Mudar a tempo para garantir alimento
Uma viagem extraordinária pelo universo da alimentação, da história à actualidade, da produção ao consumo, dos contrangimentos e problemas impostos pelo capitalismo às propostas para os superar, é o que este ano poderão encontrar no Espaço Ciência os visitantes da Festa do Avante!.
O visitante é convidado a olhar para a cadeia de produção, distribuição e consumo como parte de um sistema contrário à satisfação das necessidades humanas
Como será possível, no ano 2050, alimentar uma população mundial estimada em nove mil milhões de indivíduos? Esta é a questão colocada pelo grupo de trabalho do Espaço Ciência, explicou Augusto Flor, membro da direcção da Festa e responsável pelo colectivo de camaradas e amigos que todos os anos labora com entusiasmo na forma, dinâmica e conteúdos do Espaço Ciência.
A resposta passa inevitavelmente por uma revolução que altere radicalmente os pressupostos e as bases de um sistema que, atolado nas suas próprias contradições, periga a sustentabilidade dos recursos naturais e agudiza a desigualdade de acesso aos mesmos, problema particularmente evidente quando falamos de alimentação e do direito a ela.
Alteração radical nos campos económico, social, cultural, ecológico expressa no lema da exposição que este ano estará patente no Espaço Ciência, intitulada «Mudar a tempo para garantir alimento», disseram os membros do grupo de trabalho em entrevista ao Avante!.
Na mostra, os visitantes poderão percorrer a epopeia humana da produção, distribuição e consumo de alimentos, «desde o neolítico até à actual configuração», passando pelo antigo Egipto, Mesopotâmia, Grécia e Império Romano; da Idade Média ao testemunho da permanência árabe em Portugal, dos descobrimentos à revolução agrícola» que antecedeu a industrialização, precisou, por sua vez, Célia Figueira.
Numa vertente menos retrospectiva, serão abordadas igualmente as práticas agrícolas contemporâneas, a dominante e as prevalecentes por diversas etapas históricas, aduz Joana Dinis. Neste campo, o foco vai ser colocado na diferença entre a agricultura mais tradicional, baseada na produção diversificada de bens de acordo com os ciclos naturais, respeitadora do pousio das terras, e uma outra que galga cada vez mais terreno, intensiva, tendente à monocultura, que ocupa grandes extensões sem respeitar o descanso dos solos, e, por isso, impõe o abuso de fertilizantes químicos; que destrói habitats e respectivas espécies e introduz, em seu lugar, outras espécies, não raramente nocivas para o ecossistema, esclarece.
«Vamos fazer ainda uma referência às hortas urbanas», sublinha Anabela Silva. «Pequenos lotes de terreno usados para cultivo de legumes e frutas, na maioria dos casos», ligadas à subsistência familiar e à procura de soluções para um consumo sadio e responsável que assume hoje um peso não desprezível ao nível económico, social, cultural e geográfico.
Diagnóstico e alternativa
À necessária contextualização histórica e conceptual do tema, seguem-se os desafios e as alternativas que se colocam ao ser humano a fim de garantir a sustentabilidade dos recursos e democratizar o seu acesso.
«Correspondendo à palavra de ordem "mudar a tempo", isto é, o quanto antes», o visitante é convidado a «olhar para a cadeia de produção, distribuição e consumo como um todo, como parte de um sistema que não vai ao encontro da satisfação das necessidades humanas», nota Silvia Silva.
«Observamos hoje uma grande concentração empresarial alheia às carências alimentares dos seres humanos e ao equilíbrio do meio ambiente. Vivemos num mundo em que cerca de mil milhões de seres humanos passam fome» e cujo modo de produção dominante é responsável pela emissão de gases com efeito de estufa.
«No caso da Europa, prossegue Sílvia Silva, as dez principais empresas de distribuição alimentar representam mais de 60 por cento da quota de mercado. Prevê-se que nos próximos dez anos aumentem essa quota para 75 por cento», o que, a concretizar-se, alerta ainda, representará um crescimento significativo da sua influência no que se produz e consome, e como se produz e consome.
Resumindo, «meia dúzia de grandes grupos económicos cujo interesse fundamental é o lucro determinam a cadeia de uma ponta a outra».
Feito o diagnóstico, sublinha igualmente Silvia Silva, importa explorar os conceitos de soberania alimentar e comércio justo. «Detalharmos com alguns dados e exemplos nacionais e internacionais» e colocaremos a questão central, que é a de dar prioridade à satisfação das necessidades alimentares do ser humano.
Desafio superado
Situado junto ao lago, o enquadramento do Espaço Ciência da Festa do Avante! coloca diversos desafios na hora da sua concepção. Este é um aspecto no qual se tem vindo a trabalhar, procurando que a estrutura se apresente aprazível, de fácil acesso e circulação para os visitantes, e, simultaneamente, que garanta a tranquilidade da observação da exposição e da realização dos debates.
A tarefa não é fácil, concede Patrícia Bargado, que concorda que o desafio de projectar um espaço, em parte dedicado à reflexão e debate, bem no centro da dinâmica de massas promovida pelo Palco 1.º de Maio, ali mesmo ao lado, tem sido, ano após ano, superado.
É um exemplo da capacidade criativa e realizadora dos comunistas e dos amigos da Festa, podemos dizer. Facto ao qual acresce a reconfiguração estética e funcional do pavilhão que, à semelhança do que acontece nos demais espaços da Festa, todos os anos fazemos gala de apresentar.
Nesta edição da Festa do Avante!, o Espaço Ciência contém ainda uma novidade que é um convite suplementar ao visitante. Um pátio interior propício ao descanso, onde pontifica uma árvore de dois metros feita integralmente a partir de materiais reciclados, destacou Aurora Bargado.
Pintalgar a ciência com arte
À imagem do que já é habitual, também este ano a ciência vai ser pintalgada com arte, como explicaram Alice Figueira e Carina Carmo. Em todos os painéis da exposição serão incluídas referências literárias sobre o tema da alimentação. Miguel Torga, Aquilino Ribeiro, Alves Redol, José Saramago ou Manuel da Fonseca serão alguns dos autores chamados a contribuir.
Acresce a exposição complementar à central, na qual vão surgir conjugados o tema da alimentação e sete disciplinas artísticas: fotografia, escultura, pintura, teatro, arquitectura e música, precisou Augusto Flor.
Brincar e experimentar
Com comprovado sucesso ao longo das várias edições da Festa do Avante!, os cantinhos dedicados às crianças e às experiências no Espaço Ciência vão, desta feita, unir esforços, por assim dizer. «Normalmente tínhamos uma bancada para experiências, lembra Augusto Flor, mas este ano essa vertente vai surgir mais disseminada».
Na prática, o local onde os mais pequenos são quem mais importa, concentra também os cinco workshops propostos, através dos quais vai ser possível aprender mais sobre as sementes e as ervas aromáticas e medicinais, a sua importância e ciclo de evolução; tomar contacto com o comércio justo e a permacultura (ecossistemas sustentáveis de escala humana), ou saborear as experiências da cozinha molecular, que promete fazer as delícias de miúdos e graúdos.
Quem quiser tirar dúvidas ou simplesmente levar a exposição para casa pode adquiri um jogo concebido com o objectivo de promover a interactividade e o conhecimento em forma de perguntas e respostas.
A alimentação em debate
Da extensa e diversificada proposta do Espaço Ciência sobressaem os debates promovidos no auditório situado no interior daquele pavilhão. Um deles começa logo por chamar as ciências sociais à conversa, frisa Augusto Flor, para quem o objectivo é colocar economistas, antropólogos, sociólogos e outros cientistas sociais a debaterem com o público a questão da alimentação.
Um outro debate, revela, é sobre a investigação na área da alimentação, desde a pesquisa e estudo em sementes até aquilo que se pode chamar de geografia do ambiente, mais concretamente como são ocupados os solos.
As propostas do PCP quanto à temática que este ano é desenvolvida no Espaço Ciência ocupam igualmente papel central nos debates, não apenas porque o nosso Partido tem uma profunda, actual e valorosa análise neste âmbito, mas também porque detém propostas de classe para superar os problemas que se colocam à satisfação das necessidades alimentares de milhares de milhões de seres humanos e dinamiza frequentes iniciativas políticas quanto à defesa da soberania nacional e do equilíbrio ambiental.
Por fim, ocorrerá no Espaço Ciência um debate com o sugestivo nome de «A dieta alimentar dos extraterrestres», título chamativo, sem dúvida, que é ainda uma surpresa bem guardada, salienta Augusto Flor.