pre­pa­rado e de­fi­nido no «Plano das Ope­ra­ções». So­ares vai à sede do PS, aí «tro­cando in­for­ma­ções com os seus ca­ma­radas e re­co­lhendo dos mi­li­tares as pre­ci­sões pos­sí­veis». Vai de­pois ao Pa­lácio de Belém, onde «se mon­tara um posto de in­for­ma­ções che­fiado pelo te­nente-co­ronel Fer­reira da Cunha», o mesmo que no 11 de Março se en­con­trava com Ma­nuel Alegre e ou­tros di­ri­gentes do PS. «Após ter sido de­cre­tado por Costa Gomes o “es­tado de emer­gência”, mas quando a si­tu­ação mi­litar era muito con­fusa e Lisboa es­tava cer­cada [em vez de ficar no te­atro de ope­ra­ções do golpe a de­sen­ca­dear-se nesse mesmo dia], de­cidiu-se, numa reu­nião da di­recção do Par­tido, que al­guns de nós iríamos para o Porto» (Maria João Avillez, So­ares. Di­ta­dura e Re­vo­lução, ed. cit., p. 490).
Che­gara para Mário So­ares a hora do seu «contra-golpe», a hora do plano re­fe­rido por Vasco Lou­renço, ao qual este se tinha «fir­me­mente oposto»: a re­ti­rada para o Norte «per­mi­tindo, ou pro­vo­cando, que se cri­asse a Co­muna de Lisboa, que de­pois se pro­cu­raria re­con­quistar». Agora não seria com as uni­dades das Forças Ar­madas nessa al­tura con­si­de­radas. Mas po­deria ser com as uni­dades do Norte e do Centro e com os pi­lotos e aviões que ti­nham aban­do­nado Tancos e es­tavam em Monte Real e Cor­te­gaça. E com mais armas, que po­de­riam for­necer os amigos in­gleses, con­forme não só pro­me­tera Cal­laghan di­rec­ta­mente, mas con­fir­mara por in­ter­médio de um ofi­cial do In­tel­li­gence Ser­vice .
E, à ma­neira da «fuga» es­pec­ta­cular do «cerco de S. Bento», aí vão eles agora para o Porto – do Es­toril para Sintra, pela es­trada da costa, até às Caldas da Rainha, ali pela Na­zaré e S. Pedro de Muel até ao Porto (Maria João Avillez, So­ares. Di­ta­dura e Re­vo­lução , ed. cit., p. 490).
Conta Freitas do Amaral que Mário So­ares, ime­di­a­ta­mente antes de partir para o Norte, lhe te­le­fonou a «“pedir-lhe que desse ins­tru­ções para os di­ri­gentes e os De­pu­tados do CDS irem também todos para o Porto”», a fim de a partir dali com­ba­terem a «Co­muna de Lisboa». Per­gun­tando-lhe Freitas do Amaral: «Acha que de­vemos partir antes do fim-de-se­mana?», Mário So­ares res­pondeu-lhe «à queima-roupa: “Antes do fim-de-se­mana não, Sr. Pro­fessor. Têm de partir antes do jantar. Hoje mesmo”.» (O An­tigo Re­gime e a Re­vo­lução , ed. cit., p. 461.)
Melo An­tunes e Costa Gomes fazem in­te­res­santes apre­ci­a­ções à ida para o Porto de So­ares e seus amigos no mo­mento cru­cial do 25 de No­vembro.
Melo An­tunes, usa pa­la­vras im­por­tantes para com­pre­ender esta des­lo­cação: «Ad­mito que tenha ha­vido co­ni­vência entre o PS e o Pires Ve­loso, no­me­a­da­mente na ideia da fuga para o Norte, que, do meu ponto de vista, era com­ple­ta­mente dis­pa­ra­tada e só ia criar con­di­ções de dra­ma­ti­zação, que po­diam con­duzir à guerra civil . Pas­sado este tempo todo, não me custa a ad­mitir que o PS, em par­ti­cular o Mário So­ares, qui­sessem ter, mais uma vez, um enorme pro­ta­go­nismo no meio disto tudo, apa­re­cendo no fim como os grandes he­róis.» (En­tre­vista a Maria Ma­nuela Cru­zeiro, re­vista Indy, 27-11-1998.)
Diz por sua vez Costa Gomes: «Achei de um ri­dí­culo es­pan­toso a de­cisão de os prin­ci­pais di­ri­gentes do PS se re­fu­gi­arem no Norte. E pa­rece que o Mário So­ares foi um deles. Acho que isso é uma fra­queza que as pes­soas têm de vez em quando. Talvez le­vadas, porque vejo o Mário So­ares como uma pessoa co­ra­josa. Mas, nesse mo­mento não foi o mais co­ra­joso. Fugiu do centro onde havia maior ac­ti­vi­dade re­vo­lu­ci­o­nária para um sítio onde jul­gava que havia paz. Mas era uma paz podre, com laivos de MDLP.» (En­tre­vista a Maria Ma­nuela Cru­zeiro, re­vista Indy, 27-11-1998. Cf. Costa Gomes. O Último Ma­re­chal, ed. cit., p. 363.)
Costa Gomes re­vela com fron­ta­li­dade a si­tu­ação, mas os factos atrás apon­tados mos­tram que não se tratou de uma «fuga» e sim da par­tida para a re­a­li­zação de um plano.
Indo para o Norte, onde o aguar­davam o co­man­dante da Re­gião Mi­litar Pires Ve­loso e Lemos Fer­reira, le­vando os aviões e pi­lotos de Tancos, e con­tando com o apoio po­lí­tico, di­plo­má­tico e fi­nan­ceiro da Grã-Bre­tanha, ga­so­lina para os aviões e mais ar­ma­mento, Mário So­ares vai com a ideia de que o golpe contra-re­vo­lu­ci­o­nário em Lisboa po­derá ser der­ro­tado e então ele, a partir do Norte, de­sen­ca­deará a guerra civil para es­magar a «Co­muna de Lisboa».
E, sobre os pi­lotos que, com os aviões, aban­do­naram «em bloco» Tancos, e que «cons­ti­tuíam a parte mais im­por­tante dos “páras”» e os seus co­mandos todos, não é de mais lem­brar que Costa Gomes lhes atribui grande res­pon­sa­bi­li­dade por aban­do­narem os «páras» (Indy, 27-11-1998) que em de­ses­pero foram ocupar em Mon­santo o EMGFA e prender o seu co­man­dante.
No Norte, os ali­ados de So­ares não eram fa­mosos.
Se­gundo Melo An­tunes, So­ares e o PS «ali­aram-se ao que de pior havia nas Forças Ar­madas. Como já se ha­viam aliado ao Spí­nola. Numa ali­ança que se tornou mais evi­dente de­pois da vinda dos ofi­ciais do ELP e do MDLP. Que se tor­naram nos ali­ados mi­li­tares pre­fe­ren­ciais do PS.» ( Indy, 27-11-1998).
No Porto (já re­a­li­zado o en­contro com Pires Ve­loso e Lemos Fer­reira) So­ares dá, no dia 26, uma con­fe­rência de im­prensa. In­sis­tindo na sua tese do «contra-golpe» à ten­ta­tiva de um golpe co­mu­nista, afirma que o 25 de No­vembro foi (o in­ven­tado golpe co­mu­nista, claro) «o mais grave aten­tado à de­mo­cracia por­tu­guesa desde o 25 de Abril» (Pri­meiro de Ja­neiro, 27-11-1975).
Dois dias de­pois, num co­mício re­a­li­zado também no Porto, acusa: «os res­pon­sá­veis são em pri­meiro lugar os di­ri­gentes do PCP» (Jornal de No­tí­cias, 27-11-1975). Sot­to­mayor Cardia clas­si­fica o 25 de No­vembro como «uma in­sur­reição co­mu­nista para a con­quista total do poder e eli­mi­nação dos ad­ver­sá­rios do co­mu­nismo.» (O Jornal , 5-12-1975).
Nesse co­mício des­tacou-se uma de­le­gação do PC de P(m-l), muito aplau­dida se­gundo o jornal, com um su­ges­tivo cartaz: «Prisão para Cu­nhal e seus la­caios» (Co­mércio do Porto , 27-11-1975).
Vê-se que So­ares e o PS se iden­ti­fi­cavam, quanto aos ob­jec­tivos do golpe, não com o que veio a ser o golpe e o seu re­sul­tado, mas com os fas­cistas e «laivos de MDLP» como Costa Gomes re­fere. Com spi­no­listas e «o pior que havia nas Forças Ar­madas», como re­fere Melo An­tunes. Com os re­aças a ferver para «vir por aí abaixo matar co­mu­nistas», como diria dias de­pois o chefe da rede bom­bista do MDLP Al­poim Calvão. Ainda com a ideia de li­quidar pelas armas a «Co­muna de Lisboa».
Uma ob­ser­vação mais para me­lhor se com­pre­ender o al­cance das pa­la­vras.
Os contra-re­vo­lu­ci­o­ná­rios cha­maram «Co­muna de Lisboa» à even­tual con­quista in­sur­rec­ci­onal do poder pelo PCP na grande re­gião de Lisboa. Este nome não foi uti­li­zado por acaso. Foi por ana­logia com a «Co­muna de Paris» de 1871, a qual nas pa­la­vras de Marx «era es­sen­ci­al­mente um go­verno da classe ope­rária» (Marx//​En­gels, Obras Es­co­lhidas em três tomos, Edi­ções «Avante!» - Edi­ções Pro­gresso, Lisboa-Mos­covo, 1983, Tomo II, p. 243). Tão-pouco por acaso a ana­logia da re­pressão que pro­jec­tavam para a «Co­muna de Lisboa» com a con­quista de Paris pelas tropas re­ac­ci­o­ná­rias e o ter­rível e cruel es­ma­ga­mento da «Co­muna de Paris» com fu­zi­la­mentos em massa de di­ri­gentes e da po­pu­lação.

Ca­pí­tulo 8 do livro de Álvaro Cu­nhal «A ver­dade e a men­tira na Re­vo­lução de Abril: A contra-re­vo­lução con­fessa-se», Edi­ções Avante!, Lisboa, Se­tembro de 1999, ISBN 972-550-272-8




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