Construir o futuro nas lutas de todos os dias
Duas centenas e meia de jovens de todo o País participaram, no fim-de-semana, no Acampamento pela Paz, realizado pelo terceiro ano consecutivo na albufeira do Maranhão, em Avis. Esta grande iniciativa culminou a actividade da plataforma Juventude do Futuro é com a Constituição do Presente – mas não a unidade e cooperação das organizações juvenis em defesa dos direitos e aspirações da juventude portuguesa, que continuará sob outras formas.
Não se pode comparar quem oprime com quem combate a opressão
A garantia foi deixada no domingo ao início da tarde por Cláudia Madeira, dirigente da Ecolojovem/Os Verdes, na cerimónia de entrega de prémios aos vencedores dos torneios de futsal e voleibol e do peddy-paper, que serviu também como despedida aos participantes no acampamento: a plataforma em defesa da Constituição da República Portuguesa deixa de existir, mas outras formas serão encontradas para que as organizações que a integraram, e outras, continuem a cooperar e a agir em defesa dos direitos da juventude.
Motivos para unir e convergir, já se sabe, não faltam. Basta recordar que o primeiro Acampamento pela Paz, que teve lugar em Julho de 2010, foi promovido pela Campanha Paz Sim! NATO Não! (criada a propósito da realização da cimeira da NATO em Portugal, no final desse ano), que agrupava muitas das associações que se reuniram depois em torno da defesa da Constituição de Abril. Ao longo de um ano e meio de existência, a plataforma Juventude do Futuro é com a Constituição do Presente, reunindo quatro dezenas de associações, promoveu um conjunto vasto de iniciativas em torno da defesa da Constituição da República Portuguesa e das garantias nela consagradas: ao trabalho com direitos; à educação; à saúde; à habitação; à cultura; ao desporto; à protecção social; à paz.
Momento alto da vida desta plataforma, para além dos dois acampamento de Avis, foi o encontro nacional realizado em Março deste ano no Seixal, no qual foi aprovado um Apelo à Juventude Portuguesa que terminava assim: «Só em conjunto e através de acções transformadoras poderemos reforçar a nossa Constituição!»
Cultura, desporto, debate, animação
À semelhança das duas edições anteriores, os participantes no terceiro Acampamento pela Paz vieram dos vários distritos do País. Eram jovens estudantes do ensino secundário ou superior, trabalhadores de vários sectores e com diferentes vínculos, activistas em diversas áreas de intervenção, membros das várias estruturas que compunham a plataforma.
Se à chegada, ao final da tarde de sexta-feira, todos estavam unidos por sonhos e convicções e por uma mesma vontade de lutar pelos direitos da juventude, ao regressarem a casa no domingo tinham todos estes sentimentos fotalecidos pelos perenes laços da amizade e da camaradagem, forjados no interminável convívio que o acompamento proporcionou. Quer nas iniciativas que constavam do programa quer nas festas que se estenderam pelas madrugadas fora, nos mergulhos na albufeira ou em conversas e cantorias à sombra ou numa qualquer esplanada.
No que respeita ao programa, a noite de sexta-feira foi preenchida com a actuação do Teatro Fórum de Moura, e da peça Alto e Pára o Trabalho, uma sátira às «verdades» com que ao longo da história as classes dominantes procuraram perpetuar o seu poder e, dessa forma, a exploração do Homem pelo Homem. Darwin, Galileu e Marx foram alguns dos pensadores evocados na peça, que divertiu e fez pensar as dezenas de jovens presentes.
O sábado foi o mais preenchido dos dias: de manhã houve desporto, à tarde um debate (ver caixa), e à noite – antes da visita à Feira Franca de Avis, onde actuaram os The Gift – o grande jantar que reuniu no pavilhão da Casa do Benfica todos os participantes no acampamento. Foi então que a jovem dirigente do Conselho Português para a Paz e Cooperação, Helena Casqueiro, sublinhou o compromisso, expresso no acampamento, de «lutar pela paz e por uma vida melhor para todos os povos do mundo». Por cá, acrescentou, a «luta alargada é fundamental para a defesa dos direitos inscritos na nossa Constituição. Por isso, saímos daqui com muito ânimo e força para a continuação da luta por um futuro justo para os jovens de Portugal e para os jovens de todo o mundo, o que é naturalmente inseparável da luta pela paz».
Num breve discurso, o presidente da Câmara Municipal de Avis reafirmou o apego do município que dirige com os valores e conquistas de Abril, dos quais foi um destacado obreiro. No domingo de manhã, dezenas de jovens pintaram um mural em Avis, que ficará como testemunho de mais este Acampamento pela Paz.
A paz é mais do que a ausência de guerra
A derrota do nazifascismo e a luta pela paz foi o tema do debate realizado no sábado à tarde junto ao Parque de Campismo do Maranhão. Promovido pela URAP, uma das organizações que integrava a plataforma, o debate contou com a participação do militante comunista e resistente antifascista José Pedro Soares e teve como pano de fundo a experiência vivida por mais de uma centena de jovens portugueses no Comboio dos 1000 – uma visita de mil jovens europeus aos campos de concentração de Auschwitz e Birkenau, promovida pela Federação Internacional de Resistentes (FIR), pela Fundação Auschwitz e pelo Instituto dos Veteranos da Bélgica.
Na sua intervenção, José Pedro Soares passou em revista as consequências dramáticas do nazifascismo e da guerra por ele desencadeada, lembrando os quase 60 milhões de vítimas e a impressionante máquina de morte e destruição erguida pelos nazis: em Birkenau, denunciou, «chegavam a matar cinco mil pessoas por dia». Entre elas estavam judeus, ciganos, eslavos – mas também, e em grande medida, militantes comunistas e todos os que se opunham de forma consistente e organizada à ordem fascista.
Recusando comparações, tão na moda nos dias de hoje, entre quem explorou e oprimiu e quem resistiu e combateu essa exploração e essa opressão, José Pedro Soares apelou a que se sacuda decididamente o espectro da criminalização que se pretende lançar sobre os comunistas e outros revolucionários. Um dos jovens que participava no debate pegou na deixa e foi mais longe, alertando para o perigo de se cair numa espécie de «autocriminalização», totalmente despropositada e nociva para o progresso da luta da juventude e dos povos.
José Pedro Soares lembrou ainda que em Portugal houve fascismo e estiveram em funcionamento campos de concentração, como o do Tarrafal. Contando o seu caso pessoal, lembrou a prisão em 1971 e as 820 horas de violento interrogatório a que foi sujeito, tendo passado vários dias e várias noites sem dormir. O 25 de Abril apanhou-o em Peniche. Mas, salientou, apesar de todo o aparelho repressivo, de toda a censura e de todas as violências, em 25 de Abril foi possível vencer e fazer uma revolução que apontou ao socialismo. Hoje, em condições diferentes (mais fáceis, por um lado, eventualmente mais difíceis, por outro) também o será, garantiu José Pedro Soares.
No debate abordou-se ainda a situação na Síria e em toda a manipulação da opinião pública que envolve esse conflito; a coragem necessária para enfrentar hoje o patronato em greves e outras acções de luta; o discurso das «inevitabilidades» e das «dificuldades», que se ouve há várias gerações. E dele saiu uma imensa confiança na capacidade transformadora da juventude e da sua luta e a certeza de que, como afirmou o moderador Ivo Serra, quaisquer que sejam as condições em que se tenha que actuar, «cá continuaremos a lutar».