Defesa Nacional e Forças Armadas

Objectivo: desmantelar

Rui Fernandes

Este podia ser o título de uma qualquer ordem de operações para outra área da administração pública. Neste caso, falamos de uma ordem de operações para a acção do Governo para as Forças Armadas. Uma ordem de operações que segue o conceito mais geral de liquidar direitos a quem legitimamente os adquiriu e cuidar de os negar a quem agora chegar às fileiras.

É assim com todo o processo ligado com:

- a saúde militar, com as alterações no regime da Assistência na Doença aos Militares;

- a passagem para o Serviço Nacional de Saúde, sem aviso prévio suficientemente explicativo e clarificador, do que diz respeito a receituário;

- a extinção dos hospitais e a criação do Hospital Único, onde sobressai a pressa pelos seus encerramentos e não o planeamento e a estruturação daquilo que surgirá para responder às necessidades dos militares e famílias;

- o fim de contratos de pessoal ligado à saúde, sem garantir a sua substituição em tempo útil, gerando instabilidade.

Assim foi com todo o processo de elaboração do Conceito Estratégico em que, ao mesmo tempo que o mesmo era elaborado, o Governo

- privatizava a ANA;

- entregava a EDP;

- anunciava a privatização da TAP;

- queria a privatização da RTP, que agora diz ir reestruturar;

- promovia o encerramento de cursos de português no estrangeiro;

- desenvolvia o processo de extinção de freguesias e avançava com novas linhas de ataque à autonomia, constitucionalmente consagrada, do poder local;

- lançava a ideia do fecho de tribunais e novos encerramentos de serviços públicos;

- criava novos problemas ao ensino superior;

- lançava um novo ataque ao sector empresarial local,

entre outras tropelias, como se isto tudo (e muito mais que aqui não cabe) nada tivesse a ver com a estratégia do País, como se fosse indiferente, na definição de um Conceito Estratégico, tais empresas e sectores serem nacionais ou não, serem públicos ou não; como se fosse indiferente ter ou não cada vez mais partes do território nacional despido de serviços públicos e saber se, tendencialmente, a dinâmica é para o alargamento ou o estreitamento da distância entre órgãos de poder e as populações; como se fosse indiferente se as políticas reforçam ou enfraquecem os laços identitários com as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo; como se fosse indiferente se o caminho promove a coesão social e territorial ou, ao invés, a destrói, etc. Como se tudo isto não bastasse, teve lugar nesse mesmo período a realização de um Conselho Europeu, onde foram concluídas orientações de intensificação do desenvolvimento da chamada «capacidade de defesa» da União Europeia, acentuando ainda mais, por via das cooperações reforçadas, a submissão das Forças Armadas de cada Estado aos interesses estratégicos das principais potências da União Europeia e da NATO, e de reforço do poderio e desenvolvimento do complexo industrial militar dessa mesma União Europeia. Isto é, houve compromissos assumidos pelo Governo que condicionam as opções nacionais.

E, como um mal nunca vem só, surge o aberrante relatório do Governo/FMI metendo também prego e estopa sobre as Forças Armadas e as forças de segurança, curiosamente (ou não) recuperando teorias que tinham sido retiradas da primeira versão do Conceito Estratégico, tal a polémica que suscitaram, mas sobretudo lançando mais uma operação de destruição das funções sociais de Estado que, a ser concretizada, subverteria por completo o Estado tal qual o conhecemos, alterando fortemente as premissas que estiveram na elaboração da própria proposta de Conceito Estratégico. Um conceito elaborado por uma comissão que se prestou a tal papel, composta pelos mesmos do costume e, relativamente ao qual, não há operações de pseudo audição que o consigam maquilhar.

Mas todo este desatino governamental, fruto da arrogância e da sofreguidão no ajuste de contas com direitos e conquistas alcançados, verifica-se com:

o corte no complemento de pensão, a partir de um entendimento tortuoso da lei do orçamento de Estado, mas também com decisões em desenvolvimento quanto ao corte no número de efectivos nas Forças Armadas, sem que isso tenha como racional prévio a definição do dispositivo e missões das Forças Armadas – aspectos que decorrem da definição, ainda por fazer, do Conceito Estratégico Militar;

- com trabalhos em curso de definição de modelos de carreira – com necessária alteração, a prazo, do estatuto dos militares – onde são adiantadas ideias de criação de postos, aumento de limites de idade de permanência em alguns deles, alterações ao sistema avaliação, prevalência ao mérito em detrimento da antiguidade, aumento do tempo de serviço para passagem à reserva, alteração de critérios para atribuição, entre outros, do subsídio da condição militar, permitindo a legítima ilação de que os objectivos de corte se sobrepõem a qualquer racional de necessidade (isto é, foi definido uns milhões de cortes e a realidade ter-se-á de encaixar nesse objectivo), tudo lavrado de costas voltadas para os militares.

É com esta sintética descrição de inconsistências e incongruências, embora com uma clara matriz ideológica, que quem presta serviço nas Forças Armadas está a ser crescentemente confrontado. E não há esforço de entendimento e tolerância, mesmo apelando ao mais fundo dos bons sentimentos, que resista a tanta ofensa. Daí o mal-estar crescente que se expressa e tanto incomoda o Governo e, em particular, o pro bono ministro Aguiar-Branco.



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