Greve na assistência a seguros do Grupo CGD

«Fala a Marta» pelo emprego

Domingos Mealha (texto)
Inês Seixas e Jorge Cabral (fotos)

Para pre­parar a pri­va­ti­zação da área de se­guros, a Caixa Geral de De­pó­sitos se­meou a in­qui­e­tação na Cares, a em­presa que presta as­sis­tência à OK Te­le­se­guros, à Fi­de­li­dade-Mun­dial, à Im­pério-Bo­nança e ou­tras com­pa­nhias. No prédio de onde «fala a Marta», os tra­ba­lha­dores res­pon­deram com uma greve quase total, em de­fesa do em­prego e do in­te­resse pú­blico.

A Cares quer tra­balho mais ba­rato

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O anúncio «fala a Marta», re­pi­sado du­rante mais de uma dé­cada, será pro­va­vel­mente a parte mais vi­sível da OK Te­le­se­guros. Por sua vez, a área co­mer­cial da Via Di­recta, a em­presa do Grupo Caixa Se­guros e Saúde que detém a marca da «Marta», foi das que pri­meiro fi­caram en­tre­gues a pres­ta­doras de ser­viços ex­ternas (em­presas de out­sour­cing), como a Re­ditus – co­mentou, à nossa re­por­tagem, um dos tra­ba­lha­dores da Cares e di­ri­gente do Sin­di­cato Na­ci­onal dos Pro­fis­si­o­nais de Se­guros e Afins.

Na se­gunda-feira, man­teve-se a muito ele­vada adesão à greve, de uma hora por turno, que já se re­gis­tara na sexta, con­fir­maram-nos os di­ri­gentes e de­le­gados do Si­napsa, que es­tavam entre os tra­ba­lha­dores con­cen­trados, du­rante o ter­ceiro pe­ríodo de pa­ra­li­sação, à en­trada do nú­mero 13 da Ave­nida José Ma­lhoa, em Lisboa. Com turnos de cerca de três de­zenas de tra­ba­lha­dores, muito poucos fi­caram alheios à luta e quase todos des­ceram à rua, para dar mais vi­si­bi­li­dade ao pro­testo.

A greve foi con­vo­cada pelo Si­napsa, com o apoio da Co­missão de Tra­ba­lha­dores da Cares, e de­pois de apro­vada em ple­nário, a 16 de Julho. Mas já vi­nham de Abril os si­nais de luta contra o es­va­zi­a­mento da Cares, por via da eli­mi­nação de postos de tra­balho e, em si­mul­tâneo, trans­fe­rência de ser­viços para um call-center em Évora, que fun­ciona com pes­soal co­lo­cado através da Re­ditus.

A pró­pria Cares, criada em 1991 e ad­qui­rida dez anos de­pois pela CGD, serviu para que esta lhe en­tre­gasse em out­sour­cing (era então Cares RH) a gestão de si­nis­tros, que assim passou a ser as­se­gu­rada por pes­soal a ga­nhar me­tade do or­de­nado dos tra­ba­lha­dores de se­guros do quadro. Com isto, a Caixa pro­cu­rava es­quivar-se à apli­cação do con­trato co­lec­tivo de tra­balho, as­si­nalou Au­gusto Fi­dalgo.

Este di­ri­gente do Si­napsa conta que, há uns sete ou oito anos, al­guns dos tra­ba­lha­dores da Cares con­tac­taram o sin­di­cato, apre­sen­taram os mo­tivos de des­con­ten­ta­mento do pes­soal, fi­zeram-se só­cios e alar­garam o nú­cleo de sin­di­ca­li­zados, de­sen­vol­veram uma firme acção rei­vin­di­ca­tiva. Ao mesmo tempo que a Cares foi ga­nhando di­mensão, os tra­ba­lha­dores con­se­guiram ir pas­sando ao quadro de efec­tivos e passou a ser apli­cado o con­trato co­lec­tivo. O Si­napsa conta hoje com oito de­zenas de as­so­ci­ados, con­gra­tula-se Fi­dalgo.

Nos seus do­cu­mentos ofi­ciais, a em­presa diz ter cerca de 130 tra­ba­lha­dores, 44 dos quais estão em tempo par­cial (dados do Re­la­tório e Contas de 2011). Sobre este nú­mero, a Cares não prestou ainda a in­for­mação so­li­ci­tada, ao abrigo da lei, pela Co­missão de Tra­ba­lha­dores. An­dreia Mar­tins, di­ri­gente da CT e do sin­di­cato, es­tima que uns 20 es­tarão con­tra­tados a termo, en­quanto cerca de 15 têm vín­culo à Re­ditus.

O final destes con­tratos tem sido apro­vei­tado pela em­presa para li­quidar postos de tra­balho. Ao mesmo tempo, um nú­mero se­me­lhante surge no call-center de Évora. Em Abril, re­feria-se num co­mu­ni­cado con­junto do Si­napsa e da CT da Cares, ti­nham sido «dis­pen­sados» oito tra­ba­lha­dores da as­sis­tência em vi­agem na Cares, sur­gindo sete postos de tra­balho (em re­gime de out­sour­cing) em Évora. O nú­mero foi cres­cendo e es­tará hoje em duas de­zenas e meia.

«Isto é trans­ferir o ser­viço, nada tem a ver com o “plano de con­ti­nui­dade” de que a em­presa fala», co­menta An­dreia Mar­tins. Para o Si­napsa, trata-se de uma es­tra­tégia para baixar os custos do tra­balho, na pers­pec­tiva de pri­va­ti­zação do Grupo Caixa Se­guros e Saúde, já anun­ciada pelo Go­verno.

No co­mu­ni­cado em que anun­ciou a greve, o sin­di­cato con­denou esta po­lí­tica da em­presa, as­si­na­lando que ela re­pre­senta também «mais um golpe no ca­pital pú­blico». Só nos úl­timos dois anos, a Cares re­gistou 9,8 mi­lhões de euros de re­sul­tados lí­quidos (90 por cento foram atri­buídos ao ac­ci­o­nista único, a CGD). Mas, a par disso, houve «in­ves­ti­mentos con­si­de­rá­veis no de­sen­vol­vi­mento tec­no­ló­gico», dos quais acabam por be­ne­fi­ciar as em­presas de out­sour­cing.

Com a greve, os tra­ba­lha­dores da Cares exigem que seja posto termo à des­lo­ca­li­zação de ser­viços e que não sejam postos em causa os postos de tra­balho, não apenas dos con­tra­tados, mas de todos; quem está com vín­culo pre­cário, em fun­ções per­ma­nentes, deve passar a efec­tivo; e o quadro de pes­soal deve ser pre­en­chido, de modo a manter a qua­li­dade do ser­viço pres­tado às com­pa­nhias e aos seus cli­entes.

Trata-se de uma luta «de todos os tra­ba­lha­dores de se­guros, pelo seu di­reito ao tra­balho, ao sa­lário justo e ao res­peito pela sua dig­ni­dade, en­quanto pro­fis­si­o­nais e ci­da­dãos», des­taca o Si­napsa, num co­mu­ni­cado a ex­pressar apoio ao pes­soal da Cares e a apelar à so­li­da­ri­e­dade em todo o sector.

Ad­mi­tindo que o sin­di­cato nota si­nais pre­o­cu­pantes também na Mul­ti­care (se­guros de saúde do Grupo CGD), Au­gusto Fi­dalgo in­sistiu que con­so­lidar a uni­dade e a or­ga­ni­zação dos tra­ba­lha­dores, para travar esta ba­talha na Cares, é também uma forma de im­pedir novos ata­ques.




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