Um Governo que está «no fim da linha» e, pior, que «deixa o País no fim da linha», assim resumiu o PCP o estado a que chegou a governação.
Essa é o traço mais impressivo que fica do debate da moção de censura ao Governo apresentada pelo PS, iniciativa que contou com os votos favoráveis de todos os partidos da oposição e que a maioria chumbou quarta-feira da semana transacta.
Um desfecho já esperado mas que em nada muda o que de essencial há a reter de um debate onde esteve colocada com grande ênfase a exigência de demissão do Governo e a convocação de eleições.
Uma exigência justa e necessária que subiu de tom pela voz dos intervenientes situados à esquerda do hemiciclo, em particular dos deputados comunistas, perante um Governo e partidos seus apoiantes que revelaram não ter o fôlego de outrora e deixaram transparecer sinais de esgotamento, visível na falta de argumentos e perspectivas.
«Há muito que se justifica e impõe a demissão do actual Governo. Dissemo-lo em devido tempo, confirmamo-lo agora», afirmou logo a abrir a sua intervenção o Secretário-geral do PCP, ciente de que o Executivo está «cada vez mais isolado, desacreditado e sem legitimidade para concretizar a política que está a impor ao povo português». E por assim ser, e porque a sua acção agrava «todos os problemas do País», a demissão tornou-se «não só uma urgência nacional como na primeira e mais imperiosa medida para estancar e inverter o rumo de desastre com que o País está confrontado», sublinhou Jerónimo de Sousa.
Acção destruidora
Do lado das bancadas do Governo e dos partidos da maioria o que se ouviu foi a repetida insistência em cumprir a todo o custo o chamado memorando, em prosseguir a austeridade, recusando qualquer outro caminho.
Alterar os «compromissos assumidos» poria em causa a «credibilidade e a confiança»; «se o Governo seguisse o caminho de renegociar as condições do memorando estaríamos como a Grécia»; seria levar o País a «um segundo resgate», foram afirmações de Passos Coelho.
«É necessário persistir no ajustamento», insistiu Vítor Gaspar, deixando clara a ameaça: «qualquer desvio significativo poderá pôr em causa os sacrifícios dos últimos dois anos».
No fundo, como denunciou o líder parlamentar do PCP, trata-se de prosseguir a receita que o Governo tem vindo a aplicar e lhe tem permitido cumprir objectivos bem determinados, como seja a concentração da riqueza num punhado de poderosos, baixar salários, baixar reformas, financiar o sector financeiro à custa dos contribuintes, destruir as funções sociais do Estado, privatizar empresas públicas essenciais.
E por isso foi tão contestada pela bancada comunista a ideia de que o Governo é «incapaz» ou de que se «enganou nas suas perspectivas e previsões», como sustentou o deputado do PS Francisco Assis. Tal como é redutor falar apenas de «política económica recessiva do Governo», como igualmente refere o PS, quando em bom rigor o que está em causa é bem mais do que isso, é uma acção deliberada que significa «um aumento do desemprego que serve de alavanca para a diminuição dos direitos dos trabalhadores e para a diminuição dos seus salários».
Disse-o Bernardino Soares, antes de recordar que tudo isto é, afinal, «o memorando da troika, o programa da troika».
E essa é a razão pela qual o PCP, insistindo na necessidade de demitir o Governo, considera igualmente indispensável romper com o memorando e defender outra política.
«Porque com a mesma política, mesmo que com outro governo, não teremos resultado diferente daquele que estamos a ter agora», advertiu.
Não basta censurar
Para a bancada do PCP não basta afirmar de forma mais ou menos vaga, como fez no debate o PS , que se quer mais investimento ou que se defende as funções sociais. É que esses objectivos dificilmente são compatíveis com a «aprovação de um tratado orçamental que é um verdadeiro garrote a uma política pública de investimento, uma política pública de funções sociais do Estado».
Daí que a inversão desta política implique, obrigatoriamente, no entender do PCP – e esta foi a questão nodal por si deixada no debate –, renegociar a dívida (incluindo dos seus montantes), colocar um travão às privatizações, alterar a legislação laboral, eliminando, designadamente, a iníqua diminuição de indemnizações por despedimento.
«Se a censura não traz outra política, ela não é suficiente», realçou Bernardino Soares, para quem a receita aplicada pelo Governo – a receita do memorando – «é como um medicamento fora de prazo, que só agrava a doença, que é como quem diz só agrava a situação do País».
A alternativa não pode ser por isso «mudar de medicamento PSD/CDS/PP para um suposto genérico marca PS que tenha o mesmo princípio activo, a mesma política e, portanto, que tenha os mesmos resultados», alertou o líder parlamentar do PCP, convicto de que «se a censura não traz outra política deixa por mudar o essencial», embora possa «aliviar momentaneamente a dor de consciência do PS». Daí que, ironizou, «seria como aplicar o velho comprimido Melhoral – se não fizer bem também não faz mal».
«Mas não é disso que o País precisa. Do que precisa é de atacar de frente a doença, que é este memorando, esta política do Governo, o pacto de agressão da troika», concluiu Bernardino Soares.
Sim, há alternativa!
Muito contestada pelo deputado comunista António Filipe foi a tentativa do Governo de desvalorizar a existência de alternativa credível à sua política de desastre nacional. Lembrou a este propósito que aquele falara inicialmente de que os sacrifícios seriam para dois anos para agora vir dizer que são afinal para uma geração, segundo o ministro das Finanças. O que significa que com esta equipa governativa e com esta política é que «o País não tem alternativa», sublinhou.
E asseverou que os portugueses, esses sim, «têm uma alternativa, que saberão construir, desde que se imponha a solução democrática que se exige». E essa, esclareceu, é simples: «dar a palavra ao povo em eleições».
«Porque se dizem que não há alternativa, deixem o povo decidir e verão se há alternativa ou não há», desafiou.
António Filipe acusou ainda Vítor Gaspar de levar a debate aquela que é a agenda política do Governo – que corresponde exactamente à agenda do memorando da troika -, ou seja a «destruição do modelo de Estado social de direito construído em resultado da Revolução do 25 de Abril e da Constituição de 1976».
Aquilo a que o Governo chama de «ajustamento da economia», cujo sucesso segundo o ministro é aferido pelas «avaliações positivas» da troika, significa afinal o que os portugueses bem conhecem e sentem na pele, isto é «mais desemprego, mais destruição da economia nacional, menos apoio social, mais pobreza, liquidação de direitos sociais, abdicação da soberania nacional, sumariou o deputado do PCP e vice-presidente do Parlamento.
O enigma
Reagindo à afirmação inicial de António José Seguro segundo a qual «o Governo não quer mudar de política, mas o País quer mudar de Governo», Bernardino Soares afirmou que não podia estar mais de acordo - «é verdade» -, mas inquiriu: «e o PS quer só mudar de governo ou quer também mudar de política?»
Esta a questão central que continua por deslindar.