Avanteatro

Onde é a Cultura quem mais ordena

Num Por­tugal do­mi­nado pela troika dos cre­dores – apos­tada em in­ten­si­ficar a ex­plo­ração de quem tra­balha e em ca­na­lizar para o grande ca­pital a ri­queza criada no País – a vida dos cri­a­dores e pro­fis­si­o­nais da Cul­tura não está nada fácil: por falta de apoios e por uma po­lí­tica que cada vez mais deixa ao «mer­cado» esta es­fera de ac­ti­vi­dade hu­mana, a mai­oria tra­balha sem meios nem re­torno e há já grupos a fe­char as portas, sem con­di­ções para con­ti­nuar. Na edição deste ano da Festa do Avante!, o Avan­te­atro fará uma vez mais o oposto disto, dando ex­pressão ao que de me­lhor se faz em Por­tugal em te­atro, dança, mú­sica ou ci­nema. 

O de­bate volta este ano ao Avan­te­atro, em torno dos pro­blemas da Cul­tura

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«No­vi­dade» da pro­gra­mação deste ano do Avan­te­atro é, como afirmou ao Avante! Ma­nuel Men­donça, um dos res­pon­sá­veis por este es­paço, o re­gresso aos de­bates. Assim, no sá­bado às 16 horas, no bar do Avan­te­atro, es­tará em dis­cussão o es­tado na Cul­tura no País, com a pre­sença de muitos dos cri­a­dores, pro­du­tores e in­tér­pretes que in­te­gram a pro­gra­mação deste ano.

An­te­ci­pando o teor que cer­ta­mente as­su­mirá a dis­cussão, Ma­nuel Men­donça re­fere as «sé­rias di­fi­cul­dades» por que passam muitos grupos e com­pa­nhias, de­vido à de­missão do Es­tado de apoiar a Cul­tura, como lhe com­pe­tiria por lei e dever cons­ti­tu­ci­onal. A falta de sub­sí­dios e apoios; a ex­tinção das equipas téc­nicas em muitas com­pa­nhias; a de­pen­dência cada vez mais ex­clu­siva do me­ce­nato e das re­ceitas de bi­lhe­teira têm vindo a matar aos poucos muito do que de me­lhor se fazia – e ainda se faz – em Por­tugal. Exemplo par­ti­cu­lar­mente re­ve­lador das di­fi­cul­dades com que se de­batem os cri­a­dores é o de uma das com­pa­nhias te­a­trais que mar­cará pre­sença na edição deste ano do Avan­te­atro, o Te­atro Fórum de Moura, que re­cen­te­mente re­cebeu uma ordem de des­pejo das ins­ta­la­ções onde está se­diada (ver pá­gina 14).

Muitos mais exem­plos virão cer­ta­mente para cima da mesa no de­bate, pela viva voz da­queles que se con­frontam no dia-a-dia com en­traves imensos à sua ac­ti­vi­dade. E que, apesar delas, não de­sistem de con­ti­nuar a es­crever, a en­cenar, a en­saiar. Em suma, a criar. Também na pró­pria pro­gra­mação é a esta Cul­tura nas­cida do es­forço e de­di­cação dos seus pro­ta­go­nistas, sejam eles pro­fis­si­o­nais ou ama­dores, que o Avan­te­atro ofe­rece uma vez mais o seu palco.

 

Te­atro de li­ber­dade

 

Dos 16 es­pec­tá­culos que com­põem a pro­gra­mação deste ano, oito são de te­atro. A Com­pa­nhia de Te­atro de Al­mada apre­senta Falar Ver­dade a Mentir, de Al­meida Gar­rett, com en­ce­nação de Ro­drigo Fran­cisco. Trata-se de uma versão di­fe­rente da peça es­crita em 1845 como versão do texto do po­pular autor francês Eugène Scribe. Já o te­atro dos Aloés traz ao Avan­te­atro Laurel e Hardy Vão para o Céu, de Paul Auster, uma me­tá­fora sobre a árdua ta­refa da re­cons­trução da iden­ti­dade e das re­la­ções entre as pes­soas em busca de um mundo me­lhor. Ainda não é o fim nem o prin­cípio do Mundo, calma é apenas um pouco tarde é a pro­posta d' O Bando, com en­ce­nação de João Brites e ins­pi­rado em cró­nicas e po­emas de Ma­nuel An­tónio Pina.

Óscar e a Se­nhora Cor-de-Rosa, de Eric-Em­ma­nuel Sch­mitt, com Lídia Franco, é um hino à vida do ser hu­mano, mos­trando a ami­zade total entre uma cri­ança com leu­cemia e a se­nhora cor-de-rosa (vo­lun­tária na área da pe­di­a­tria do Hos­pital), que todos os dias o vi­sita. Alto e pára o tra­balho, do Te­atro Fórum de Moura, conta a his­tória de uma com­pa­nhia de te­atro-re­vista-circo (fi­nan­ciada pela troika es­tran­geira) que per­corre o País con­ven­cendo a po­pu­lação das suas ver­dades ab­so­lutas. Dona Ra­posa e ou­tros Ani­mais é a pro­posta da Com­pa­nhia de Te­atro de Al­mada para os mais pe­quenos. Te­resa Ga­feira apre­senta uma ale­goria do mundo ac­tual a partir das per­so­na­gens das fá­bulas de La Fon­taine.

Ainda no te­atro, Diz-lhes que não fa­larei nem que me matem, de Marta Freiras, é um texto ori­ginal ba­seado na ex­pe­ri­ência da re­sis­tência an­ti­fas­cista do his­tó­rico di­ri­gente co­mu­nista Carlos Costa re­tra­tando, através dela, a re­a­li­dade vi­vida pelos presos po­lí­ticos por­tu­gueses antes do 25 de Abril. Ma­dru­gada, de Pedro Es­tor­ninho, numa co­pro­dução Te­a­tro­en­saio/​Te­atro Art’I­magem, é um texto fic­ci­o­nado a partir de um dos in­ter­ro­ga­tó­rios da PIDE a uma das muitas mu­lheres que so­freram a cas­tração da sua li­ber­dade.

 

Dança, mú­sica, ci­nema

 

Na dança, a co­reó­grafa Cláudia Dias apre­senta Das coisas nascem coisas, in­te­pre­tado por Márcia Lança e Rui Sil­veira. Um mi­cro­fone em cena, en­qua­drado por uma pe­quena pa­rede de caixas de cartão, cir­cuns­creve o es­paço do dis­curso, onde se de­fine, co­menta e con­tex­tu­a­liza o que se faz. Para os mais pe­quenos, a Com­pa­nhia de Dança de Al­mada propõe Jogos de Le­tras, com co­re­o­grafia de Nuno Gomes e a in­ter­pre­tação de oito bai­la­rinos. Ins­pi­rado no livro de po­emas con­tem­po­râ­neos Estas são as le­tras, de Mário Cas­trim, este bai­lado re­trata o al­fa­beto a partir da imagem e do som de cada letra. Tal como no livro, a ima­gi­nação in­di­vi­dual e co­le­tiva da jovem as­sis­tência é de­sa­fiada, e o con­vite à par­ti­ci­pação ine­vi­tável.

Na mú­sica, o quin­teto Aku­an­duba – de for­mação clás­sica, mas aven­tu­rando-se pelo tango, jazz ou bossa nova – ho­me­na­geia Astor Pi­a­zolla nos cem anos do seu nas­ci­mento. O mesmo faz o Da­niel Sch­vetz Tango Trio, que re­criará vá­rios dos temas de Pi­a­zolla, bem como de ou­tros com­po­si­tores deste gé­nero mu­sical, que se dei­xaram in­flu­en­ciar pelo mestre ar­gen­tino.

Pu­ca­rinho é um pro­jecto mu­sical nas­cido em Évora em 2008, que al­terna entre mo­mentos sen­sí­veis e har­mo­ni­osos com ou­tros fortes, por vezes ex­plo­sivos e im­pre­vi­sí­veis. Aos temas es­critos em por­tu­guês e à voz que eleva a po­esia dos textos nas his­tó­rias can­tadas, soma-se a so­no­ri­dade par­ti­cular numa vi­agem que passa pelo blues, ao jazz, do clás­sico ao rock.

O Me­nino é Lindo, que fecha a pro­gra­mação do Avan­te­atro, no do­mingo à noite, é um grupo ins­pi­rado na tra­dição dos ca­va­li­nhos (pe­quenas bandas com­postas por so­pros e per­cus­sões que ha­bi­tu­al­mente acom­pa­nham as mar­chas e bailes po­pu­lares). Para além da mú­sica po­pular e mar­chas, este «bando» cons­ti­tuído por trom­petes, trom­bone, sa­xo­fone ba­rí­tono e per­cussão, atreve-se a im­pro­visar, cantar e fazer a festa!

Antes, A Roda dos Amigos, di­rec­ci­o­nado para as cri­anças, terá feito uma vi­agem pelo pa­tri­mónio mu­sical, pe­da­gó­gico e di­dá­tico de José Ba­rata Moura, so­bre­tudo na dé­cada de 70 – uma obra in­tem­poral que con­tinua e con­ti­nuará a reunir as cri­anças e o mundo.

O ci­nema vol­tará a estar pre­sente, com a exi­bição de três curtas-me­tra­gens de João Sa­la­viza: Arena, Cerro Negro e Rafa.

 

Um es­paço di­nâ­mico

 

Este ano o Avan­te­atro ho­me­na­geia... o Avan­te­atro numa ex­po­sição (cons­truída à base de pá­ginas do Avante!) que dá conta da pre­sença do te­atro e das artes de palco na Festa do Avante! desde 1986 até ao ano pas­sado. Como lem­brou Ma­nuel Men­donça, que es­teve en­vol­vido, com ou­tros ele­mentos, na re­colha de in­for­mação, a ex­po­sição re­ve­lará um es­paço «di­nâ­mico», que co­meçou por ser ex­clu­sivo para o te­atro e se foi abrindo a ou­tras artes.

«Des­fo­lhando» essas pá­ginas será pos­sível cons­tatar que pelo Avan­te­atro passou te­atro de todos os gé­neros e para todas as idades, do mais ex­pe­ri­mental aos mais só­brio, por in­ter­médio de de­zenas de com­pa­nhias, de grupos con­sa­grados a ta­lentos emer­gentes, vindos dos mais va­ri­ados lo­cais do País. Os au­tores le­vados à cena foram os mais di­versos: de Só­fo­cles a Dário Fo, de Sartre a Aris­tó­fanes, sem es­quecer Brecht e Gil Vi­cente, Al­meida Gar­rett, Fer­nando Pessoa e Mi­guel Torga. Ali foram le­vados à cena, como não po­deria deixar de ser, es­pec­tá­culos de com­bate e de luta: dos za­pa­tistas ao povo pa­les­ti­niano; da de­núncia do ra­cismo e da ex­plo­ração dos imi­grantes à va­lo­ri­zação do papel da mu­lher na so­ci­e­dade, pas­sando pela evo­cação de epi­só­dios e he­róis da re­sis­tência ao fas­cismo.

Re­cor­dadas serão igual­mente as ho­me­na­gens do Avan­te­atro a fi­guras e grupos do te­atro e da cul­tura em Por­tugal: Te­atro Mo­derno de Lisboa; Ro­gério Paulo, An­tónio As­sunção, José Gomes Fer­reira, Mário Pe­reira, Canto e Castro, Artur Ramos, Zeca Afonso, Adriano Cor­reia de Oli­veira, Hen­rique Viana, Mo­rais e Castro, Carlos Porto, Ce­leste Amorim, Vasco Granja ou Mário Bar­radas. 



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