«Fala a Marta» pelo emprego
Para preparar a privatização da área de seguros, a Caixa Geral de Depósitos semeou a inquietação na Cares, a empresa que presta assistência à OK Teleseguros, à Fidelidade-Mundial, à Império-Bonança e outras companhias. No prédio de onde «fala a Marta», os trabalhadores responderam com uma greve quase total, em defesa do emprego e do interesse público.
A Cares quer trabalho mais barato
O anúncio «fala a Marta», repisado durante mais de uma década, será provavelmente a parte mais visível da OK Teleseguros. Por sua vez, a área comercial da Via Directa, a empresa do Grupo Caixa Seguros e Saúde que detém a marca da «Marta», foi das que primeiro ficaram entregues a prestadoras de serviços externas (empresas de outsourcing), como a Reditus – comentou, à nossa reportagem, um dos trabalhadores da Cares e dirigente do Sindicato Nacional dos Profissionais de Seguros e Afins.
Na segunda-feira, manteve-se a muito elevada adesão à greve, de uma hora por turno, que já se registara na sexta, confirmaram-nos os dirigentes e delegados do Sinapsa, que estavam entre os trabalhadores concentrados, durante o terceiro período de paralisação, à entrada do número 13 da Avenida José Malhoa, em Lisboa. Com turnos de cerca de três dezenas de trabalhadores, muito poucos ficaram alheios à luta e quase todos desceram à rua, para dar mais visibilidade ao protesto.
A greve foi convocada pelo Sinapsa, com o apoio da Comissão de Trabalhadores da Cares, e depois de aprovada em plenário, a 16 de Julho. Mas já vinham de Abril os sinais de luta contra o esvaziamento da Cares, por via da eliminação de postos de trabalho e, em simultâneo, transferência de serviços para um call-center em Évora, que funciona com pessoal colocado através da Reditus.
A própria Cares, criada em 1991 e adquirida dez anos depois pela CGD, serviu para que esta lhe entregasse em outsourcing (era então Cares RH) a gestão de sinistros, que assim passou a ser assegurada por pessoal a ganhar metade do ordenado dos trabalhadores de seguros do quadro. Com isto, a Caixa procurava esquivar-se à aplicação do contrato colectivo de trabalho, assinalou Augusto Fidalgo.
Este dirigente do Sinapsa conta que, há uns sete ou oito anos, alguns dos trabalhadores da Cares contactaram o sindicato, apresentaram os motivos de descontentamento do pessoal, fizeram-se sócios e alargaram o núcleo de sindicalizados, desenvolveram uma firme acção reivindicativa. Ao mesmo tempo que a Cares foi ganhando dimensão, os trabalhadores conseguiram ir passando ao quadro de efectivos e passou a ser aplicado o contrato colectivo. O Sinapsa conta hoje com oito dezenas de associados, congratula-se Fidalgo.
Nos seus documentos oficiais, a empresa diz ter cerca de 130 trabalhadores, 44 dos quais estão em tempo parcial (dados do Relatório e Contas de 2011). Sobre este número, a Cares não prestou ainda a informação solicitada, ao abrigo da lei, pela Comissão de Trabalhadores. Andreia Martins, dirigente da CT e do sindicato, estima que uns 20 estarão contratados a termo, enquanto cerca de 15 têm vínculo à Reditus.
O final destes contratos tem sido aproveitado pela empresa para liquidar postos de trabalho. Ao mesmo tempo, um número semelhante surge no call-center de Évora. Em Abril, referia-se num comunicado conjunto do Sinapsa e da CT da Cares, tinham sido «dispensados» oito trabalhadores da assistência em viagem na Cares, surgindo sete postos de trabalho (em regime de outsourcing) em Évora. O número foi crescendo e estará hoje em duas dezenas e meia.
«Isto é transferir o serviço, nada tem a ver com o “plano de continuidade” de que a empresa fala», comenta Andreia Martins. Para o Sinapsa, trata-se de uma estratégia para baixar os custos do trabalho, na perspectiva de privatização do Grupo Caixa Seguros e Saúde, já anunciada pelo Governo.
No comunicado em que anunciou a greve, o sindicato condenou esta política da empresa, assinalando que ela representa também «mais um golpe no capital público». Só nos últimos dois anos, a Cares registou 9,8 milhões de euros de resultados líquidos (90 por cento foram atribuídos ao accionista único, a CGD). Mas, a par disso, houve «investimentos consideráveis no desenvolvimento tecnológico», dos quais acabam por beneficiar as empresas de outsourcing.
Com a greve, os trabalhadores da Cares exigem que seja posto termo à deslocalização de serviços e que não sejam postos em causa os postos de trabalho, não apenas dos contratados, mas de todos; quem está com vínculo precário, em funções permanentes, deve passar a efectivo; e o quadro de pessoal deve ser preenchido, de modo a manter a qualidade do serviço prestado às companhias e aos seus clientes.
Trata-se de uma luta «de todos os trabalhadores de seguros, pelo seu direito ao trabalho, ao salário justo e ao respeito pela sua dignidade, enquanto profissionais e cidadãos», destaca o Sinapsa, num comunicado a expressar apoio ao pessoal da Cares e a apelar à solidariedade em todo o sector.
Admitindo que o sindicato nota sinais preocupantes também na Multicare (seguros de saúde do Grupo CGD), Augusto Fidalgo insistiu que consolidar a unidade e a organização dos trabalhadores, para travar esta batalha na Cares, é também uma forma de impedir novos ataques.