Quatro mil milhões

Correia da Fonseca

O Orçamento Geral do Estado um dia destes aprovado pela maioria parlamentar de direita, já o próprio Governo disse que não presta, com perdão para esta expressão sumária mas rigorosamente justa. E a prova provada da imprestabilidade do OE é o facto de andar o Governo, confessadamente, à procura de nada menos de quatro mil milhões de euros que diz faltarem-lhe para os tempos que aí vêm, e a galope, que é o modo como o tempo costuma mover-se. Isto soubemo-lo nós, cidadãos comuns, pela televisão, mãe de quase todas ou mesmo todas as nossas sabedorias, mas com mais minúcia graças ao dr. Luís Marques Mendes que nos estúdios da TVI24 fez questão de fazer prova pública de que em matéria de negócios do Estado «bebe do fino», como dantes se dizia e talvez ainda hoje se diga. Marques Mendes, que nem é já membro do governo, nem do parlamento, nem nada, veio lembrar-nos que os homens não se medem aos palmos, e não só referiu os tais quatro mil milhões como também acrescentou interessantes revelações complementares: que, desses quatro mil, três mil e quinhentos serão retirados às dotações iniciais das áreas da Saúde, da Educação e da Segurança Social, devendo os quinhentos milhões ainda em falta ser abatidos às dotações da Defesa, da Segurança e da Justiça. Não é preciso ser bruxo para adivinhar que vão ser os cidadãos já tão brutalizados que terão de pagar do seu já esvaziado bolso (e, no caso das áreas da Saúde e da Segurança, que sentirão no corpo e na provável redução do seu tempo de vida) as acrescidas «austeridades» decididas pelo ministro Gaspar. E, de caminho, convém sublinhar que a palavra «austeridade», já tão gasta pelo intenso uso que dela tem vindo a ser feita, é utilizada na verdade em substituição da palavra «privações» que a mera boa-fé imporia para que o discurso do Governo não se situasse no território das imposturas sem princípios mas com fins.

Saber o que está dentro

Entretanto, a TV trouxe dois outros momentos que, decerto entre muitos mais, merecem registo e atenção. Um deles foi o de um banqueiro a garantir repetidamente e com enorme convicção aparente que o povo português «aguenta!», sim, «aguenta!» mais «medidas de austeridade». Foi um espectáculo breve mas intensamente repugnante, e de tal modo que não se esperaria tal coisa de um cavalheiro tão bem vestido, mas episódios destes têm o mérito de impedirem o povão de eventualmente se enganar com possíveis boas maneiras ou com o que pareçam sê-lo. O outro interessante momento de televisão a que acima se alude, este de sinal contrário ao do atrás referido, foi aquele em que Clara Ferreira Alves, no programa «O Eixo do Mal», chamou a atenção para o facto de a generalidade dos cidadãos portugueses não saber, porque de facto nunca isso lhe foi claramente dito, o que está por dentro da «dívida» em nome da qual o Governo decidiu a condenação do povo à miséria. Nesta matéria, e porventura com o objectivo de dourar de algum modo uma parte da pílula, tem-se ouvido dizer agora, na TV e fora dela, que a taxa média dos juros que nos esmagam é «apenas» de 3,5% (os bancos financiam-se a 1%!...). A questão é que esses 3,5% de média incluem parcelas oneradas por juros a mais de 7%, e que o total dos juros cujo pagamento nos é reclamado constitui cerca de um terço do total da dívida. Quanto ao que não é constituído por juros, ainda é preciso saber quem embolsou os sucessivos empréstimos que resultam na dívida externa portuguesa, se a banca ou o Estado, se se trata de dívida pública ou privada. Tudo isto configura uma espécie de nebulosa escassamente iluminada em que o entendimento dos cidadãos comuns só por excepção penetra. Contudo, é sob invocação dessa nebulosa que milhares portugueses passam fome ou são afligidos por outras carências em áreas fundamentais, que outros são empurrados para uma emigração que quase sempre é uma aventura com enormes riscos e nenhumas certezas, que a generalidade dos portugueses é intimada a «aguentar». Acontecendo que quem dispara essa intimação se esquece dos momentos da História em que os portugueses decidiram não aguentar mais.

 



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