Lutar pelo Poder Local democrático em Lisboa
Em 2008, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa anunciou que já tinha arrumado a casa. Nada disso aconteceu.
Durante anos, combatemos a propaganda das mega-operações que marcaram as discussões das Grandes Opções do Plano e dos Orçamentos. Deram em nada, sucessivamente, porque serviam apenas para tentar ocultar a realidade dos factos, da obra que não foi feita, das actividades que ficaram no papel.
A reabilitação urbana está por fazer, o urbanismo inteligente foi chão que
Agora veio à liça a venda de terrenos do aeroporto, para não se falar de outras coisas que seriam bem melhores para a cidade.
Com o memorando de entendimento, lá se foram os anéis dos terrenos para o Governo, em operações de fim do ano, consagradas em despachos e outras soluções de artifício. A operação deu lucro ao Governo em dois carrinhos: a dívida assumida releva para a dívida pública e a privatização da ANA – Aeroportos ajudou a diminuir o défice. Para além disso, ajudaria à privatização da TAP, o que seria ainda mais ruinoso.
Perderam a cidade e o País, em património e em independência do espaço aéreo, na privatização da ANA, mas lá se abate a dívida. Resta saber o que vai ser feito de 47,7 milhões de euros de poupança do serviço da dívida em 2013. Ano de eleições e propaganda, como se viu na comunicação social, após as operações consagradas em despachos e propostas levadas à Câmara em Janeiro, decorrentes dos entendimentos com o Governo.
Mas isso não oculta por exemplo que, no património imobiliário, a Câmara Municipal seja a principal proprietária da Lisboa em degradação, por ausência de medidas sérias na reabilitação urbana. Acresce a isso a decisão de extinção da EPUL, que poderia ser motora dessa reabilitação e que, afinal, dará lugar à perda de património humano e experiência necessários ao futuro de Lisboa, na política de habitação e reabilitação com preços moderadores. Também aqui, serve-se os interesses de quem? O PCP está contra esta extinção, que abrirá portas a quem fará da reabilitação lucro fácil e especulação atrás de especulação.
Ausência de política cultural
e de identidade
Neste processo de discussão das Grandes Opções do Plano e Orçamento, vieram ao de cima as opções pelo negócio dos terrenos do aeroporto, com o presidente da Câmara até a falar na privatização da TAP, mas acabou por ficar na verdade concreta, ou seja, a alienação dos espaços aeroportuários e do espaço aéreo nacional na privatização da ANA, para a qual tão prestimosamente concorreu, em desfavor de Lisboa, dos trabalhadores da empresa e do País.
A cidade aberta e amigável, a fixação das pessoas nos bairros e outras grandes linhas de acção propagandeadas são ignoradas na prática. O que por aí se vê, a começar pela Praça do Comércio, é uma realidade que não identifica Lisboa. Antes a dispersa e repete em restaurantes e afins que seguem acacianamente o que se vê noutras cidades lá fora; as esplanadas iguais, o jeito cabotino de usar o que devia ser popular e não é, em arcadas que poderiam servir de elos de ligação e de convívio e que assistem ao desfilar de quem atravessa o vazio da praça para ir apanhar os barcos para o Barreiro e os transportes para mais longe ainda, num abandono que é fado triste e só empobrece Lisboa.
Ali, na praça, vale a pena ver os cartazes que identificam a obra no monumento a D. José I. Estão lá a história, as razões e a concepção artística, o trabalho forçado do transporte humano do cavalo e do rei para a praça, que este, mesmo em estátua, não admitia ser puxado por bestas. Poderiam estar bem à vista, e não estão, o património enterrado no subsolo, o cais descoberto nas imediações da Rua do Ouro, as mil e uma riquezas e patrimónios de centenas de anos.
Na história da cidade e dos descobrimentos, na Baixa e nos caminhos para o Castelo, o Rossio e o Bairro Alto, haveria esse grande encontro de descobrir a cidade desde a sua génese, e não há. A política de ligação entre o património e a acção cultural era necessária, mas não existe. O que sobressai é a entrega de arcadas a projectos iguais e repetidos, na restauração e na venda de recordações também formatadas e repetidas. Depois de dar a volta à praça, depois de não encontrar o que era necessário, a actividade cultural, a musealização hábil e séria do património, chega-se, finalmente, ao Martinho da Arcada e é um suspiro de alívio e de reconhecimento. Ali sim, cheira a Lisboa e a memória, encontra-se a cultura que identifica e impulsiona.
Redução de trabalhadores
e ataques aos direitos
Quanto ao orçamento, refira-se o acréscimo de 950 000 euros nos protocolos de delegação de competências para as juntas de freguesia. Um milhão, como disse a vereadora das finanças, na Câmara. Bem pouco, perante o que fica para fazer na realidade dos bairros e das freguesias. Refira-se a redução de mais 391 trabalhadores, a quem, ufana, a vereadora das finanças chama «colaboradores». O presidente disse também na Câmara que foi reduzido o total de trabalhadores do município de 11 500 para 9300.
Como podem falar de apoio ao emprego e ao empreendedorismo em Lisboa, se começaram por dar o exemplo na retirada de direitos, segurança no trabalho, perspectivas de vida e de futuro aos trabalhadores? O que continua é a não criação de novos postos de trabalho, com a aposentação de muitos funcionários. A não reposição do número de efectivos prejudica o serviço público prestado e a criação de emprego no concelho.
É necessário referir que os cortes nos subsídios de férias e salários dos trabalhadores, bem como o corte no valor das horas extraordinárias, determinados pelos orçamentos do Estado de 2012 e 2013, permitiram uma poupança efectiva em 2012 de cerca de 30 milhões de euros, e que esta poupança em 2013 deverá ser de 17,5 milhões de euros. O sacrifício e prejuízo dos trabalhadores para a redução de passivos municipais e para o «arrumar da casa» ficam assim muito próximo da poupança do serviço da dívida conseguida com a venda dos terrenos do aeroporto, e ninguém fala disso. Serão, ao todo, 47,5 milhões de euros.
Quanto à política social para a cidade, ela deverá ser ampliada no orçamento, tendo em conta que, dos 47,7 milhões de poupança do serviço da dívida, conseguidos com a venda dos terrenos do aeroporto, só cerca de cinco milhões vão para esta área.
Falemos do Governo eficiente e participativo, como se proclama no chamado Eixo F, o privilegiado em desfavor de outros eixos. Três ofensivas caracterizaram este mandato da maioria PS na Câmara Municipal, para além de outros descaminhos e propaganda. A reestruturação dos serviços, que levou à paralisia e ao esvaziamento de áreas fundamentais, poderá vir a ser acrescentada nessa outra barbaridade que é a reorganização administrativa, com a previsível saída de trabalhadores da Câmara e o afastamento de quem trabalha em freguesias que querem extinguir. A terceira obra do regime PS foi um PDM amputado de uma filosofia de planeamento de uma cidade aberta ao trabalho, à criatividade e à humanização do quotidiano.
A reabilitação urbana está por fazer, o urbanismo inteligente foi chão que deu uvas. Avolumam-se nuvens bem negras sobre o património habitacional da Câmara, na miséria e degradação a que chegou, nas rendas agressivas e pesadas.
Falecem as promessas direccionadas para a habitação e o arrendamento para casais jovens. Há ausência de medidas de apoio às lojas e ao comércio tradicional, tal como não se trabalha para a atracção efectiva de investimentos criadores de emprego e de bem-estar.
Propostas do PCP para Lisboa
O Museu da Cidade terá cerca de 300 000 euros este ano, o que é bem pouco para o muito que poderia ser feito no desenvolvimento cultural e patrimonial de Lisboa. Há apoio a grupos de criadores, em parte para suprir a grande falta da política do Governo, que está a estrangular grupos de teatro e outras estruturas culturais de Lisboa e do País. Apoia-se assim parte do que o Estado central abandona, nesta política casamenteira do «toma lá, dá cá», entre a Câmara PS e o Governo PSD/CDS-PP.
Mas faltam projectos de desenvolvimento e de coordenação cultural para a cidade, bem expressos, na sua ausência, no abandono das estruturas associativas populares, que ficam longe de apoios e dessa realidade de filhos dilectos e proteccionismos amigáveis e eleitorais.
De salientar, ainda, a diminuição de pessoal sobretudo para a limpeza e higiene urbana. Menos serviços à população, menos saúde e qualidade de vida nas ruas e nos bairros, menos trabalhadores a servirem publicamente a cidade. Aqui, paira o olhar para o negócio dos lixos e quem se trama é Lisboa.
Na questão do trânsito e da mobilidade, cresce esse cerco à circulação em Lisboa. Lá tivemos agora novas alterações na Avenida da Liberdade. Tudo isto é um mexe e remexe a que falta auscultação de instituições representativas, empresas e operadores.
O desempenho da Câmara de maioria PS é propagandístico e grandioso em palavras e projectos, mas falha no essencial, que é dar respostas concretas à cidade e às populações dos bairros e das freguesias.
Como o PCP afirmou publicamente, votámos contra o Orçamento para 2013 e as Grandes Opções do Plano porque são documentos que tentam esconder a falta de respostas às questões essenciais da cidade. São documentos repetitivos que não elucidam os cidadãos sobre as principais estratégias que deviam existir. Não contêm respostas para assegurar uma vida melhor em Lisboa. O PCP defende e propõe que têm de ser criados mais empregos com direitos, mais políticas sociais realistas, atrair empresas que criem emprego, defender o comércio de proximidade, dar prioridade ao transporte público e ao peão, ordenar o trânsito e o estacionamento, mais e melhores serviços públicos, mais segurança para a população, cuidar da iluminação pública, reabilitar os bairros, ordenar e humanizar o espaço público, dinamizar a cultura e o desporto, apoiar o movimento associativo com intervenção activa e reconhecida na cidade, investir nos trabalhadores do Município como condição indispensável para maior eficácia dos serviços e reestruturar as empresas municipais para melhor servirem Lisboa.
Mais questões e propostas abordámos e fizemos, com a convicção clara de que termina este ano um ciclo altamente prejudicial para Lisboa, em que imperou a visão propagandística e efémera, quando Lisboa tinha e tem problemas concretos e reais que não foram resolvidos, antes se agravaram. As Grandes Opções do Plano e o Orçamento para 2013 foram rejeitados e continuaremos a lutar nas freguesias e na cidade por uma nova gestão e direcção progressivas, portadoras de um verdadeiro projecto de poder local democrático, amigo da população de Lisboa.