«Seria, evidentemente, muito cómodo fazer a história universal, se somente com infalíveis probabilidades de êxito se travasse a luta.» Karl Marx

Apontamentos sobre 5 vitórias a 27 de Junho (olhando desde o Sector dos Transportes)

Manuel Gouveia

1. Direcção

No momento em que a greve geral foi decidida pela CGTP (31 de Maio), faltava menos de uma semana para a data limite de entrada de pré-avisos de greve no sector dos transportes, por força da imposição legal dos 10 dias úteis de aviso prévio.

Já antes, evidentemente, se havia realizado a aferição das possibilidades. A necessidade de avançar para a greve geral era relativamente consensual. Mas as dificuldades amontoavam-se: pouco tempo de preparação; período de férias a quebrar ligações; dificuldades económicas a asfixiarem milhões; falta de perspectiva e de confiança.

Havia ainda outras dificuldades acrescidas como sejam os acordos existentes em empresas estratégicas, onde a troco de um volume inferior de roubos face ao restante SEE existe um compromisso, mitigado, de «paz social».

E havia, claro, os factores que criavam a necessidade de avançar para uma greve geral: o desastre económico e social resultante da política de direita; o anúncio de novas e brutais medidas; o descontentamento generalizado com o Governo e a sua política; os riscos de desmoralização da resistência.

Ser vanguarda é também ser capaz de uma avaliação rigorosa das necessidades e das possibilidades a cada momento, sem nunca esquecer que a acção das massas cria permanentemente novas possibilidades.

É neste quadro que a primeira vitória da greve geral foi a capacidade de a decidir, e de a decidir com a palavra de ordem «Governo Rua!».

2. Convergência

Os protagonistas da luta são os trabalhadores. É a adesão, individual e colectiva, dos trabalhadores que determina o sucesso de uma greve. Não é o pré-aviso, nem o apelo desta ou daquela estrutura que determina o resultado final da luta. Mas é evidente que o grau de convergência alcançado entre as diferentes Organizações Representativas tem um papel importante.

E nisto da convergência importa nunca esquecer que por alguma razão é divergente o que se pretende fazer convergir. É por isso que, se para alcançar a unidade na luta dos trabalhadores muitas vezes é preciso saber fazer convergir as suas diferentes organizações, isso não implica, na maioria dos casos, qualquer ilusão sobre as possibilidades de ganhar essas organizações para o campo unitário, para a unidade.

No sector, a acção do Governo tem sido o grande motor da convergência e da unidade. Mas a arrogância com que há dois anos pensou poder «resolver o assunto», afrontando simultaneamente todo o sector, já não existe. Progressivamente o Governo foi mudando a sua táctica e os seus executantes (que não os objectivos), recuando aqui e ali, procurando retirar da luta contra a sua política alguns sectores estratégicos a troco de um nível de roubo menor.

Esta postura táctica do Governo e o tempo prolongado da ofensiva tornam mais difícil a convergência na acção, mas a política anti-laboral e anti-nacional inevitavelmente faz ressurgir a necessidade da resistência e da convergência. Alguns exemplos simples: na TAP, o Governo cedeu no volume de roubos, mas continua apostado na privatização que destruirá a empresa; na NAV, o Governo cedeu no volume de roubos, mas não só continua a roubar como se prepara para liquidar a própria empresa no quadro do Céu Único 2; nos ferroviários, o Governo cedeu parcialmente nas horas extraordinárias e feriados, mas mantém a maioria dos roubos e prepara a privatização do sector e centenas de despedimentos; nas administrações portuárias, o Governo flexibilizou a aplicação de algumas normas do OE, mas continua apostado na privatização total dos portos e na redução brutal da massa salarial, etc.

Mas até essa mudança de táctica é uma vitória: se o Governo pretende agora fazer os trabalhadores do sector dobrarem a espinha é porque foi derrotado na tentativa de lha partir!

Com a greve geral de 27 de Junho convergiram a maioria esmagadora das ORT do Sector, tendo mais de 50 assinado o apelo comum aos trabalhadores e muitas outras realizado apelos próprios convergentes. O grau e tipo de convergência alcançado, nomeadamente nas reivindicações sectoriais, foi uma segunda e importante vitória da greve geral.

3. Organização

Uma greve geral é a mais absoluta tensão de forças. Por definição, envolve todas as empresas e todos os trabalhadores. Exige linhas gerais e a capacidade de definir as prioridades e nelas colocar a força principal. Exige enfrentar os mecanismos de formatação ideológica, as forças de repressão do Estado e a actuação intimidatória do patronato. Exige planos de trabalho e a organização capaz de os concretizar.

E essa foi a terceira vitória desta greve geral. Concretizado por um autêntico exército proletário, uma onda de plenários, contactos e comunicados varreu o sector de ponta a ponta, concretizou as expectativas que já existiam e abriu possibilidades novas, transformando-as em realidades.

 4. Adesão esmagadora

A adesão à greve foi a quarta vitória registada. Ela foi esmagadora. Não foi total nem nunca será, foi, simplesmente, esmagadora. E esmagou o Governo.

Como de números e percentagens concretos já falou o Avante!, limitar-me-ei a referir uma batalha das milhares que se travaram nesta greve geral.

No sector aéreo, o Governo esperava furar a greve geral. Lera bem a posição de apoio sem adesão de três sindicatos – pessoal de voo, pilotos e controladores. Mas a actividade aeroportuária não funciona só com controladores, pilotos e restante pessoal de bordo. E apesar do Governo ter ordenado o prosseguimento da operação mesmo quando já não existiam condições de segurança para o fazer, a adesão dos sectores de terra foi de tal forma massiva no Aeroporto de Lisboa que afectou toda a operação por vários dias. Podemos destacar a adesão extraordinária da Manutenção TAP e da SPDH/Groundforce, esta última uma empresa privatizada que registou agora a sua maior greve, mas não devemos omitir o contributo determinante de cada trabalhador, de cada subsector que aderiu à greve geral, na ANA, na NAV, nas LFP, na Portway, nos refeitórios, na limpeza, na vigilância, e até a forma como laboraram alguns dos que não aderiram.

Com excepções é claro, mas no geral «os transportes pararam para que o País pudesse andar para a frente». E onde nos furaram a greve, era ver os transportes vazios, pois como não se cansa de sublinhar o Leal, «os “nossos” furas só transportam os furas dos “outros”», e a adesão foi esmagadora em todo o lado.

5. A luta continua!

 Quando escrevo estas linhas não se sabe se o Governo que a greve geral esmagou vai ser remodelado, recauchutado, substituído por outro igual ou demitido. Sabe-se que está morto: morreu esmagado!

Mas a sua política prossegue. E quando enterrarmos de vez este cadáver, as forças do capital tentarão construir um outro governo para servir os seus interesses. E a luta continua, e vai crescer em Julho.

E essa é a derradeira vitória desta greve geral. Ela contribuiu para reforçar os níveis de confiança na luta, os níveis de confiança da classe que é pelas suas próprias mãos que se libertará.

Essa é a vitória mais importante! É que a alternativa existe, mas ela não chegará numa manhã de nevoeiro transportada por um «governo de esquerda», carregando no regaço, para devolver, tudo o que foi roubado.

A alternativa, e o governo patriótico e de esquerda para uma política patriótica e de esquerda, estão a ser construídos luta a luta, pelos seus únicos protagonistas: os trabalhadores portugueses. Não é uma promessa eleitoral, é um processo, um projecto e um programa – revolucionário.

Onde a unidade, organização e luta dos trabalhadores é simultaneamente o objectivo e o caminho para o alcançar!



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