A demissão do Governo e a realização de eleições constituem hoje um imperativo nacional, considera o PCP, que garante existir uma política alternativa capaz de dar novo rumo ao País, tal como há forças em condições de protagonizar essa mudança e dar corpo à alternativa política.
Só assim poderá ser resolvido esse grave problema que é o da irreversível trajectória de declínio do Governo em que, «quanto mais se afunda, mais acelera a destruição do País e a concretização do seu programa de selvajaria social e devastação económica».
«Não há alternativa à demissão do Governo e à convocação de eleições antecipadas», afirmou por isso o líder parlamentar do PCP na AR, há uma semana, numa antevisão acompanhada de uma certeza: a de que aquele «tem de ser travado» e que o vai ser mesmo, «mesmo com a sua maioria absoluta, mesmo com o alinhamento do Presidente da República com as suas orientações».
A política alternativa
Na declaração política que proferiu dia 16 o líder parlamentar comunista deixou expressa a garantia de que o PCP, pela sua parte, tem «ideias muito claras» quanto aos eixos em que deve assentar a política alternativa que defende. «É preciso renegociar já, produzir mais e distribuir melhor», sintetizou Bernardino Soares, que deixou clarificada essa outra questão essencial que é a de saber quais as «forças» que podem operar a desejada mudança. «São todos aqueles que não se conformam com este caminho, que não aceitam a agonia do País, que não desistem perante o ataque aos direitos. São todos aqueles que não aceitam a submissão ao directório europeu e a alienação da soberania nacional», esclareceu.
Antes, criticara aqueles que, como o PS, olham para as malfeitorias do Governo «apenas preocupados em capitalizar o seu descrédito, indiferentes à situação do País, (…) ajustam calendários em vez de, uma vez por todas, exigirem a demissão do Governo».
«Puro tacticismo político», viu neste comportamento Bernardino Soares, lamentando que quem assim age continue «a não contribuir para travar o desastre para que o País se encaminha».
Quadro negro
A merecer a atenção do presidente do Grupo Parlamentar do PCP esteve entretanto o relatório de Inverno do Banco de Portugal divulgado na véspera. Olhando o seu conteúdo como mais um factor a concorrer em favor dos que legitimamente exigem novo rumo para o País, salientou que nele ressalta o que «todos já sabiam», a saber que a situação social e económica com este Governo e esta política «é muito pior do que as previsões» de Gaspar, Portas e Coelho em quase tudo, da recessão ao investimento, do consumo privado às exportações ou ao desemprego.
O presidente da formação comunista desmontou ainda o argumento tantas vezes ouvido de que não há dinheiro. É o que diz o Governo e seus apoiantes quando se trata de salários e pensões, de saúde ou educação, de investimento público ou de financiamento das autarquias. Já a conversa é outra quando se trata de acudir ou garantir os interesses da alta finança e dos poderosos, para os quais nunca falta o dinheiro. «Há para pagar sete mil milhões de euros de «encargos de uma dívida que o Governo se recusa a renegociar», para «injectar 1100 milhões de euros no Banif», para «perdoar os compromissos relativos às contrapartidas pela compra de equipamento militar», para «perdoar impostos à banca e aos grandes grupos económicos», exemplificou.
«O Governo, Passos Coelho e Paulo Portas não estão enganados, estão determinados a entregar os direitos de quem trabalha, dos reformados e da população, a entregar a riqueza do País e os recursos do Estado nas mãos do capital», acusou por fim Bernardino Soares, ciente de que é esse o significado do famigerado relatório do FMI, «que é de facto do Governo e de todos os ministros, do PSD e do CDS-PP, que nele participaram».
Chega de mais do mesmo
É já corriqueira a falácia, à falta de argumentos, de que o PCP é um dos responsáveis pela queda do Governo de Sócrates. Dela voltou a socorrer-se o líder parlamentar do PS, invocando uma inexistente «aliança» com a direita para que «em Portugal houvesse uma mudança de política e de maioria». E vai daí perguntou a Bernardino Soares se «não foi um erro e precipitação do PCP abrir caminho a esta política neoliberal e sem sensibilidade social».
Repondo prontamente a verdade dos factos, Bernardino Soares lembrou a Carlos Zorrinho que no PEC IV estavam as privatizações, o aumento do IVA, incluindo da electricidade, o corte nos salários, o corte nas prestações sociais. «E o senhor deputado queria que o PCP fosse alinhar com o seu governo a fazer tudo isso?», inquiriu.
Mais, recordou que o PS «andou de braço dado com o PSD a legislatura inteira, aprovou os orçamentos com o PSD, aprovou os PEC todos com o PSD».
«E depois queria que a esquerda o fosse salvar do buraco onde o seu governo se enterrou»?, voltou a perguntar
Bernardino Soares, antes de concluir que os portugueses do que não precisam é de «mais do mesmo», pois «para isso já têm o PS». «O que precisam é de uma alternativa», sublinhou, realçando que «desdizer aquilo que se prometeu aos portugueses não é coisa que o PCP faça». E por assim ser, enumerou algumas diferenças essenciais: «o PCP diz que não quer mais privatizações e o PS diz que sim, à valorização das prestações sociais o PCP diz que sim e o PS diz que não, à valorização dos salários e reformas o PCP diz que sim e o PS diz que não».
«E este é o problema», prosseguiu, constatando que o PS «crítica e bem o Governo» – «se não mudam as políticas do Governo como é que haveriam de mudar os resultados?», disse Carlos Zorrinho – mas não retira daí as consequências.
Ora «se não mudam as políticas, se não mudam os resultados, quando é que muda a posição do PS? Quando é que decide de uma vez por todas que não é possível continuar sem a rejeição do memorando da troika e a exigência de eleições? Ou continua à espera que o descrédito do Governo lhe permita a credibilização que não obtém com a apresentação de uma proposta alternativa?», foram as perguntas devolvidas por Bernardino Soares à bancada do PS.
Plano inclinado
Ao deputado do PSD Duarte Pacheco, que o acusara de só ter visto «um dos lados do relatório do Banco de Portugal», ignorando assim «notícias positivas para o País», respondeu Bernardino Soares com ironia admitindo que «notícias boas» só se foram dadas «naquela conferência de microfone fechado», que «acabou por ser um espelho do estado do Governo». Aludia à badalada reunião de dois dias concluída na véspera onde foram impostas inaceitáveis restrições ao trabalho dos jornalistas. E por isso, e ao contrário do que ali se passara, no caso da sua intervenção, o líder parlamentar do PCP instou os jornalistas parlamentares a que a «gravem, citem, publiquem e transmitam».
Refutando que haja razões para qualquer boa notícia, insistiu na ideia de que, pelo contrário, o que se ouve «é que os portugueses no fim do mês sentirão o roubo nos salários através do efeito do IRS, que os reformados pagarão mais imposto, que as prestações sociais serão mais cortadas, que aumentará ainda mais o desemprego».
E sobre a questão da dívida – Duarte Pacheco aludira com entusiasmo à «baixa sistemática das taxas de juro no mercado da dívida portuguesa» – Bernardino Soares refreou o ânimo do deputado laranja advertindo-o para a circunstância de estar a incorrer numa «ilusão», uma vez que verdadeiramente importante na dívida é o facto de o País ter de pagar este ano 7000 milhões de euros de encargos.
E o que o deputado do PSD não quis dizer sobre a dívida, acusou, é que esta «vai superar os 120 por cento do PIB, com este Governo».
Bernardino Soares adiantou ainda que não vale a pena o PSD falar das responsabilidades do PS, como sempre faz, se não acrescentar esse outro facto essencial que é o de que tudo o que o PS fez teve o apoio do PSD e, em várias ocasiões, do CDS. «Queixa-se de quê?», indagou, por último, Bernardino Soares, dirigindo-se a Duarte Pacheco, a quem lembrou uma verdade insofismável: «o PS e o PSD foram nos últimos anos os dois pedais da mesma bicicleta que nos leva num plano inclinado para uma situação desgraçada no plano económico e social».