A sessão cultural evocativa de Álvaro Cunhal, que na tarde de sábado fez transbordar a Aula Magna da Universidade de Lisboa, é um momento que ficará na memória de todos quantos nela participaram. Para além de um espectáculo irrepreensível, com alguns dos melhores artistas portugueses da actualidade, houve emoções de sobra, numa demonstração inequívoca de que há homens que nunca morrem.
Não há outra personalidade na história recente de Portugal capaz de incutir tanta admiração e respeito como Álvaro Cunhal. Isso mesmo ficou patente na sessão cultural evocativa do passado dia 23, tanto pelos artistas que subiram ao palco da Aula Magna como pelas centenas de personalidades das mais variadas áreas da vida nacional que se reuniram na comissão promotora da sessão e pelas cerca de duas mil pessoas que encheram por completo a sala.
E não é para menos: ao longo de 75 anos, Álvaro Cunhal notabilizou-se por uma ímpar actividade política revolucionária, teórica e prática, e por um singular interesse por todas as formas de expressão artística, não só enquanto criador – escreveu romances, novelas contos e ensaios, desenhou e pintou – mas igualmente como pensador das questões da arte e da estética. Foi sobretudo estas dimensões, inseparáveis da sua condição de militante comunista inteiramente dedicado à luta, que se pretendeu destacar na sessão de sábado.
Há tanto para dizer sobre o que se passou naquelas breves quatro horas que se torna difícil fazê-lo. Em primeiro lugar pelo muito que lá aconteceu, pelos talentosos e reconhecidos artistas que, com a sua presença, homenagearam a vida e a luta de Álvaro Cunhal. E tantos e tão bons que foram, de várias expressões da rica cultura portuguesa: Rui Júnior os Tocá Rufar; a cantora lírica Ana Maria Pinto e a pianista Joana Resende; a cantora galega Uxia e o pianista Paulo Borges; a Companhia de Dança de Almada; a Magna Tuna Apocaliscspiana; o cantor de Abril Samuel; o pianista João Paulo Esteves da Silva; o fadista Camané e o pianista Mário Laginha; Sebastião Antunes e Miguel Quitério; o fadista Helder Moutinho com os músicos Ricardo Parreira, André Ramos e Yami; o cantautor açoriano Zeca Medeiros, acompanhado por Jorge Silva, Gil Alves, Rogério Cardoso Pires e Manuel Pires da Rocha, e que chamou uma vez mais ao palco a galega Uxia; Tim, vocalista e baixista dos Xutos & Pontapés, que se fez acompanhar de Mário Laginha e Vitorino; e o mesmo Vitorino, acompanhado desta feita pelo seu irmão Janita Salomé e pelos Cantadores do Redondo.
Mas não foi tudo. Para além de Cândido Mota, a quem coube salientar alguns dos mais relevantes aspectos da vida, do pensamento e da luta de Álvaro Cunhal, o palco foi ainda dos actores, que emprestaram as suas vozes aos poetas que cantaram a vida e a luta do povo, que sofreram com os seus tormentos e exultaram com as suas vitórias. Ali estiveram José Carlos Ary dos Santos, Neruda, Manuel Gusmão, Jorge de Sena, Dostoievski e José Luís Peixoto – nas vozes competentes e tantas vezes arrepiantes de Maria do Céu Guerra, Rita Lello, Luísa Ortigoso, José Wallenstein, Joana Manuel e Tavares Marques.
Palavras, sonhos e combates
Também pelas palavras que aí foram ditas a sessão ficará certamente na memória de quem nela participou. Palavras que expressavam o reconhecimento por uma vida vivida intensamente em prol dos trabalhadores e do povo, palavras de combate contra o regresso a um passado que esse mesmo povo em Abril derrotou. Palavras ditas pelo Secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, pelo reitor da Universidade de Lisboa, António Sampaio da Nóvoa, pela acriz Fernanda Lapa e por muitos dos artistas que, por estarem onde estavam, fizeram questão de sublinhar o quanto significava para eles, fazendo aquilo que melhor sabem, homenagear uma das mais fascinantes figuras da história nacional.
Mas também pelo que se passou «do outro lado», dentro de cada um daqueles homens, mulheres e jovens que ali estiveram, a sessão de sábado foi única e inesquecível. É que desse lado houve lágrimas – muitas! –, houve canções e palavras partilhadas e houve algo mais profundo: um sonho partilhado, um compromisso assumido, um combate travado com milhares e milhares de outros homens e mulheres. Que vêm de há muito e que continuarão para lá de cada um deles, de cada um de nós.
De facto, como um dia escreveu Ary dos Santos, «para nós não há mortos. Só há vivos».