- Nº 2041 (2013/01/10)
Recusado trabalho suplementar à borla

Greves passam de ano

Trabalhadores

As greves ao trabalho suplementar que não é pago conforme a contratação colectiva e a prática de décadas, nas empresas privadas e no sector público, fecharam o ano velho e prolongam-se em 2013.

No Natal e no dia 1 de Janeiro, a falta de comboios e outros transportes públicos trouxe para a ribalta dos noticiários um dos mais fortes motivos das lutas de milhares de trabalhadores: a imposição de uma brutal redução do valor do trabalho suplementar, procurando que os montantes mínimos contemplados na revisão do Código do Trabalho substituam os acordos de empresa e os contratos colectivos de trabalho. A CP, a CP Carga, a EMEF e a Refer, a Rodoviária do Tejo, o Metro Sul do Tejo, a Carris e a STCP foram abrangidas por greves naqueles dias feriados – notando a Fectrans/CGTP-IN que, precisamente pelo trabalho em dias feriados, o Código até veio permitir que não seja remunerado em dinheiro.

O Sitava/CGTP-IN convocou greve ao trabalho suplementar na TAP, na Portugália, na ANA e na Portway, a partir de 17 de Dezembro e até ao final de Junho próximo. «O valor do trabalho não pode ser apenas um conceito vago», protesta o sindicato mais representativo entre o pessoal de terra, apelando à unidade e à luta para que seja respeitado o que foi livremente acordado com as empresas e incluído nos AE. Foram definidos serviços mínimos para os dias de Natal e Ano Novo.

Indústria e serviços

Na Fisipe, os trabalhadores de turno decidiram suspender até 12 de Dezembro as greves ao trabalho suplementar e nos feriados, de modo a que a administração pudesse apresentar soluções para o conflito desencadeado em Agosto. Mas a luta foi retomada, a partir de dia 21, incluindo os feriados de 25 de Dezembro e 1 de Janeiro, informaram a Comissão de Trabalhadores e a Comissão Sindical do SITE Sul (sindicato da Fiequimetal/CGTP-IN).

Também no Barreiro, a administração da Sovena não aproveitou a trégua dada pelos trabalhadores, pelo que foi convocada greve, por períodos de noventa minutos, de 17 a 21 de Dezembro. Além do pagamento do trabalho suplementar, o caderno reivindicativo contém a actualização dos salários e o pagamento dos subsídios de férias e de Natal integralmente, no respectivo mês, e não em duodécimos – revelou o SITE Sul.

Os trabalhadores da Exide (ex-Tudor), em Castanheira do Ribatejo, decidiram prosseguir em 2013 a greve ao trabalho extraordinário, que se iniciou em Agosto. No plenário de 12 e 13 de Dezembro, foi decidido recusar o plano de férias e repudiar a escalada repressiva da administração. Segundo o SIESI, da Fiequimetal/CGTP-IN, tem havido cortes de água quente nos lavatórios dos balneários, restrições a chamadas telefónicas dos trabalhadores, iniciativas disciplinares relativas ao uso de material de protecção. Aos «procedimentos insólitos, arbitrários e repressivos» acrescem a não contratação de médicos especialistas, em falta (para resposta aos graves riscos associados ao manuseamento de chumbo), e a apresentação de um plano de férias «atentatório dos interesses do pessoal».

Contra a redução do valor das horas extraordinárias e do trabalho em dias feriados, a Fesaht/CGTP-IN apresentou novo pré-aviso de greve, a partir de 3 de Janeiro e até 1 de Julho, de modo a que os trabalhadores da agricultura, alimentação, bebidas, tabacos, hotéis, restaurantes, cantinas e jogo possam recusar-se a prestar serviço, desde que este não seja remunerado conforme está definido nos contratos colectivos. A federação, num comunicado que a agência Lusa citou a 14 de Dezembro, realçou que a luta realizada nas empresas destes sectores «já deu resultados em muitos casos, pois o patronato, perante a greve declarada, manteve o pagamento tal como deve ser feito».

Não foi este o caso na hotelaria e na portaria, vigilância e limpeza da RA da Madeira, onde os trabalhadores fizeram greve nos dias 25 de Dezembro e 1 de Janeiro. Além do protesto contra os cortes na retribuição do trabalho suplementar, exigiam também o pagamento do 13.º mês, que não foi processado até 15 de Dezembro, explicou à Lusa o coordenador da União dos Sindicatos da Madeira, Álvaro Silva, do Conselho Nacional da CGTP-IN.

O problema não está resolvido também no sector cervejeiro. Na quinta e sexta-feira, em Leça do Balio e em Santarém, os trabalhadores da Unicer decidiram recusar a realização de trabalho suplementar, uma vez que a empresa, contrariando expectativas que criou (e até aquilo que escreveu em informação interna), declarou recentemente aos sindicatos que tencionava pagar apenas os valores mínimos legais a partir de 1 de Janeiro. Desde 1 de Novembro estão em greve ao trabalho extra os trabalhadores da Centralcer, recordou o Sintab, da Fesaht/CGTP-IN.

Até que sejam repostos os valores, diminuídos ilegal e desumanamente no Orçamento do Estado para 2013, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local mantém a convocação de greve ao trabalho extraordinário ou suplementar, prestado em dias normais, feriados, dias de descanso semanal e dias de descanso complementar, a partir de 1 de Janeiro.
O valor já tinha sido reduzido para metade. Mas no OE prevê-se «uma situação de quase escravatura», protesta o STAL/CGTP-IN, num comunicado que emitiu no final de Dezembro. Assim, o acréscimo seria de 12,5 por cento, na primeira hora extra, e de 18,75 por cento, nas horas seguintes; o valor horário dos feriados seria acrescido de 25 por cento.

O que são os cortes
e como derrotá-los

O conflito surge nas empresas onde as administrações – para corresponderem aos interesses dos patrões ou por indicação do Governo, no caso do sector empresarial do Estado – decidiram aproveitar as alterações ao Código do Trabalho para reduzirem drasticamente a remuneração do trabalho suplementar e do trabalho realizado em dias feriados nos casos em que, por escala, estes são considerados dias normais de trabalho.

Estes valores estão, em regra, inscritos na contratação colectiva (contratos e acordos colectivos de trabalho e acordos de empresa).

A revisão do Código do Trabalho (Lei 23/2012), a partir de 1 de Agosto, veio reduzir para metade os valores mínimos para o cálculo do pagamento:

- segundo o artigo 268.º, o trabalho suplementar, em dia útil, é pago pelo valor da retribuição horária, acrescido de 25 por cento, pela primeira hora ou fracção desta, ou de 37,5 por cento, por cada hora ou fracção subsequente; o acréscimo será de 50 por cento, por cada hora ou fracção, se o trabalho suplementar for prestado em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado.

- pelo artigo 269.º, estipula-se que «o trabalhador que presta trabalho normal em dia feriado, em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia, tem direito a descanso compensatório, com duração de metade do número de horas prestadas, ou a acréscimo de 50 por cento da retribuição correspondente, cabendo a escolha ao empregador».

Na verdade, como tem sido denunciado, ficam abertas as portas da lei para as tentativas de imposição de trabalho gratuito.

Mas estas alterações não impedem que nas empresas vigorem regimes mais favoráveis aos trabalhadores. O próprio Código o admite, no número 3 do artigo 268.º, onde se manteve o princípio de que «o disposto nos números anteriores pode ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho».

Nas vésperas de greve geral de 14 de Novembro, o Inspector Geral do Trabalho também deixou claro, respondendo a um pedido da CGTP-IN, que as normas do Código sobre pagamento do trabalho suplementar (alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 268.º), tal como a retribuição e o descanso compensatório, previstos no artigo 269.º «devem entender-se como valores mínimos, podendo praticar-se outros, desde que superiores».

A legítima luta dos trabalhadores, em defesa dos seus interesses e direitos, tem assim total cobertura legal e as administrações não podem invocar uma inexistente «imperatividade» da lei. Em várias empresas, o conflito foi resolvido ou nem chegou a surgir, porque se tornou evidente que os trabalhadores estavam unidos e determinados, para impedirem mais este corte nos seus rendimentos.