Na bancarrota está o povo
Jerónimo de Sousa considera o memorando da troika uma «arma de destruição massiva» e acusa o Governo de só ter olhos para salvar os bancos e ignorar a vida das pessoas.
O Governo só tem para oferecer mais desemprego, mais recessão e mais pobreza
O Secretário-geral do PCP falava sexta-feira passada no habitual debate quinzenal com o primeiro-ministro. E o primeiro desafio que lhe lançou foi no sentido de saber o que havia falhado na governação, tendo em conta a «desastrosa perspectiva» saída da 7.ª avaliação da troika, traduzida em «mais desemprego, mais recessão, mais pobreza, mais injustiças, menos apoio social do Estado».
«Foi o “desenho” da troika, como já disseram o PSD e o CDS-PP? É uma questão de forma e de incompetência do Governo, como refere o PS? Ou não será antes uma questão de substância, de conteúdo desse memorando de entendimento, com metas e objectivos, com exigências e imposições, que depois se reflectem de facto nos resultados?», indagou.
E não havendo dúvidas de que o problema está obviamente no Governo, com a sua política de direita, a questão central, para Jerónimo de Sousa, não pode deixar de estar também «nessa arma de destruição massiva de empregos, de aspirações, de esperanças que é o chamado memorando da troika e que o PCP classifica – e bem – de pacto de agressão».
Vidas desfeitas
O líder comunista não escondeu por isso a sua indignação pelo facto de o chefe do Governo estar sempre a sublinhar a «importância de salvar o sistema financeiro», encher a boca com a «ameaça da bancarrota», mas por outro lado nada dizer sobre esse preocupante cenário que é a destruição de mais 100 mil empregos (a juntar aos 400 mil que tiveram o mesmo fim desde a posse deste Governo), sobre a evolução negativa da economia, sobre a tragédia que atinge a vida de muitos portugueses.
«Os senhores não vêem que hoje muitas famílias já entraram na bancarrota? Que hoje muitos portugueses não sabem o que hão-de fazer à vida? Que hoje há cada vez mais jovens que perdem a esperança – logo os jovens que têm como característica sua ter esperança no futuro?», inquiriu, dirigindo-se a Passos Coelho, a quem acusou de «até isso estar a negar aos jovens portugueses».
«Afinal onde é que está o problema? Neste Governo de direita, no pacto de agressão, no desenho da troika ou na incompetência do Governo?», insistiu Jerónimo de Sousa, que já antes considerara surpreendente que Passos Coelho persista na «ideia de que estamos no bom caminho».
Desculpas
O primeiro-ministro, na resposta, numa versão diferente da que ultimamente tem surgido pela voz de responsáveis dos partidos da maioria, afirmou não crer que haja qualquer «problema no desenho do programa de assistência económica e financeira», o qual, precisou, «tem três pilares essenciais: o pilar voltado para a reforma estrutural; o pilar destinado a estabilizar o sistema financeiro; o pilar destinado a controlar as contas públicas».
Na «calibração do programa, nas metas que estavam apontadas e fixadas é que havia uma base de partida que não estava ajustada», em dois pontos, justificou, referindo-se ao valor do défice para 2011, por um lado, e, por outro, à inexistência no pacote financeiro dos 78 mil milhões de euros de um envelope específico para a reestruturação do sector empresarial do Estado.
Em resumo, para Passos Coelho, «não é um problema de desenho, embora tenha havido um problema de calibração nas metas que estavam apontadas logo de início».
E insistiu que é preciso cumprir o chamado memorando para «fechar esse episódio da emergência nacional e recuperar autonomia», realçando que esse objectivo deve ter «como primeira preocupação uma boa execução e não o primeiro pedido de renegociação».
Sem nunca assumir qualquer falha do Governo, aludindo «ao ajustamento das metas do défice», Passos Coelho justificou essas diferenças com os «estabilizadores automáticos». «Havendo mais desemprego (e portanto menos contribuições para a Segurança Social), mais subsídios de desemprego para pagar, essas metas teriam de ser reajustadas», argumentou. Sobre todos os restantes falhanços e erros nas previsões e metas do Governo (desemprego, dívida, recessão), ignorou-os, pura e simplesmente.
O pior cego...
Jerónimo de Sousa, na réplica, admitiu já não valer sequer a pena insistir junto do primeiro-ministro para que este «perceba a realidade e o País em que estamos».
«Há um problema, não de comunicação entre nós, mas de comunicação entre si e a realidade nacional, os trabalhadores e o povo», referiu.
É que depois da desastrosa avaliação da troika, lamentou, «não há um reconhecimento de que esta situação de desemprego é uma tragédia – e não apenas um problema –, que o País está a andar para trás com a recessão, pioram os serviços sociais e as funções sociais do Estado», tal como não há uma única medida que perspective «um futuro melhor para Portugal e os portugueses».
Um só caminho: rua!
Reafirmada por Jerónimo de Sousa no debate foi a existência de «alternativa a este rumo de desastre». Uma alternativa que passa pela ruptura com este caminho e que, do seu ponto de vista, tem uma «condição primeira, não suficiente mas importante: a necessidade de demissão deste Governo, acompanhada da necessidade de rejeição do pacto de agressão».
«Todas as iniciativas sociais, políticas, institucionais que visem a derrota desta política e a derrota deste Governo, designadamente com uma moção de censura, terá com certeza o apoio do PCP, correspondendo a um sentimento hoje maioritário na sociedade portuguesa», anunciou.
E como este é o «tempo de apressar o fim deste Governo», garantiu que o PCP, pela sua parte, lutará para que isso aconteça, «por um futuro melhor».
Passos Coelho, fraquejando na argumentação e furtando-se às acusações e à leitura crítica do líder do PCP, limitou-se a constatar que a «estratégia do PCP» (assim a designou) é diferente da sua, dizendo não acreditar que ela «esteja em condições de oferecer ao País um resultado melhor do que aquele que [o PCP] contesta».
Referência directa teve apenas a questão relativa às funções sociais do Estado, em que recusou que possa haver no País «pior serviço social», seja na saúde, na educação, no «apoio aos desempregados, no apoio aos mais humildes». E levou o dislate ao ponto de dizer que o Governo conseguiu desbloquear, descongelar as pensões mínimas sociais e rurais, conseguindo contratualizar com instituições do sector social um apoio suplementar que é necessário em tempo de crise».
Recusou também que não saiba o que se passa no País com o desemprego. «Eu sei qual é a realidade do País», afirmou, em tom majestático, garantindo que está a «trabalhar para alterar essa situação de modo a que o País possa ter um futuro diferente daquele a que pareceu condenado em 2011».
«O que nos separa é que nós defendemos um modelo de economia e de sociedade que está inscrito na Constituição da República e que os senhores, na prática, recusam», contrapôs Jerónimo de Sousa.
E convidou Passos Coelho a não pôr «o ar» de quem está muito ralado com o desemprego.
«Então está preocupado com o desemprego e prepara-se para despedir milhares de trabalhadores da administração pública por processos de chantagem», anotou, rematando: «resolva lá essa contradição para percebermos qual a verdade ou a mentira que está aqui a dizer».