O caso Arafat
Não é a primeira vez, longe disso, que deparo com reportagens de invulgar interesse na rubrica «Observatório do Mundo» da TVI24; tanto e de tal modo que tenho evitado fazer-lhe referências, pois uma velha e ácida experiência já me ensinou que nem sempre o aplauso de uma certa crítica é benéfico para o programa aplaudido, designadamente em matéria de longevidade ou mesmo de sobrevivência. Desta vez, porém, não resisto à tentação de registar a transmissão no passado domingo de uma reportagem acerca da morte de Yasser Arafat, o líder palestiniano que faleceu há oito anos num hospital francês para onde havia sido transportado. A questão é que Arafat terá sido assassinado pela Mossad israelita com o acordo e mesmo o estímulo da CIA, e é claro que a sinistra aliança não pode surpreender: bem se sabe que Israel não podia ser o que é sem o decisivo apoio norte-americano, tal como decerto a presença USA no Médio Oriente seria bem mais frágil sem aquela sua permanente testa-de-ponte encravada na margem Sul do Mediterrâneo. De qualquer modo, não parece que a denúncia do assassínio de Arafat seja um tema tão delicado e um segredo tão explosivo que recomende enorme prudência na sua abordagem. Na verdade, não só o imperialismo norte-americano tem recorrido à prática de crimes de diversa ordem e vária grandeza que são do conhecimento geral, mas também é sabido que o assassínio político tem feito parte dos seus métodos de rotina, digamos assim, quando «os superiores interesses» USA em determinada região recomendam que se lhe recorra. É neste quadro, aliás, que deve ser analisada a acusação formulada há meses por Hugo Chávez perante a aparente «epidemia» de doenças oncológicas que assaltou diversos líderes progressistas da América Latina. Chávez podia estar enganado ou não, mas não sofre dúvida que o currículo norte-americano nessa macabra matéria chega e sobra para justificar a suspeita.
Onde se fala de Maria Sklodowska
A reportagem transmitida pelo «Observatório do Mundo» explicou-nos que o reforço de suspeitas porventura já anteriormente existentes ficou muito reforçada quando peritos verificaram que roupas e objectos usados por Arafat quando do seu internamento hospitalar continuam ainda hoje, mais de oito anos depois, a acusar a presença de polónio. Ora, acontece que o polónio é um elemento raro e altissimamente tóxico, pela primeira vez isolado laboratorialmente por Maria Sklodowska, mais conhecida por Madame Curie, no decurso das pesquisas que lhe permitiriam descobrir o rádio. Não me parece que a reportagem o tenha dito, mas não ficará mal lembrar de passagem o que aliás surge como óbvio: que o nome deste elemento lhe foi dado por Maria em homenagem à sua Polónia natal, mas passemos adiante. O que mais importa, isso sim, é lembrarmos que Arafat, pela sua muita capacidade diplomática e pelo carisma que exercia sobre a maioria do povo palestiniano, era um risco para os falcões de Telavive, que são muitos e ferozes, e para os norte-americanos, que são simultaneamente seus cúmplices e seus patrões. A este quadro, junte-se-lhe os antecedentes, como se diz na burocracia, e insira-se no contexto. Lembremo-nos de que sem o permanente conflito com o povo palestiniano que determina um permanente estado de mobilização psicológica e inclui a prática regular de sempre impunes crimes de guerra contra a população civil que mantêm em brasa a fogueira da resistência palestiniana, o poder sediado em Telavive poderia ser outro, diferente e talvez melhor, pelo que a eventualidade da paz surge como um susto aos olhos dos governos actuais. Entretanto, já a viúva de Arafat se decidiu pela exumação dos restos mortais do marido para sua análise científica, restando saber se os resultados desse trabalho alguma vez serão suficientemente divulgados e sobretudo se constituirão ponto de arranque para uma investigação completa e frutuosa. Não será fácil que seja assim. Por várias razões e sobretudo porque a moderna Roma, ao contrário do que consta ter sido regra da antiga, paga a traidores. Mas da suspeita intensa já nem Telavive nem Washington se livram. Sem surpresas. Pois bem se sabe que de ambos os lugares podem sair sentenças de assassínio político a usar como aceitáveis armas de guerra.