«As parcerias com as IPSS são fundamentais. Porque o Estado não pode abdicar de muitas das suas responsabilidades que são inalienáveis mas, para as garantir, tem de se saber desligar daquelas que outros prestam de forma mais eficiente» (Pedro Mota Soares, ministro da Solidariedade e Segurança Social, na Fundação Millenium BCP, em 27 Abril 2013).
«O Governo tem vindo a desenvolver medidas de que o ministro deu exemplos: a procura da sustentabilidade financeira das IPSS, através da sua isenção de IRC e do reembolso de 50% do IVA; o reforço em 16% das verbas de acção social para um valor total de 254 milhões de euros; o protocolo assinado entre o governo e creches católicas; a criação de um Plano de Acção Social com um orçamento de 630 milhões de euros; o protocolo assinado, em 2011, entre o Governo e as IPSS; a maximização das capacidades instaladas em lares e creches católicas; a criação de um Plano de Emergência Alimentar, garante de duas refeições completas directas por pessoa; e a atribuição da capacidade de gestão e de inovação das IPSS para qualificar recursos humanos» ( idem, ibidem).
A névoa que se levanta à volta de tudo isto começa logo na linguagem usada na própria comunicação controlada pelo poder central e à luz da Constituição da República.
Institucionalmente, a acção social deveria estar aberta a dois agentes principais: ao Estado, como primeiro actor; e à iniciativa privada, num desempenho complementar de solidariedade. O Estado seria neutral relativamente às acções dos privados; e, estes, poderiam agir livremente nas diferentes áreas da comunidade, embora cumprindo as leis.
O que está a acontecer é bem diferente. O Estado neoliberal fragiliza conscientemente todas as estruturas de apoio institucional às suas funções sociais; legisla a fim de aplanar caminhos aos interesses privados; e desmonta sistemas públicos de intervenção em sectores essenciais como os do emprego, do ensino, da saúde, etc. Tenhamos presentes medidas governamentais recentes, tais como a devolução dos hospitais às Misericórdias, o financiamento oficial do ensino privado ou o plano de emergência alimentar nos moldes de mercado em que funciona. O Estado português capitalista intensifica, simultaneamente, a sua ofensiva cujo principal objectivo é acelerar a concentração das fortunas e empobrecer as populações, enquanto reforma a velha classe média.
Os resultados estão à vista. Há mais de um milhão de desempregados, de um a três milhões de pobres e a avalanche das falências de empresas, famílias e pessoas não cessa de crescer, bem como a inflação. A par do aumento da dívida pública, de toda a espécie de contribuições sobre os mais pobres ou do alargamento criminoso do fosso entre os interesses dos ricos e os recursos dos pobres portugueses. Por gigantescas que fossem as verbas europeias atraídas por estas políticas, elas nada mudariam às situações de ruptura que enfrentamos: todos estes montantes financeiros gigantescos vêm directamente endereçados às fortunas e às suas centrais. Aumentar a dívida mantendo as mesmas políticas é aprofundar o abismo entre pobres e ricos, pôr em evidência que o Capitalismo, como sistema, é incapaz de dar resposta ao caótico estado de coisas criado pelas operações especulativas.
A hierarquia da Igreja sabe que tudo isto é verdade. Contrariamente ao que alguns de nós possam suspeitar, o governo da Igreja tem minuciosa informação do que se passa no mundo e é constituído por especialistas com longa formação nas mais complexas matérias. No entanto, os milagres não estão ao seu alcance.
Cardeais, bispos, leigos das finanças e catedráticos católicos, bem perceberiam que numa insondável crise mundial, a Igreja se afirmasse como uma firme defensora dos pobres. Que bradasse aos quatro ventos um completo desinteresse evangélico pelo dinheiro. Ou que surgisse a luz do dia para dar de comer aos esfomeados e vender os fabulosos anéis que tem nos dedos.
Impor-se-ia, ao contrário do que afirmam os fundamentalistas beatos, que a Igreja assumisse uma atitude política clara, a nível do seu tão badalado humanismo cristão: a ética religiosa, no bom sentido, impõe o fim da mentira e luta pela justiça social. A doutrina é isto ou nada é.
Estamos no fim dos tempos. Chegou a hora da verdade!