De um direito a sobre-exploração
«Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado.
Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país.»
Os direitos atrás referidos constituem Artigo 13.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Assembleia Geral da ONU em 10/12/1948 e adoptada em Portugal em 1978.
O SEF, ao quantificar o número de imigrantes, utiliza a palavra «STOCK» como se um imigrante fosse um mero produto que se inventaria no final do ano para constar no balanço contabilístico de uma empresa
LUSA
O direito à emigração é um valor constitutivo do nosso ordenamento jurídico expresso na Constituição que, em 1976, referia: «Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem»
É um direito que os nossos compatriotas exerceram à revelia do poder de Salazar e Caetano para fugirem da repressão fascista, bem como para minimizarem a miséria e evitar a incorporação militar no contexto da guerra colonial.
É um direito que muitos compatriotas exercem, hoje em dia, como reacção às políticas fascizantes de empobrecimento em curso levadas a cabo pelo Governo do PSD/CDS-PP, procurando em outras regiões os meios necessários à sua subsistência e da sua família.
É também, por todas as razões atrás descritas, um direito extensivo a todos aqueles que vivendo em outros países procuram Portugal como país de acolhimento onde os aguardam, em termos legais, os direitos e deveres de que gozam os portugueses.
A emigração é um direito de cidadania cuja realidade vale a pena analisar na parte que diz respeito aos estrangeiros que, na qualidade de imigrantes, residem em Portugal.
Número de estrangeiros
a residir em Portugal
Quantos estrangeiros residem em Portugal? Eis uma pergunta de resposta difícil. O INE, através dos censos de 2011, diz uma coisa; o SEF – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras –, no seu relatório reportado a 2011, diz uma coisa diferente.
Com efeito, em 2011, de acordo com os Censos promovidos pelo INE, os estrangeiros residentes em Portugal – cerca de 3,7% do total da população – ascendiam a 394 496 cidadãos, dos quais 52,3% e 47,7% eram, respectivamente, mulheres e homens.
Por outro lado, o SEF referia, para aquele mesmo ano, a existência de 436 822 cidadãos estrangeiros a residir em Portugal, valor que supera em 42 326 os dados do INE.
(Duas Notas: 1.ª : O SEF, ao quantificar o número de imigrantes, utiliza a palavra «STOCK» como se um imigrante fosse um mero produto que se inventaria no final do ano para constar no balanço contabilístico de uma empresa. 2.ª : A linguagem tem, como sempre teve, um conteúdo ideológico, pelo que se sugere que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras passe a ter a seguinte designação: Gestão de Stocks).
Embora a imigração envolva muitas nacionalidades – cerca de 190 –, a verdade é que existe uma elevada concentração em poucos países de que se destaca os abaixo referentes, todos aqueles com mais de 15 000 imigrantes.
Se utilizarmos o critério do INE o resultado é o seguinte em termos de número de imigrantes:
– Brasil, 109 787;
– Cabo-Verde, 38 895;
– Ucrânia, 33 790;
– Angola, 26 954;
– Roménia, 24 356;
– Guiné-Bissau, 16 360;
– Reino Unido, 15 774;
– China, 11 458.
Se utilizarmos o critério do SEF o resultado é o seguinte em termos da ofensiva expressão, «stock de imigrantes»:
– Brasil, 111 445;
– Ucrânia, 48 022;
– Cabo Verde, 43 920;
– Roménia, 39 312;
– Angola, 21 563;
– Guiné-Bissau, 18 487;
– Reino Unido, 17 675;
– China, 16 785.
Comparativamente aos Censos de 2001, verifica-se que as maiores taxas de crescimento de residentes estrangeiros incidiram na imigração proveniente da Roménia, da China, da Moldávia, do Brasil e da Ucrânia, todos eles com taxas superiores a 200%.
Em termos absolutos o maior aumento diz respeito ao Brasil, com 77 918, a que se seguem a Ucrânia e a Roménia, com aumentos, respectivamente, de 22 997 e 21 695 novos imigrantes.
Em sentido oposto houve uma diminuição de residentes angolanos e franceses.
Todos estes dados permitem uma conclusão óbvia e que é esta: há uma evidente diminuição da imigração oriunda dos países africanos de expressão portuguesa, diminuição largamente compensada com o aumento significativo da imigração brasileira e do Leste europeu, o que permite, em termos regionais a seguinte conclusão relativamente à origem dos actuais imigrantes:
– cerca de 29% são oriundos da América do Sul;
– cerca de 24% são oriundos da União Europeia;
– cerca de 24% são oriundos dos países africanos de expressão portuguesa.
– cerca de 23% são oriundos da Ásia, da América do Norte, da Oceania e dos países europeus não integrados na UE.
Há, pois, embora numa pequena escala, uma multiculturidade que importa assinalar.
Local de residência dos imigrantes
Os imigrantes estão, como todos sabem, dispersos por quase todos os 308 concelhos do País, embora a sua maior concentração esteja localizada na parte litoral do continente confinada pela Região Oeste, Grande Lisboa, Península de Setúbal, Litoral Alentejano e Algarve.
Por esta razão não é de admirar que, com base nos dados provavelmente sub-avaliados do INE, os concelhos com mais imigrantes estejam aí localizados e que são os seguintes:
– Sintra, 34 994;
– Lisboa, 34 492;
– Amadora, 18 883;
– Cascais, 18 661;
– Loures, 17 638;
– Odivelas, 12 925;
– Almada, 11 399;
– Seixal, 10 649;
– Loulé, 10 303;
– Oeiras, 10 187.
Neste universo, ou seja, os concelhos com mais de 10 000 imigrantes, as maiores percentagens de estrangeiros face à respectiva população dizem respeito a Loulé e à Amadora com taxas de 14,7% e 10,8%, respectivamente.
Com taxas na ordem dos 9% temos Sintra, Cascais e Odivelas.
No concelho de Lisboa, há 6,3 estrangeiros por cada 100 habitantes.
Em oposição a estes dados temos as Regiões Autónomas, bem como Trás-os-Montes, Beira Interior, Vales do Ave e do Tâmega e Entre Douro e Vouga onde a presença de imigrantes é meramente residual.
Caracterização etária
e académica da população imigrante
A população estrangeira comparativamente à portuguesa é mais jovem.
Com efeito, a média etária dos imigrantes corresponde a 34,2 anos para uma média nacional de 42,1 anos.
Tal realidade explica três importantes questões:
– explica que a percentagem de idosos da população estrangeira é de apenas 5%, enquanto a portuguesa é de 19,6%, tendo, uma e outra, como referência a estrutura etária das respectivas populações;
– explica que a percentagem da população activa é mais elevada nos imigrantes do que a dos portugueses;
– explica que os encargos com as pensões sejam menores nos imigrantes comparativamente aos nacionais. Com efeito, a percentagem de reformados nos imigrantes é de 6% e a dos portugueses é de 22,8%.
Esta estrutura etária não é uniforme.
Ela é mais baixa nos imigrantes romenos, moldavos e brasileiros; mais elevada nos espanhóis e muitíssimo mais elevada nos residentes oriundos do Reino Unido. A média de idades dos súbditos de sua majestade anda à volta dos 50,2 anos, facto explicado pela existência de inúmeros reformados residentes no Algarve.
No plano da escolaridade verifica-se que as maiores percentagens inferiores ao 3.º ciclo abrangiam os imigrantes oriundos das ex-colónias, enquanto os espanhóis, os britânicos e os ucranianos eram detentores das maiores percentagens de qualificações do Ensino Superior.
Actividade laboral
e estrutura salarial dos imigrantes
A emigração, como já foi referido, resulta de vários factores, embora o mais determinante seja aquele que está associado à venda da força de trabalho.
Isto é universal: acontece com os portugueses que emigram e com os estrangeiros que elegem Portugal como país de acolhimento.
A prova provada dessa constatação está plasmada nos Censos de 2011 que concluem que cerca de 59% dos imigrantes com idade igual ou superior a 15 anos tem como principal meio de vida o trabalho.
Segue-se cerca de 20% dos imigrantes que vivem a cargo da família e de 14% que têm como principal meio de vida as reformas, o subsídio de desemprego e outros subsídios temporários.
Tudo isto confere ao factor trabalho uma enorme centralidade que importa analisar.
Assim, de acordo com os últimos «Quadros de Pessoal» tornados públicos havia 149 040 estrangeiros a exercer uma actividade laboral, embora os Censos de 2011 refiram um valor mais elevado, cerca de 196 296.
Entre um e outro valor há uma diferença de 47 256 trabalhadores o que indicia, em benefício do patronato, a existência de um numeroso grupo de trabalhadores à margem de contratos de trabalho devidamente formalizados.
A este propósito vejamos três exemplos:
– o caso brasileiro: os censos referem 65 358 cidadãos a viver do trabalho, enquanto os «Quadros de Pessoal» referem 42 250;
– o caso ucraniano: os censos referem 20 783 cidadãos a viver do trabalho, enquanto os «Quadros de Pessoal» referem 19 623;
– o caso cabo-verdiano: os censos referem 16 534 cidadãos a viver do trabalho, enquanto os «Quadros de pessoal, referem 14 918.
Estas três nacionalidades são aquelas que têm mais trabalhadores por conta de outrem a exercer uma actividade laboral em Portugal.
Seguem-se, balizados entre 5000 e 10 000 trabalhadores, os romenos, os angolanos, os guineenses, os moldavos e os chineses, estes últimos com 5349 empregados, dos quais 1097 eram, simultaneamente, patrões.
Na base do trabalho com registo oficial as actividades predominantes dos imigrantes são:
– actividades ligadas a serviços de apoio (limpeza, vigilância, etc.), 27 845 trabalhadores;
– alojamento, restauração e similares, 26 362 trabalhadores;
– construção civil e obras públicas, 22 340 trabalhadores;
– comércio, 19 318 trabalhadores;
– indústrias transformadoras, 14 755 trabalhadores;
– actividades de saúde humana e apoio social, 6046 trabalhadores;
– transportes e armazenagem, 6027 trabalhadores;
– agricultura, 5477 trabalhadores.
Estas actividades perfazem cerca de 90% do trabalho por conta de outrem dos imigrantes, valor que certamente está sub-avaliado porque não tem em conta, sobretudo na agricultura, na construção, na restauração e no comércio, os já referidos 47 256 trabalhadores não identificados nos «Quadros de Pessoal».
Qual a estrutura salarial dos imigrantes?
Os salários dos imigrantes são extremamente baixos, mais baixos do que os baixos salários dos portugueses.
São inferiores, em termos de média global, em 13% no que diz respeito à remuneração base e de cerca de 15% no que se refere à remuneração base acrescida de subsídios.
Os salários mais baixos são os seguintes:
– actividades de limpeza, 516 euros;
– actividades ligadas à preparação de refeições, 521 euros;
– actividades agrícolas, 522 euros;
– actividades não qualificadas no sector secundário, 526 euros.
Estes salários abrangem sobretudo os imigrantes provenientes de África, América do Sul e Leste Europeu.
Os imigrantes provenientes da Alemanha, Reino Unido, Espanha, têm salários mais elevados porque: uns são gestores de grandes unidades industriais; outros são professores e, outros ainda, são médicos.
Juntando tudo o atrás referido e descontando as inúmeras excepções, não andaremos muito longe da verdade se dissermos o seguinte. «Diz-me qual o teu país de origem e dir-te-ei que salário usufruis».
As clivagens sociais
e étnicas promovidas pela direita
Os salários, convém repetir, são baixos mas isso não significa que no actual contexto de regressão social não possa haver um movimento xenófobo – anti-imigrantes –, similar àquele que Paulo Portas desenvolveu relativamente às pessoas que beneficiam do rendimento social de inserção.
Quem não se lembra dessa campanha de Paulo Portas levada a cabo em dois planos?:
– um, associando o rendimento social de inserção a um subsídio à preguiça;
– outro, associando o aumento das pensões mínimas à custa da chamada moralização daquele subsídio, ou seja, proclamando-se uma maior justiça social por via da transferência de rendimentos de beneficiários pobres para outros pobres beneficiários de pensões mínimas.
Nos tempos que correm, com uma elevada percentagem de desempregados, pode estar aberto o caminho à mais despudorada demagogia como aconteceu no caso atrás referido e como aconteceu num recente encontro de jovens do PSD onde Passos Coelho, a pretexto de «direitos mal adquiridos» na área das chamadas pensões milionárias, exortou os jotas do seu partido a lutar contra todos aqueles que, descontando uma vida inteira para os vários sistemas de Segurança Social, têm reformas legais, de acordo quer com os descontos efectuados, quer com o respectivo período contributivo.
A clivagem entre jovens e idosos fomentada por Passos Coelho não tem como cenário as reformas escandalosas da jovem Presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves e do banqueiro Mira Amaral, entre outros, beneficiários de pensões atribuídas à revelia do período contributivo e da idade legal da reforma.. Nada disso.
A postura de Passos Coelho tem a ver com uma clivagem geracional levando jovens acéfalos do PSD a acreditar que os seus futuros direitos estarão em perigo pelos actuais direitos dos mais idosos.
A campanha de Paulo Portas contra os beneficiários do rendimento social de inserção e a campanha de Passos Coelho contra os actuais reformados e pensionistas podem estimular campanhas similares na área da imigração a exemplo do que já acontece com a prática dos nazis do Partido Nacional Democrático, na Alemanha, com o «Aurora Dourada», na Grécia e com o «España 2000», na vizinha Espanha.
Tais organizações não são, convém esclarecer, iguais do plano político. Mas são iguais na aversão aos imigrantes.
Com tais casos tão próximos não é de excluir que, entre nós, em nome dos portugueses desempregados – da geração dos 600 euros –, não surja, estimulada pelo núcleo fascizante do poder executivo, uma campanha xenófoba contra o emprego da geração imigrante dos 500 euros.
Eis um tema para o qual, todos nós, devemos estar atentos.
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Fonte:
– Quadros de Pessoal , MSSS, Junho de 2012;
– A População Estrangeira em Portugal, INE, 17/12/2012;
– Jornal Público de 23/12/2012.